O falecido crítico de cinema inglês Philip French tem um livro de referência, “Westerns”, no qual divide os filmes do género conforme a sua mundividência está mais à esquerda ou mais à direita, é mais “liberal” (no sentido americano de “progressista”) ou mais conservadora, entre “Westerns Kennedy” (de John F. Kennedy), “Westerns Johnson” (de Lyndon B. Johnson), “Westerns Goldwater” (de Barry Goldwater) e “Westerns Buckley” (de William F. Buckley). Se fosse vivo e tivesse visto o “remake” de “Os Sete Magníficos”, de John Sturges, realizado por Antoine Fuqua, French teria de inventar outra categoria: o “Western Bernie Sanders”, de tal forma o filme reflete a sensibilidade politicamente correta e a radicalização ideológica que dominam hoje o pensamento liberal nos EUA, e que encontram ampla recetividade e expressão em Hollywood.

[Veja o “trailer” do filme de 1960]

No filme realizado por Sturges em 1960, e que é um “remake” em contexto de “western” de “Os Sete Samurais”, a obra-prima de Akira Kurosawa, os sete pistoleiros do título protegem um povoado mexicano de um grupo de bandidos também mexicanos, liderados por um escarninho e manhoso Eli Wallach. Na nova versão de Fuqua, os sete heróis protegem um povoado americano de um industrial americano (Peter Sasgaard desdobrando-se em tiques de psicopata) assimilado a uma representação caricaturalmente odiosa do capitalista selvagem e desumano até à medula, que não recua ante mandar incendiar igrejas, espancar padres, matar homens desarmados e mulheres pelas costas (“mensagem” anti-capitalista com cotovelada na direção de Donald Trump: confere).

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[Veja o “trailer” do novo “Os Sete Magníficos”]

Os sete heróis originais incluíam um “cajun” (Yul Brynner), um irlandês-mexicano (Charles Bronson) e um mexicano-americano (Horst Buchholz). São agora liderados por um negro (Denzel Washington) e incluem um mexicano, um muito inverosímil asiático (interpretado pelo coreano Byung-hun Lee) e um índio (cotas para garantir a boa representação da “diversidade”: confere). E há ainda, neste “remake”, um papel destacado para uma mulher (a bonita Haley Bennett), a jovem viúva de um dos lavradores assassinados pelos homens do vilão (personagem feminina corajosa para agradar às apoiantes de Hillary Clinton e feministas sortidas: confere).

[Ouça o tema musical do filme de John Sturges]

Até se poderia fazer alguma vista grossa a esta diligente preocupação em “atualizar” o filme para a nossa época de múltiplos melindres sócio-político-culturais, se este “Sete Magníficos” estivesse minimamente à altura do de 1960. Mas não está. Primeiro, porque Fuqua não tem um elenco, de primeiro e segundo plano, com o peso, a qualidade e o carisma do de John Sturges, que além de Brynner, Bronson e Buchholz, inclui ainda Steve McQueen, James Coburn, Robert Vaughn e Brad Dexter, nem personagens com um mínimo de “miolo”. Se Denzel Washington é um bom ator e tem estatura de “estrela”, e Chris Pratt é uma surpresa (e uma das raras coisas boas do filme), muito gozão no papel que foi de McQueen; e, vá lá, Ethan Hawke está tem-te-não-caias na nova versão da personagem de Vaughn, o resto do grupo são figuras menores a fazer “bonecos”.

[Veja a entrevista com o realizador]

https://youtu.be/u09yuq2AWVI

Segundo, porque no seu filme, John Sturges manteve algumas afinidades com as particularidade narrativas e de caracterização das personagens do filme de Kurosawa, que o enriqueceram e não limitaram a um confronto entre pistoleiros-mercenários e bandoleiros. É o caso das interrogações sobre a honra, ou sobre o significado e valor das suas vidas violentas e incertas, quando comparadas com as daqueles que protegem, que se põem a algumas das personagens, e que até acabam por levar um dos “magníficos” sobreviventes a ficar na aldeia, trocar a arma por uma enxada e a constituir família. Há ainda os motivos que levam o septeto de Sturges, todos eles vincados individualistas, a juntar-se para enfrentar os bandidos (um deles pensa que há um tesouro escondido na aldeia, por exemplo). Nada disso sobrevive no raso e esquemático argumento da versão de Fuqua, onde uma estereotipada sede de vingança é o motor dos atos de duas das personagens principais.

[Veja a entrevista com Denzel Washington]

https://youtu.be/yrxx8XQ9-bs

Terceiro, onde John Sturges realizava com a segurança desenvolta de quem tratava o “western” por tu (são dele títulos como “Duelo na Cidade Fantasma”, “O Último Comboio de Gun Hill”, “Duelo de Fogo” ou “A Crista do Diabo”), e um cheirinho épico traduzido em música pelo célebre tema composto por Elmer Bernstein, Antoine Fuqua arma ao pingarelho de Sergio Leone mas sem ter o sentido da tensão no limite e do excesso operático, misturado com Sam Peckinpah (menos a câmara lenta), mas sem possuir a capacidade de orquestração furiosa da violência. E que banda sonora tão incaracterística e descolorida (do falecido James Horner e de Simon Franglen) tem este novo “Os Sete Magníficos”. O único momento em que a música arrebata é quando, no final, soa… o tema original de Elmer Bernstein para a fita de Sturges. Sete magníficos? Dois e meio, e viva o velho.