Tuk-tuk vai, tuk-tuk vem. Bip, biiiiip! Turistas a perder de vista, branquelas de corsários, empunhando máquinas fotográficas: flash, flashhh. Alfama é assim. A rua São João da Praça, a uma inclinação de distância da Sé, é assim. Mas no rés-do-chão do número oitenta-e-um, de vidraças e portas abertas, a acalmia lá de dentro contrasta com corrupio cá de fora, a música alta e o arejo do espaço convidam a entrar e a um pé de dança. Ao fundo, a vitrina dos troféus, empoeirada, está repleta e conta a história do Lusitano Clube. Do centenário Lusitano Clube, fundado em 1905.

Uma história que poderá, dentro de pouco tempo, chegar ao fim. O clube foi informado, no começo do ano, que o prédio onde está desde sempre vai ser transformado, em meados de 2017, em apartamentos de luxo. E apesar das muitas tentativas da atual direção do clube em querer manter-se no espaço, o atual proprietário — o anterior senhorio vendeu o prédio a investidores italianos — informou-os de que só têm duas opções: sair ou… sair. O direito à indemnização terão sempre — a lei do arrendamento assim o dita. O problema será encontrar outro lugar na freguesia de Santa Maria Maior para onde se mudarem.

“Esta direção só chegou há uns meses. O clube estava moribundo antes de cá chegarmos. E quando chegámos, sabíamos que o prédio tinha sido comprado. Mas pensámos: viemos aqui para trabalhar, para reinventar e revitalizar o clube, e temos três anos para o conseguir. Depois, logo se verá. O pior que nós poderá acontecer é ter um aumento brutal de renda”, explica um dos membros da direção, João Campos. E explica: “Hoje pagamos cerca de 300 euros de renda, por este ser um espaço — como se vê — algo degradado. Mas caso o senhorio fizesse obras de reabilitação, até poderíamos suportar 1500 euros de renda.” Mas o senhorio não quis. “Chamou-nos para um última reunião em abril ou maio e não quis. E disse-nos que havia espaço para nós no projeto que tinha para o edifício”, lamenta.

Negociada a indemnização por um valor “aceitável”, o Lusitano Clube terá que sair do espaço até 15 de janeiro de 2017, altura em que as obras terão início. “Ficar cá com as obras, o ruído, a poeira, as entradas entaipadas, era o nosso fim. Então, vamos mesmo sair. Podíamos ficar até meados de 2020, altura em que terminaria o nosso contrato de arrendamento, mas resolvemos não ficar nessas condições precárias”, explica João Campos.

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A pergunta que impõe é: para onde é que vão? O tempo, esse, vai escasseando. Mas há muito que a direção do Lusitano procura uma solução. E apoios. Mas as respostas não chegam. E quando chegam, são de “má-fé” por parte do poder local. É pelo menos disso que se queixa João. “Com o dinheiro da indemnização nós queremos ir para outro espaço e não deixar o clube morrer. Nós conseguimos reinventar o clube, com concertos, exposições, feiras, de tudo um pouco, e queremos continuar a trabalhar. Mas precisamos de um espaço.” A direção do Lusitano lembra não está a “fazer um peditório”, que quer pagar uma renda, e que pediu apoio para encontra um espaço para onde transferir a sede. “Contactámos em março os gabinetes de Urbanismo e Desporto e Colectividades da Câmara Municipal de Lisboa. E nada. Nenhuma resposta. Voltámos a fazer um pedido de apoio não-financeiro há dois meses e nada”, conta João Campos. E continua: “Mas também contactámos a nossa Junta de Freguesia [de Santa Maria Maior], enviámos-lhes cinco e-mails, estivemos três vezes com eles em eventos, chegámos a reunir há quatros meses, mas não obtivemos respostas ou apoio.”

Na última semana a direção do Lusitano enviou um derradeiro e-mail, “mais agressivo”, à Junta de Freguesia, onde manifestava o seu lamento pela falta de respostas. E acabariam por obter, por fim, uma resposta: haveria reunião esta segunda-feira, 19 de setembro. O presidente da Junta de Freguesia, Miguel Coelho, não esteve presente e fez-se representar por um assessor. “Nós sempre quisemos estar próximos da Junta de Freguesia. As coisas não estavam bem entre eles e a anterior direção, mas quando fomos eleitos tentámos logo uma aproximação, e até nos fomos apresentar e apresentar o nosso projeto. Qual não foi a nossa surpresa quando nesta reunião nos foi dito que não nos poderiam ajudar. Que não há espaços para nós. E quase nos acusaram de sermos uma discoteca. Houve má-fé.”, recorda João Campos. E explica: “Nós não somos uma discoteca: nós somos um clube recreativo e centenário. Chegámos há poucos meses. E neste poucos meses o Lusitano vai voltar a participar na Grande Noite do Fado, vai voltar a participar na corrida de São Silvestre, vai participar pela primeira vez no festival Caixa Alfama. Nós queremos integrar-nos na freguesia.”

Ao Observador, o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, confirma os contactos da direção do Lusitano e a reunião de segunda-feira. Mas insiste: a Junta de Freguesia não pode fazer nada. Porquê? “Nós não temos património. O património é municipal. Eu próprio tenho problemas com isso. Quando precisei de um espaço de garagem para estacionar os camiões de recolha do lixo, tive que alugar um fora de Santa Maria Maior. Quanto à sede [do Lusitano], o que é que eu posso fazer se não tenho património? Não se trata de má-fé; trata-se de não poder fazer mais. Não posso assaltar um espaço para o dar ao Lusitano. Não posso pagar-lhes a renda. Foi isso que dissemos na reunião com a direção do clube.”

João Campos garante que o Lusitano não quer um espaço “de graça”. Mas pede que se encontre um. E se esses espaços são da Câmara Municipal de Lisboa, que Miguel Coelho sirva de “intermediário”. O presidente da Junta de Freguesia esclarece: “Não posso ter um funcionário pelas ruas de Santa Maria Maior à procura de um sítio. Agora, se o espaço for municipal e a Câmara nos pedir um parecer — que é o que costuma fazer –, nós daremos naturalmente um parecer favorável.”

Mas Miguel Coelho, entre esclarecimentos, deixa igualmente uma critica. “Nós temos uma relação de parceria estratégica com a esmagadora maioria das coletividades da freguesia. Elas, mediante um conjunto de serviços e de atividades, recebem em contrapartida o apoio da Junta de Freguesia. A direção do Lusitano acabou de chegar. E uma coletividade não pode ser só um espaço onde se joga xadrez ou à sueca.” João Campos lembra que o Lusitano não tem mais atividades porque não pode. “Não e possível ter modalidades. O clube já teve muitas modalidades. Até futebol teve. Mas hoje é impensável ter futebol. Não há campos municipais em Lisboa. Os campos para treinar são todos privados e temos que pagar do nosso bolso. Só depois de o clube estar estabilizado, com um espaço onde ficar, é que podemos pensar em mais atividades.”

A direção, à falta de respostas e de apoios, começou entretanto a procurar um espaço noutra freguesia. “Mas a resposta é quase sempre a mesma: não há espaço, não há apoio.” Caso nada se resolva até 15 de janeiro de 2017, o Lusitano fechará portas e deixará a rua São João da Praça. Mas fechará de vez? “Pode acontecer”, garante João Campos. E Miguel Coelho lamenta: “Se isso acontecer, será uma perda. Claro que sim. E sou o primeiro a dizê-lo. No que de mim dependesse, ajudaria. Mas não posso.”