Demorou um pouco mais de 20 minutos, e o ex-primeiro-ministro até se fez de difícil – “eu prometi a mim mesmo não falar do mesmo processo” -, mas José Sócrates acabou mesmo por abordar o tema. E fê-lo, numa conferência em que devia falar sobre “Política Externa e Globalização”, para atacar o PS e o Governo por estarem a dar demasiado poder ao Fisco.

“O PS no governo acha que deve dar ao Estado, à Autoridade Tributária, ao Fisco, a possibilidade de ter acesso às contas bancárias de todos os cidadãos acima de 50 mil euros, em nome do combate a fraude”, começou por enquadrar Sócrates, para depois concretizar que o que o preocupa “é que por trás do discurso de combate [à evasão fiscal] está uma concentração de poder nos organismos do Estado que é perigosa para todos”.

Mas as críticas de José Sócrates não se centraram apenas no PS. Esta sexta-feira, em Lisboa, numa conferência organizada pelo departamento de mulheres socialista da capital, o ex-primeiro-ministro criticou também a “duplicidade moral” de PSD e CDS, questionando a “autoridade moral” dos partidos para criticar o acesso do Fisco às contas com saldos bancários acima dos 50 mil euros.

“Afasto-me também de todos aqueles que com uma duplicidade moral que é verdadeiramente impressionante criticam agora esta medida do governo quando, durante quatro anos do governo, assistiram à transformação da autoridade tributaria numa máquina de guerra que até lhes tirava as casas”, referiu o socialista.

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Sócrates “ao lado” de Mortágua

Antes de referir-se ao seu próprio processo judicial, Sócrates falou sobre o julgamento de Nuremberga para lembrar que “a universalização dos direitos do homem nasceu nesse momento, porque pela primeira vez a humanidade tinha uma lei que se sobrepunha a todas as outras”. E para defender que, a partir desse momento, o Estado perdeu o direito de ultrapassar as “linhas vermelhas” dos direitos do homem.

Os voos rasantes à sua própria condição de arguido (Sócrates é investigado por suspeita dos crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais) foram identificados (também) pelos socialistas na sala numa série de outras passagens da intervenção, que se prolongou por cerca de uma hora. Mas um dos argumentos que mais aplausos recebeu da assistência coincidiu com o momento em que Sócrates se colocou “ao lado” de “uma deputada” do Bloco de Esquerda.

Mariana Mortágua é, de resto, “uma das vozes mais interessantes do Espaço Público” e Sócrates nem sequer compreende “o que ela propôs de especial” ao defender a aplicação de um imposto sobre casas avaliadas em um milhão de euros. “Não propôs nacionalizações nem pôs em causa nenhum direito fundamental”, pelo que não se compreende a “berraria” da oposição. “Não posso deixar de me por ao lado dela quando ouço critica contra uma proposta tão modesta e insignificante”, referiu.

Ana Gomes fez “o jogo da direita”

Posição bem diferente foi aquela que Sócrates adotou para falar de Ana Gomes. A eurodeputada socialista condenou o convite lançado ao ex-primeiro-ministro por uma estrutura do PS: “Vejo o convite com preocupação, porque vem de setores que acham que a imagem de José Sócrates é recuperável. E eu acho que ela é extremamente danosa para o PS e para o país, e tem de ser o PS o primeiro a reconhecê-lo e não o contrário”.

Sócrates classificou as declarações de Ana Gomes como “absolutamente repugnantes”. Para o ex-líder socialista, a eurodeputada alinhou no “jogo da direita, que pretende uma condenação sem julgamento”.

“Já me habituei a ser insultado por muitos dos meus adversários políticos e por todos aqueles que pretendem fazer uma condenação sem julgamento, mas nunca pensei que, dentro do PS, alguém pudesse dizer coisas daquelas, insultando um camarada seu e fazendo o jogo dessa direita que pretende fazer uma condenação sem julgamento”, disse Sócrates. “A coisa mais horrorosa que há são esses comportamentos”.