O anúncio da criação de um novo imposto (ou taxa) sobre o património imobiliário de valor mais elevado vai criar “um travão sério ao investimento no setor imobiliário e na reabilitação urbana”, avisou o fiscalista Filipe Abreu. O especialista da PLMJ assinala que o mercado imobiliário tem registado uma retoma significativa e considera que só a notícia de que haverá um novo imposto, ainda sem valores conhecidos, é suficiente para criar desconfiança e pode levar potenciais investidores a não escolherem o mercado português ou, até, a procurarem libertar-se dos seus investimentos, acrescenta.

Esta indefinição pode ser especialmente negativa para a atração de investidores internacionais, que têm sido os grandes motores da retoma no mercado imobiliário português. O fiscalista lembra a importância que os vistos gold tiveram na reanimação do setor em Portugal, atraindo cerca de dois mil milhões de euros de investimento desde a sua criação. E assinala que a maioria das transações imobiliárias feitas por estes não residentes situa-se entre 500 mil euros e um milhão de euros, um intervalo de valores que estava isento do imposto do selo de 20%, que tributa os imóveis de valor acima de um milhão de euros e que pode ser apanhado pela nova taxa.

A taxa adicional deverá incidir sobre a soma do património imobiliário de cada contribuinte quando o seu valor ultrapassar os 500 mil euros — o limite ainda não está fechado e pode ser superior. Ainda que o valor de referência para a aplicação da taxa seja o valor patrimonial tributário, e não o comercial, que é mais alto, os dois números tendem a ser próximos nos imóveis novos, como aqueles que têm uma maior procura por parte de investidores estrangeiros, sublinha Filipe Abreu.

O fiscalista alerta, ainda, para o que pode vir a ser um impacto muito profundo ao nível de setores como a banca, que detém um avultado património imobiliário na sequência da execução de hipotecas, e os serviços ou comércio. Segundo declarações de Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, o partido que negociou com o PS esta nova taxa, a ideia é a de isentar edifícios com uso produtivo. Mas não é ainda claro que setores ficarão de fora.

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A deputada do BE assumiu que a introdução da nova taxa é uma resposta à subida da procura e dos preços no mercado imobiliário. “Há muita pressão sobre o mercado imobiliário”. E esta taxa também pretende “controlar os preços” e evitar o risco de uma “bolha no imobiliário”, libertando receitas que hoje são asseguradas por outros impostos, como o IRS.

Independentemente da visão ideológica que se tenha sobre os lucros e a “especulação” neste mercado, o fiscalista da PLMJ lembra que as mais-valias do negócio imobiliário também estão a ser usadas para investir na reabilitação urbana nas cidades. Há investidores nacionais e estrangeiros que estão a comprar casas degradadas para as reabilitar e vender e isso será menos atrativo com a nova taxa. Já o mercado do arrendamento deverá ser protegido, de acordo com declarações de Eurico Brilhante Dias, deputado do PS.

Quanto à garantia dada pelos responsáveis do PS e do Bloco, de que a nova taxa não vai apanhar a classe média, num regime que excluiria da matéria coletável a residência familiar nos casos em que o conjunto do património superasse o limite de isenção, Filipe Abreu alerta para as dificuldades no cruzamento de dados entre a Administração Fiscal e o registo de proprietários: nem sempre as moradas dos contribuintes e dos proprietários coincidem.

Defender a classe média? Setor imobiliário não acredita

A notícia da nova taxa foi mal recebida entre os representantes do setor. O presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário, Reis Campos, avisa que é “enganador dizer que a classe média não vai ser afetada”. Se é verdade que “o número de proprietários que tem em seu nome imóveis de valor superior a 500 mil euros não é muito elevado”, é também certo que “os detentores do imobiliário vão fazer repercutir indiretamente mais este custo em quem quer arrendar ou em quem quer comprar casa, e os preços vão inevitavelmente subir”, afirmou ao Jornal de Negócios.

No mesmo sentido surge a reação do presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). Para Luís Lima, “este novo imposto é um ataque em força à classe média, mesmo que pareça um ataque aos proprietários mais ricos”. Isto porque, defende em comunicado, os ricos “têm a “capacidade de distribuir o respetivo património por titulares, coletivos, diversificados, de modo a que nunca seja atingido, por acumulação, o valor patrimonial tributável que vai ser castigado fiscalmente”.

O presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), António Frias Marques, chamou-se “um garrote fiscal”. “Lamentamos ser o saco de boxe desta questão toda. Se for para a frente, constitui um garrote fiscal, pois o facto de eu ser detentor de património não quer dizer que eu tenha dinheiro para pagar os impostos”, disse à agência Lusa António Frias Marques. No entender do presidente da ANP, o “verbo ‘ter’ não é sinónimo do verbo ‘ganhar’ ou ‘receber’, e isto acontece com milhares de pessoas que recebem heranças envenenadas, ou seja, recebem o património, mas não o dinheiro”.