São projetos pequenos, obscuros, muitos deles não têm sequer entrada nas grandes cadeias livreiras ou são imediatamente devorados pela célere circulação de livros nas prateleiras. Isto não quer dizer que muitos deles não sejam casos de sucesso, e que as suas pequenas tiragens (entre 100 e 500 exemplares), não esgotem em pouco tempo às mãos dos mais atentos, dos colecionadores, dos ainda disponíveis para uma literatura menos canónica.

Aquilo a que se chama rentrée literária, os livros que saem entre setembro e novembro, é um ritual que nem todas as pequenas editoras cumprem, até porque estes projetos lutam constantemente com a falta de verbas, aguardam subsídios e pagamentos, o que não lhes permite ter um calendário idêntico ao das grandes casas editoriais. Outros preferem mesmo escapar a estes meses de avalanche de livros para não ficarem soterrados.

Ainda assim o Observador fez uma ronda para ver que novos projetos têm as editoras obscuras. Novidades que vão da poesia ao ensaio e onde há livros nos quais vale mesmo a pena investir. O grande foco destas editoras é a poesia e a ficção de autores nacionais, mas em algumas delas encontram-se livros de autores estrangeiros, pensadores ou poetas fundamentais em obras nunca editadas em Portugal ou esgotadas há muito.

Encontrar estes livros pode não ser fácil e alguns só estão à venda em locais muito específicos como as livrarias/alfarrabistas Letra Livre e Sr.Teste, em Lisboa, a Pó dos Livros também na capital, a Poetria, no Porto, ou a livraria Miguel Carvalho, em Coimbra. Mas como no online não há longe nem distância, é sempre possível contactar as editoras e comprar diretamente nos sites ou nas páginas do facebook.

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Artefacto

A editora dirigida por Paulo Tavares tem levado a cabo um trabalho na área da poesia quer revelando novos autores, quer editando autores mais ou menos esquecidos. Por estes dias a chancela junta-se a Luís Amorim de Sousa para devolver alguma luz aos Poemas Em Prosa de Alberto Lacerda, poeta português radicado em Londres, que morreu em 2007, deixando um espólio vastíssimo. Lacerda foi, com David Mourão-Ferreira, António Manuel Couto Viana e Luiz de Macedo, fundador das folhas de poesia Távola Redonda, em 1950, e teve a sua obra traduzida em várias línguas. Sairá ainda Todos os nomes que talvez tivéssemos, de Guilherme Gontijo Flores, poeta brasileiro, co-responsável pelo blogue Escamandro. A Artefacto aposta ainda na estreia poética de Miguel Filipe Mochila, tradutor, com o livro Tempo da Impaciência.

Miguel Filipe Mochila, tradutor, estreia-se aqui como poeta

Miguel Filipe Mochila, tradutor, estreia-se aqui como poeta

Abysmo

A Abysmo junta-se às comemorações dos 250 anos do nascimento do poeta Manuel Maria Barbosa do Bocage (1765-1805) e lança Sonetos Eróticos, Bocage, com um ensaio do poeta António Cabrita e ilustrações do músico e artista plástico Manuel João Vieira.

Na mesma linha edita a obra completa do poeta José Emílio-Nelson. Uma poesia demolidora e deformante, burlesca e satírica, virulenta e amarga, devedora de Rabelais, Sade, Santa Teresa de Ávila, Buñuel: Beleza Tocada é o título.

Sobras Completas, o livro póstumo de José Manel Simões

Sobras Completas, o livro póstumo de José Manuel Simões. A capa reproduz o envelope onde ele enviou os poemas a um amigo, pouco antes de morrer

No ano em que passam 50 anos sobre a formação da tertúlia dos poetas do Café Gelo, sairá a primeira e única obra de um desses desaparecidos poetas. São as Sobras Completas, de José Manuel Simões, mais conhecido como tradutor (para a Contraponto e a & Etc, entre outras) que nunca publicou um só poema em vida e morreu, em Paris, nos anos 90. Primaveras Românticas e Odes Modernas, de Antero de Quental, com edição crítica de Luiz Fagundes Duarte, é outras das novidades.

A chancela de João Paulo Cotrim conta ainda editar o ensaio Consciência de situação, da autoria de António Marujo sobre The Falling Man, a novela gráfica A Minha Casa Não Tem Dentro, de António Jorge Gonçalves, o romance de Luís Carmelo Sísifo e a peça de teatro de Gonçalo Waddington O Meu Desporto Favorito – Presente.

Cavalo de Ferro

Já com uns anos de vida e um catálogo onde constam obras de autores fundamentais como Knut Hamsun, Elias Canetti, Mario Benedetti, Adolfo Bioy Casares e que foi uma das pioneiras na tradução de escritores dos países bálticos e escandinavos, a Cavalo de Ferro continua a publicar toda a obra do enorme Julio Cortázar. Neste caso são as Aulas de Literatura que o escritor argentino deu na universidade de Berkeley, em 1980.

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As aulas de Cortazar em Berkeley no ano de 1980 reunidas em livro pela Cavalo de Ferro

Como explica Diogo Madredeus, da Cavalo de Ferro, todas as quintas-feiras, durante dois meses, perante uma plateia de jovens estudantes cada vez mais numerosa e entusiasta (ao ponto de causar problemas logísticos), o autor argentino conduziu um vasto diálogo sobre a criação literária e a sua experiência de escritor, dando a conhecer quais os ingredientes que compõem a boa literatura. São muitos os temas tratados: o fantástico, a musicalidade e o humor, o erotismo e o lúdico em literatura; a intrincada relação entre imaginação e realidade, as armadilhas da linguagem; porém, sobra igualmente tempo para abordar outras suas paixões: a política, a música, o cinema.

Nos próximos meses a chancela terá ainda O Coração do Homem, romance de Jón Kalman Stefánsson. Tendo por cenário a natureza hostil do extremo norte da Islândia no século XIX. O autor estará em Portugal a 22 de setembro para participar na edição do Festival Folio, Óbidos. A editora continuará a editar a obra completa de Ferreira de Castro com o romance A Tempestade. Em novembro está previsto o ensaio A Cegueira — Uma outra história do nosso mundo (quando recusamos ver a realidade), do historiador Marc Ferro (publicado em 2015) no qual o autor analisa os acontecimentos do século XX (desde a I e II Guerras Mundiais, à queda do muro de Berlim, até à crise financeira de 2008 e os atuais ataques terroristas na Europa), levantando hipóteses sobre a inexplicável cegueira que impede a sua previsão.

Companhia das Ilhas

A editora do ilha do Pico, do poeta Carlos Alberto Machado, continua a apostar no novos nomes da poesia. Nesta rentrée não há estreantes mas há vários poetas cuja obra exige ser mais conhecida. De resto, as plaquetes da Companhia já se afirmaram como uma fonte de novos poetas.

Catarina Costa é um desses nomes. Vai ter dois livros a sair quase em simultâneo: A Ração da Noite na Companhia das Ilhas e Chiaroscuro na Douda Correria. De João Candeias sairá Nervo e de Rui Almeida Muito, Menos.

Este é o quinto livro de poesia Rui Almeida, nascido em 1972

Este é o quinto livro de poesia Rui Almeida, nascido em 1972

A partir dos Encontros Poéticos de Vila Velha de Rodão comissariados pelo poeta Jaime Rocha nasce esta coletânea que integra os poemas escritos pelos poetas que passaram pela vila do Alto Alentejo. Os autores aqui reunidos são Carlos Alberto Machado, Hélia Correia, Inês Dias, Jaime Rocha, José Luís Costa, José Mário Silva, Margarida Ferra, Margarida Vale de Gato, Marta Chaves, Miguel Cardoso, Miguel-Manso e Vergílio Alberto Vieira.

A chancela publica ainda a história ficcionada de ma mulher real, Rufina, por Miguel Soares de Albergaria

Douda Correria

Se há pequena editora que já criou um culto à volta dos seus livros é a Douda Correria. Os livros de poesia, simples como folhetins do século XVIII, aliados às tertúlias no bar Irreal e aos vários eventos organizados pelo poeta Nuno Moura têm feito da Douda uma incubadora de novos poetas. Para o bem ou para o mal? O futuro o dirá.

Para já destaca-se o regresso da poeta e performer brasileira Carla Diacov com este Ninguém vai poder dizer que eu não disse (vol. 1). Diacov tem um universo poético que se expressa numa linguagem especialíssima e numa iconoclastia que não é pose mas carne viva.

O segundo livro da poeta brasileira Carla Diacov, na Douda Correria

O segundo livro da poeta brasileira Carla Diacov, na Douda Correria

De destacar ainda Teoria do Um, do poeta judeu Mordechai Geldman, traduzido do hebraico por João Paulo Esteves da Silva. Lançamento da poeta e tradutora Margarida Vale de Gato, Pince-nez de Miguel Martins e Clube dos Haxixins de Nuno Moura. A Douda edita ainda um libreto ou “mosaico de texto para uma ópera” de Tiago Cutileiro, Nunca Sempre o Mesmo Diferente Nada.

Debout Sur L’Oeuf (DSO)

A editora de Coimbra, do livreiro, alfarrabista e poeta Miguel Carvalho, continua a publicar trabalhos com uma forte componente surrealista. Assim a principal saída dos próximos meses será Cidade dos Paleólogos um livro serve para homenagear Max Ernst (criador da colagem poética) nos 40 anos do seu passamento. Como explica o autor “a obra é composta por um conjunto de fragmentos de textos pré-existentes do século XIX, independentes entre si, e que se fazem acompanhar de colagens minhas realizadas individualmente para cada um dos pequenos textos.”

Sairá ainda Gesso, de F.S.Hill, Cárcere de Pedro Magalhães e Baldrame de Manuel Fernando Gonçalves, todos eles de poesia.

Língua Morta

Reedição de Misteriosamente Feliz de Joan Margarit. O poeta catalão, um dos maiores nome da poesia Europeia, estará em Lisboa, no dia 1 de Outubro, na Casa Fernando Pessoa para falar sobre este livro e os poemas que o compõem. O Observador escreve sobre ele aqui. A editora de Diogo Vaz Pinto e David Teles Pereira fez sair no verão e ainda está a escaldar A-Pedra-Que-Mata, uma antologia de poesia japonesa traduzida pelo poeta Luís Pignatelli, e Apartamentos, um coletânea de poesia e fotografia a partir da exposição homónima de decorreu durante o Festival Silêncio.

Não Edições

F.S. Hill agora pelas Não Edições

F.S. Hill agora pelas Não Edições

As Não Edições, de João Concha, lançam neste outono o livro de um poeta que merece ser frequentado, F.S.Hill. Fisioterapia é o segundo livro deste autor e a capa tem autoria do ilustrador Júlio Dolbeth. Em outubro será publicado Desvão, de Miguel Martins.

Orfeu Negro

A Orfeu Negro continua a lançar os fascinantes livros de Michel Pastoureau, um dos maiores especialistas em simbologia e heráldica. Após o lançamento, em 2014, da obra Preto – História de uma cor, a chancela prossegue a publicação da trilogia das cores com o segundo livro Azul – História de uma Cor. Outro ensaio para desinquietar mentes é Teoria King Kong, na área dos estudos queer e de género que é uma interrogação frontal da sexualidade feminina por Virginie Despentes.

Este livro marca a aposta da editora nma área pouco explorada em Portugal, os estudos Queer

Este livro marca a aposta da editora numa área pouco explorada em Portugal, os estudos Queer e de Género.

Em outubro chega Melancolia & Arquitetura, um ensaio de Diogo Seixas Lopes sobre outro arquiteto, Aldo Rossi, onde o conceito de melancolia e as suas variações históricas alumiam o caminho pelas metrópoles urbanas e pelo universo fantasmático do arquiteto italiano. De Delfim Sardo sairá O Exercício Experimental da Liberdade, onde o ensaísta e curador reflete sobre as vanguardas e práticas artísticas do século XX.

Parsifal

Da Parsifal destaca-se História da Companhia de Jesus em Portugal. Fundada por Inácio de Loyola, a Companhia de Jesus tornou-se numa das principais ordens religiosas no combate ao Protestantismo, na aplicação das determinações do Concílio de Trento e na promoção de missões fora da Europa. Esta obra é não só um livro pioneiro sobre uma ordem religiosa que contribuiu de forma singular para o desenvolvimento científico da Europa e cujo legado o Papa Francisco renova, como constitui igualmente uma obra importante para a compreensão da História de Portugal. O ensaio é da autoria de Maria de Deus Beites Manso, investigadora e docente na Universidade de Évora.

Pierre von Kleist Editions

A editora de livros de fotografia participa por estes dias na New York Art Book Fair que se realiza no MoMA e é considerada a mais importante feira de livros de arte do mundo. Nesta sua segunda participação, a Pierre von Kleist vai mostrar todo o seu catálogo de onde se destaca a mais recente publicação, Família Aeminium, que junta o realizador Pedro Costa, o artista plástico e Rui Chafes e o poeta João Miguel Fernandes Jorge. O catálogo da editora pode ser visto aqui.

Família Aeminium' de Pedro Costa, Rui Chafes e poema de João Miguel Fernandes Jorge, pela chancela Pierre Von Kleist Editions

Família Aeminium de Pedro Costa e Rui Chafes e poema de João Miguel Fernandes Jorge

Saída de Emergência

A Saída de Emergência é o caso de uma chancela que não tendo os favores habituais dos media tem conseguido crescer, mantendo-se como uma das poucas editoras que aposta fortemente na literatura fantástica. Para lá dos romances é a responsável pela meritória revista Bang, dedicada ao conto fantástico e à divulgação de novos autores. Nesta rentrée a editora parece querer chegar a outros mercados e lança este A Era do Doutor, pelo já conhecido Jovem Conservador de Direita, um livro satírico sobre o panorama político nacional.

As propostas políticas cheias de humor do Jovem Conservador de Direita, pela Saída de Emergência

As propostas políticas cheias de humor do Jovem Conservador de Direita, pela Saída de Emergência

Publica também Da Direita à Esquerda: Cultura e Sociedade dos anos 80 à atualidade, um ensaio de António Araújo (autor do Blogue Malomil), Personagens Malditas da História, de André Canhoto Costa, uma obra de divulgação histórica.

No âmbito dos autores estrangeiros estão programados: As Primeiras Quinze Vidas de Harry August, de Claire North, um livro de ficção científica sobre um homem que quando a morte chega, regressa novamente ao dia em que nasceu, para voltar a viver a mesma vida mas mantendo todo o conhecimento das vidas anteriores. E ainda Tens Coragem? de Megan Abbott, um thriller que está a ser adaptado para televisão pelo canal HBO.

Sr.Teste/Ignota

Brincadeiras Vagas a Boneca, de Paul Éluard, é uma coleção de oito textos do poeta surrealista francês, traduzidos por Aníbal Fernandes. O livro foi um dos primeiros a ser publicado pela &Etc de Vitor Silva Tavares e esta edição é também uma homenagem póstuma ao editor, por parte da Sr.Teste/Ignota.

Textos dispersos deo poeta Paul Eluard

Textos dispersos do poeta Paul Eluard, traduzidos por Aníbal Fernandes