O líder parlamentar do PCP veio sugerir, num artigo de opinião publicado esta quinta-feira no jornal “Avante!”, que uns partidos que fazem parte da atual solução governativa andam a “juntar com o bico”, enquanto o Bloco se entretém a “espalhar com as patas”. Esta é mais uma crítica dos comunistas àquilo que consideram ser a excessiva sede de protagonismo dos bloquistas.

A propósito da polémica sobre o eventual novo imposto sobre o património de luxo e o anúncio feito pela deputada bloquista Mariana Mortágua, João Oliveira titula o texto com a frase final: “Ainda que, às vezes, pareça que andam uns a juntar com o bico e outros a espalhar com as patas…”.

“Uma medida que pode contribuir para maior justiça fiscal fazendo cobrar mais impostos a uma minoria de contribuintes que tem património de valor mais elevado foi transformada, com o inestimável contributo do Bloco de Esquerda, numa ameaça à generalidade dos contribuintes a partir da especulação sobre o número e valor dos imóveis a abranger, do destino que é dado ao imóvel e de outros elementos por definir”, acusa João Oliveira.

“Para o PCP, é essencial uma política que combata a injustiça fiscal, é necessária a consideração adequada de cada imposto nas suas implicações económicas, de receita e de justiça fiscal, critérios que obviamente devem aplicar-se também aos impostos sobre património de valor muito elevado e a avaliação terá que ser feita globalmente e não imposto a imposto”, defende o deputado comunista.

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Para o líder da bancada parlamentar do PCP, estes são os “critérios que levarão à apreciação sobre o Orçamento do Estado” por parte do seu partido. Tudo que Bloco (e também PS) esqueceram quando se apressaram a anunciar uma medida que não está sequer fechada.

“O saldo do que aconteceu na última semana, depois do apressado anúncio feito pelo BE e confirmado pelo PS a propósito do imposto sobre o património imobiliário de valor elevado, confirma que posturas e critérios errados não se limitam apenas a criar dificuldades a boas medidas que podem ser tomadas, oferecem ainda de bandeja a outros (neste caso, a PSD e CDS) a oportunidade de branquearem as suas opções”, pode ler-se no artigo de opinião escrito por João Oliveira.

O comunista vinca, de resto, que “uma ideia que podia vir a ser uma boa proposta fiscal foi imediatamente transformada num alvo de todo o tipo de bombardeamento especulativo” e “está a ser apresentada como uma ameaça e, pior de tudo, deu a PSD e CDS uma oportunidade de ouro para ocultarem a responsabilidade pelo saque fiscal que impuseram e criarem dificuldades à sua reversão”.

“Ao anunciar a criação de um imposto cujos principais elementos estavam ainda em discussão – incluindo entre o PCP e o Governo -, o Bloco de Esquerda procurou, uma vez mais, antecipar-se no anúncio de uma medida de forma a chamar a si os créditos pela aprovação daquilo que não depende apenas da sua vontade ou intervenção”, acusa o parlamentar comunista.

Esta não é a primeira vez que os comunistas acusam o Bloco de Esquerda de estarem obcecados com um lugar ao sol. Em junho, por exemplo, Jerónimo de Sousa aproveitou a proposta de referendo ao euro anunciada por Catarina Martins — caso Bruxelas decidisse aplicar sanções a Portugal — para sublinhar que o referendo não devia ser “instrumentalizado em função de objetivos populistas e de protagonismo mediático” sob o risco de ter efeitos perversos.

Antes, durante a construção da “geringonça”, quando vazam dia sim, dia sim, notícias sobre os avanços e recuos das negociações, Jerónimo de Sousa perdeu a paciência com os bloquistas. “Neste processo de reuniões de trabalho que tivemos com o PS nós assumimos que aquilo que era reservado, reservado se deveria manter, numa posição séria. Outros consideraram que é bom estar nas primeiras páginas dos jornais, ser notícia de abertura na comunicação social. Mas entre isso e mantermos a honestidade e nossa posição séria, mantivemos a essa seriedade e essa reserva em relação àquilo que estávamos a trabalhar com o PS”.

Recuando ainda mais no tempo, até 2010, num artigo de opinião publicado no jornal Militante, Margarida Botelho, dirigente e ex-deputada comunista, já tinha denunciado os mesmos “tiques esquerdistas [do Bloco]” — “tiques” que o PCP nunca aceitou bem. Eram eles “a fraseologia radical, o oportunismo, revelado na dependência da agenda mediática e no parasitar de ações que outros promovem [e] o pseudo-radicalismo”.

A verdade é que, apesar de estarem os dois, pela primeira vez, no centro de uma solução de poder liderada pelo Governo socialista, a relação entre comunistas e bloquistas foi sempre tensa desde a fundação do Bloco. Já houve críticas, acusações, desconforto – e até piadas que caíram muito mal, como resumia aqui o Observador.