Está tudo nas mãos do Governo de António Costa. A Comissão Europeia admite que, se o défice ficar nos 2,5% este ano, Portugal pode ficar livre do corte de fundos comunitários. A garantia foi dada na manhã desta quarta-feira pelo Comissário Europeu para os Assuntos Económicos durante uma conversa com um grupo de jornalistas portugueses.

Pierre Moscovici lembra que a Comissão está obrigada a apresentar uma proposta de sanções para Portugal, pelo facto de os défices de 2014 e 2015 não terem sido cumpridos. Mas – “e há sempre um mas” –, o comissário europeu deixa uma porta aberta a que a suspensão dos fundos europeus a Portugal não chegue a ser aplicada: “Podemos simultaneamente levantar a suspensão, espero que o possamos fazer, para que não haja qualquer suspensão efetiva se os compromissos para o orçamento e as finanças públicas forem cumpridos”.

Há pouco mais de uma semana, o responsável europeu participou em encontros com António Costa e com Mário Centeno. Nas conversas com os governantes portugueses, Moscovici recebeu garantias de que o país cumprirá o que está estabelecido, conseguindo fechar as contas de 2016 com um défice de 2,5% (duas décimas abaixo das previsões da própria Comissão).

Na conversa com os jornalistas, Moscovici fez questão de sublinhar que é um “amigo do povo português” e que o diálogo com as autoridades portugueses tem sido “construtivo”. O comissário refere que a Comissão tem de garantir que “as regras são totalmente cumpridas” mas também sublinhou, por diversas vezes, que “sancionar” os Estados que são incumpridores não é um objetivo fundamental.

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Daí que a multa a Portugal, pelas derrapagens nos défices dos dois últimos anos, tenha sido evitada. “Foi a melhor solução possível”, considera Moscovici, confiante de que, este ano, Portugal conseguirá não incorrer no mesmo risco de ficar sujeito a sanções: “Não tenho razões para duvidar de que as autoridades portuguesas vão fazer o que devem”.

A questão, agora, é quando estará concluído o processo de decisão sobre o congelamento (ou não) dos fundos europeus atribuídos a Portugal.

Nesta fase, referem vários responsáveis europeus, o diálogo com o Parlamento Europeu é fundamental. Nas próximas semanas (não há data concreta definida), os deputados europeus vão tomar uma posição sobre se Portugal deve ou não ser penalizado pelas derrapagens no défice. Esse parecer chegará depois à Comissão Europeia e, apesar de não ser vinculativo, pode condicionar a resposta que os comissários tomarão sobre o tema (que, além de Portugal, também envolve Espanha).

A diplomacia desenvolvida pelos responsáveis portugueses — a exemplo da carta que o Ministro das Finanças remeteu esta semana aos membros do Parlamento Europeu, uma iniciativa bem recebida entre membros da Comissão Europeia — será fundamental para deixar clara a motivação de Lisboa para, já este ano, garantir que cumpre o que foi acordado com Bruxelas e conseguir fixar o défice nos 2,5% do PIB.

O que Bruxelas exigiu a Portugal para evitar sanções

No final de julho, quando a Comissão Europeia decidiu não aplicar sanções a Portugal por violação do défice, o comissário Moscovici disse que tinha acordado com o Governo português uma nova meta de 2,5% para o défice, revendo o objetivo anterior da comissão, que era mais ambicioso. Inicialmente, a meta para este ano — de acordo com as recomendações de maio — era de 2,3%. No entanto, o objetivo definido no Orçamento do Estado para este ano era de 2,2%, mas o Governo ainda não a reviu o número oficialmente, apesar de dizer, no discurso político, que o importante é ficar abaixo dos 3%. No entanto, como o comissário disse hoje, isso não chega.

A suspensão de fundos que paira sobre Portugal tem preocupado o Governo, a ponto de Mário Centeno, ministro das Finanças, ter escrito uma carta aos eurodeputados, divulgada esta terça-feira, a sensibilizar os parlamentares para os efeitos da suspensão dos fundos europeus: “Na verdade, uma vez que a multa teria consequências menos danosas que qualquer suspensão de fundos estruturais e de investimento europeus, há ainda motivos mais fortes para não aplicar sanções agora”. O ministro das Finanças alertou para o facto de a suspensão, mesmo que parcial e temporária, vir a ter efeitos ainda mais perversos para a economia portuguesa do que a aplicação de uma multa, ou sanção.

O ministro escreveu que, ao decidirem o cancelamento da multa por défice excessivo, a Comissão e o Conselho reconheceram que Portugal se sujeitou “a um esforço de consolidação orçamental substancial e implementou um conjunto muito alargado de reformas estruturais”. Entre outros argumentos, lembrou que a Comissão “deverá também ter em conta a situação económica e social dos países, sendo que Portugal continua com uma taxa de desemprego acima da média europeia, assim como o impacto na economia” que seria “forte”, pois “afetaria a confiança e os planos de investimento, muitos dos quais dependentes dos fundos comunitários”.

O problema será atingir os 2,5% de défice, mas o Governo está lá perto. Num relatório bastante negativo para o Governo divulgado a semana passada, o Conselho de Finanças Públicas estimou que o défice deverá ficar em 2,6%, uma décima acima das exigências europeias.