“Julieta”

Tal como o filme anterior, “Os Amantes Passageiros”, era uma tentativa gorada de dar nova vida ao tipo de comédia garrida, esfuziante e cheia de referências sexuais — sobretudo gay –, que celebrizou Pedro Almodóvar, também este “Julieta” pretende injetar seiva fresca no Almodóvar mais dramático, carregado e centrado no universo feminino, mas igualmente sem sucesso. Apesar de estar filmado e interpretado com a qualidade a que o realizador nos habituou, esta história de uma mulher de meia-idade, a Julieta do título (Emma Suárez no presente, Adriana Ugarte na juventude, ambas ótimas) que se prepara para uma nova fase da sua vida e lhe é revelado de súbito o paradeiro da filha, de que não sabe há muitos anos, e tem um baque que a faz anular todos os planos e regressar ao passado, é um longo “déjà-vu” almodovariano, que a espaços se parece com um “pastiche” de um aplicadíssimo copista do seu universo, do seu estilo e do seu ecossistema emocional. Talvez por “Julieta” ser adaptado de três contos da Nobel da Literatura Alice Munro e não de um só texto, há alturas em que quase precisamos de um GPS narrativo para sabermos a quantas andamos no enredo, e o filme não chega também a ter um clímax satisfatório.

“Snowden”

Era apenas uma questão de tempo até Oliver Stone deitar as mãos à história de Edward Snowden e lhe chamar um figo. Só que o fez depois de Laura Poitras, que no seu documentário oscarizado “Citizenfour”, de 2014, deixou dito e explicado praticamente tudo o que havia para dizer e explicar sobre o homem que denunciou ao mundo os abusos e as quebras de privacidade cometidos pela National Security Agency na monitorização “online” de cidadãos americanos e estrangeiros, as razões porque o fez e o que essas ilegalidades significam em termos nacionais e mundiais (Stone terá pedido a Poitras — que aparece aqui, interpretada por Melissa Leo — para adiar a estreia do seu documentário para depois da de “Snowden”, o que a deixou fula). O filme fica como uma reiteração mais biográfica, romanesca (a relação entre Snowden e a namorada, Lindsay Mills, preenche boa parte da fita), demonstrativa, e, naturalmente, com mais liberdades dramáticas, de “Citizenfour”. Stone troca o fogo de indignação próprio das suas obras de lastro político por uma abordagem mais convencional de “thriller” construído sobre factos da atualidade, e Joseph Gordon-Levitt faz um Snowden tão convincente, que a espaços dir-se-ia termos o próprio (que aparece no final) à nossa frente.

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“Taxi Driver”

Continua a ser um bom ano para reposições. Depois de “Barry Lyndon” e “Dersu Uzala — A Águia da Estepe”, o verão termina com chave de ouro graças a “Taxi Driver”, de Martin Scorsese, que faz 40 anos e está de volta aos cinemas em cópia digital restaurada sob os cuidados do realizador e de Michael Chapman, o diretor de fotografia. Custa a crer que já passaram 40 anos da estreia desta fita, que na peugada de “Os Cavaleiros do Asfalto” (1973) e “Alice já não Mora Aqui” (1974), consagrou definitivamente Scorsese com um dos principais realizadores da sua geração, Paul Schrader como um dos seus mais talentosos argumentistas, Robert De Niro como um dos seus maiores intérpretes, revelou Jodie Foster e conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1976, entre muitos outros prémios, embora não tenha recebido nenhum dos quatro Óscares para que foi nomeada. É um “vigilante movie” muito mais complexo, torturado e ambíguo do que o habitual no género, é um dos mais poderosos e originais filmes de ressaca do Vietname, e um dos mais realistas, violentos e gráficos já rodados nas “mean streets” de Nova Iorque. Nesses já distantes anos 70, a cidade estava enferma de criminalidade, tráfico de droga, prostituição, desigualdade social e corrupção geral, e “Taxi Driver” (também) fica como um vívido documento desses tempos. “You talkin’ to me?”.

“Os Sete Magníficos”

Esta nova versão assinada por Antoine Fuqua do clássico realizado por John Sturges em 1960, e que já era um “remake” em contexto de “western” de “Os Sete Samurais”, a obra-prima de Akira Kurosawa, troca as voltas ao original, em nome do politicamente correto e da “atualização” ideológica. Até se poderia fazer alguma vista grossa a esta diligente preocupação em modificar o argumento para a nossa época de múltiplos melindres sócio-político-culturais, se este “Sete Magníficos” estivesse minimamente à altura do de 1960. Mas não está, devido a um elenco infinitamente menos carismático e competente do que o do filme de Sturges; ao desaparecimento das afinidades com as particularidade narrativas e de caracterização das personagens com a fita de Kurosawa, que enriqueceram o original e não o limitaram a um confronto entre pistoleiros-mercenários e saqueadores de lavradores indefesos; e à falta de unhas de Fuqua para tocar a guitarra do “western”, que o leva a hesitar, sempre mal, entre Leone e Peckinpah. “Os Sete Magníficos” foi escolhido pelo Observador como filme da semana, e pode ler a crítica aqui.