Amantes escondidos trocam joias como se fossem fotografias um do outro. Em jardins, na sombra das plantas — este é um dos cenários que Alexandra Moura imagina para esta história. A sua época é a do reinado de Vitória e o lugar é Londres, provavelmente. Londres nessa altura, hoje e para o futuro. A designer portuguesa apresentou a sua coleção primavera/verão 2017, com inspiração vitoriana, na London Fashion Week (LFW). Alexandra Moura está focada nesta capital, ou seja, na internacionalização da marca, e por isso deu uma festa, em parceria com a revista londrina Wonderland.

Numa sala subterrânea do hotel London Edition, no Soho londrino, toca Kiss, Prince, Drake, Beyoncé e também uma música qualquer que já não se ouvia desde os anos 1990. À frente do bar há uma massa compacta de gente, logo a partir das seis e meia da tarde. Ao fundo da sala, entre plantas e por baixo de umas luzes esverdeadas e roxas, oito modelos posam com as criações para a primavera/verão de 2017 da criadora portuguesa. Estão descontraídas mas paradas, como esboços vivos desta coleção: Lover’s Eye tem folhos e laços românticos, tules transparentes trabalhados que lembram as rendas vitorianas, brocados e padrões florais densos em cores leves — azul, lavanda, amarelo e rosa.

alexandra moura londres 2

A coleção de Alexandra Moura para a primavera é rica em transparências e laços.

Esta é a época vitoriana tornada contemporânea por Alexandra Moura, partindo de um tipo de joalharia característico deste período no Reino Unido. Lover’s Eye era o nome dado às pregadeiras pintadas à mão oferecidas por um amante a outro. A pintura teria apenas um pormenor da cara de quem oferecia, tradicionalmente um olho. Impossível de identificar todo o rosto, esse amor permanecia assim oculto. “Não só esta joia mas a envolvência da época está muito presente [na coleção]… o secretíssimo, o amor secreto. E isto também tem um lado decadente porque, se há aquele amante é porque há um cônjuge e portanto… Há aqui uma certa simbologia que foi engraçada de desenvolver”, explica Alexandra Moura ao Observador, na câmara anterior da sala onde a festa começa a aquecer. A criadora tem presença nos showrooms da semana da moda de Londres, no Brewer Street Car Park, juntamente com as designers de moda portuguesas Carla Pontes, Susana Bettencourt e Daniela Barros, as mesmas da estação passada. Todas estas designers são apoiadas pelo Portugal Fashion no âmbito do projeto Next Step, que leva os criadores às semanas de moda internacionais.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O jogo da visibilidade está a ser manejado por Alexandra Moura não só no plano criativo, mas também no comercial. Em maio deste ano teve de escolher entre fazer crescer a sua loja no Príncipe Real, em Lisboa, ou tornar a sua marca mais presente internacionalmente. A equipa não podia crescer e algo tinha de ser sacrificado: fechou a loja em Lisboa, onde mantém o atelier, e as agências de comunicação e vendas trabalham agora em Londres. A London Fashion Week, que começou dia 16 de setembro, é entre todas as semanas de moda aquela em que se sente mais confortável.

“Tem muito a ver com a nossa estética, com a nossa linguagem, pelas pessoas e pelos buyers [compradores] que vêm. Sabemos que, independentemente das compras em Paris, é muito importante a passagem por Londres porque é aí que se vive o statement das marcas.”

Alexandra Moura atribui a sua ausência do calendário da ModaLisboa, de 6 a 9 de Outubro, também à estratégia de internacionalização da marca: “Estamos num momento da vida da marca em que o foco é todo internacional.” A designer apresentará a coleção em território nacional, desta vez com desfile, no Portugal Fashion, no Porto, entre 12 e 15 de Outubro.

alexandra moura londres 3

Durante a festa, as modelos apresentaram mais do que um coordenado.

Alta tecnologia romântica

Da época de prosperidade que foi o reinado de rainha Vitoria, entre 1837 e 1901, Moura usou a silhueta por vezes de forma quase literal, outras vezes atualizando-a, ora em casacos oversize, ora em calças largas e macacões. A ponte entre o passado e o presente fica clara na utilização de um tecido preto, ligeiramente rígido e com alguma transparência, feito de incontáveis pequenas pregas — “muito hightech, mas que se adapta a formas extremamente românticas”.

Gosto de perceber épocas passadas e época vitoriana é uma daquelas com que mais me identifico. Quero trazê-la com uma abordagem dos dias de hoje e do que é o comprador de hoje, para fazer sentido também dentro do que são os nossos sentimentos, a nossa maneira de pensar”, diz a designer que na primavera/verão de 2016 já tinha trabalhado um tema do passado — o Milagre das Rosas, a lenda da idade média portuguesa. Na altura o seu coordenado mais literal seria o vestido transparente, de tule, a deixar ver umas cuecas altas cobertas de flores. Marcando a linguagem de Alexandra Moura, esta ideia evoluiu agora para um vestido também de tule, num tom rosa muito semelhante ao da estação quente de 2016, mas com um corte vitoriano: mangas compridas com laços nos ombros e uma saia farta em tecido, com os dois cortes nas ancas, típico da era vitoriana; desta vez brotam joias com pérolas e brilhantes da roupa interior.

alexandra moura londres tecido preto

O tecido preto feito de várias pequenas pregas.

Nas moldurinhas pintadas à mão do início do século XIX há um jogo entre o que está oculto e o que está exposto. Muito presentes na coleção, as transparências em preto e ros continuam este jogo entre o visível e o invisível. Um exemplo: o vestido transparente pontuado por patches azuis. Estes emblemas são na verdade olhos e caminham um pouco por toda a coleção; nos maiores consegue ler-se “i’ve got my eyes on you”. Um amor intenso que se remata com alguma disforia e decadência presente nos tecidos desfiados e rasgados, afirma Alexandra Moura.

Na noite de domingo, em Londres, a designer de moda montou um aparelho que está entre o showroom e o desfile: um ambiente teatral e animado, performativo, mas onde também se fazem negócios com os buyers. Às 21h00, nessa sala underground entra a cantora norte-americana Maad*Moiselle a dançar de maneira provocante. Jornalistas internacionais, modelos, designers não abrandam por enquanto. A festa durará até por volta das 23h30 porque é domingo e segunda-feira ainda há um último dia de trabalho na semana da moda em Londres.

No próximo fim de semana o Portugal Fashion segue para Milão com desfiles de Carlos Gil e Pedro Pedro.

O Observador viajou para Londres a convite do Portugal Fashion.