O Governo escreveu aos eurodeputados das comissões parlamentares envolvidas no diálogo estruturado entre o Parlamento Europeu (PE) e a Comissão Europeia chamando-lhes a atenção para o impacto de uma suspensão de fundos estruturais, foi anunciado esta terça-feira em Bruxelas. Na carta, entretanto divulgada, o ministro das Finanças alerta para o facto de a suspensão de fundos europeus, mesmo que parcial e temporária, vir a ter efeitos ainda mais danosos para a economia portuguesa do que a aplicação de uma multa, ou sanção.

Antes de ter início o diálogo consultivo da Comissão Europeia com o Parlamento Europeu (o chamado ‘diálogo estruturado’) sobre a suspensão de fundos a Portugal e Espanha, o ministro das Finanças dirigiu uma carta aos eurodeputados envolvidos no debate e, recordando que Comissão e Conselho decidiram cancelar a multa, defende que “há ainda motivos mais fortes para decidir não aplicar quaisquer sanções agora”.

Leia aqui a carta na íntegra (em inglês)

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Leia aqui na íntegra a carta que Mário Centeno enviou aos eurodeputados a argumentar contra a suspensão de fundos.

“Seria contraditório com a argumentação para o cancelamento da multa e difícil de compreender para os cidadãos europeus”, escreve Centeno, numa carta dirigida aos presidentes das comissões parlamentares competentes – Iskra Mihaylova (Desenvolvimento Regional), e Roberto Gualtieri (Assuntos Económicos e Monetários) –, eurodeputados que as integram, bem como para os presidentes das comissões parlamentares de Agricultura, do Orçamento, de Emprego e de Pescas, à qual a Lusa teve acesso.

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Na carta, com a data de 14 de setembro, mas que só agora chegou aos deputados, o ministro começa por indicar que, ao decidirem, em finais de julho e início de agosto passados, o cancelamento da multa, a Comissão e o Conselho reconheceram que “Portugal sujeitou-se a um esforço de consolidação orçamental substancial e implementou um conjunto muito alargado de reformas estruturais”.

A Comissão e o Conselho, prossegue, reconheceram também que “o Governo português comprometeu-se a cumprir as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento e a proceder à implementação de mais reformas estruturais, tal como consagrado no Programa Nacional de Reformas”, e tiveram também em conta que “o ambiente económico europeu e internacional apresenta incertezas crescentes, recentemente agravadas pelo referendo britânico”.

A Comissão e o Conselho, por decisão unânime, chegaram à conclusão de que estas e outras razões relevantes eram suficientemente fortes para não aplicar sanções a Portugal. Todas estas razões mantêm-se e continuam absolutamente válidas para o presente procedimento, desencadeado pela mesma situação”, ou seja, a ausência de ação efetiva para reduzir o défice entre 2013 e 2015, argumenta o ministro.

Mário Centeno observa então que, “na verdade, uma vez que a multa teria consequências menos danosas que qualquer suspensão de fundos estruturais e de investimento europeus, há ainda motivos mais fortes para não aplicar sanções agora”.

Entre outros argumentos, o Governo português lembra que, ao tomar uma decisão, a Comissão “deverá também ter em conta a situação económica e social dos países, sendo que Portugal continua com uma taxa de desemprego acima da média europeia, assim como o impacto na economia”, que, assinala o ministro, seria “forte”, pois “afetaria a confiança e os planos de investimento, muitos dos quais dependentes dos fundos comunitários”.

De acordo com o governante, a possível suspensão de fundos da UE, ainda que apenas dos compromissos — a Comissão já indicou que uma suspensão só afetaria fundos no futuro, e não dos pagamentos de fundos já atribuídos -, e mesmo que temporária, “iria minar os esforços em curso com vista a trazer crescimento sustentável e coesão social a Portugal, e melhorar a convergência com os parceiros europeus”.

Por outro lado, prossegue, iria “dificultar a capacidade de implementação do Programa Nacional de Reformas”, que a própria Comissão Europeia já classificou de “sólido”, bem como o cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento, numa altura em que o Governo está a implementar as medidas necessárias para alcançar um défice de 2,5% do PIB em 2016, e assim retirar o país do procedimento por défice excessivo. Desse modo, argumenta, a suspensão de fundos “seria não só injusta e contraproducente, como iria contra os regulamentos”.

A terminar, Mário Centeno aponta então que “evitar a suspensão dos fundos estruturais e de investimento europeus não só está em linha com as regras e os princípios do regulamento, como constitui a única solução justa e inteligente para a presente situação”. “Como tal, o Parlamento Europeu encontra-se numa posição-chave para aconselhar a Comissão a propor a não imposição de qualquer suspensão de fundos”, termina.

No quadro do processo de sanções lançado contra os dois Estados-membros no âmbito do Procedimento por Défice Excessivo, a Comissão acabou por recomendar, a 27 de julho passado, a suspensão de multas a Portugal e Espanha — decisão confirmada a 08 agosto pelo Conselho Ecofin (ministros das Finanças dos 28) -, mas segue o processo de congelamento parcial de fundos, incontornável por ser automático.

Governo aberto ao diálogo com Parlamento Europeu

A existência da carta começou por ser avançada pela secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, em Bruxelas. “Houve uma carta do ministro das Finanças [Mário Centeno] a todos os deputados europeus da comissão Regi [Desenvolvimento Regional] e da Econ [Assuntos Económicos e Monetários], em que este explica os argumentos que encontra para considerar que a suspensão dos fundos seria injustificada e contraproducente”, afirmou a governante.

Ainda no âmbito do chamado diálogo estruturado entre o PE e a Comissão Europeia — que tem caráter consultivo — a secretária de Estado salientou que o Governo está disponível para prestar esclarecimentos aos eurodeputados se o Parlamento Europeu assim o entender. “Estamos sempre abertos a dialogar com o Parlamento e a responder a todas as questões que este considere oportunas. Por alguma razão esta fase se chama ‘diálogo estruturado’, é porque se pretende recolher toda a informação necessária para uma orientação ou decisão”, salientou.