José Sócrates foi recebido com abraços e beijos emocionados. Muitos fizeram questão de recebê-lo à porta do restaurante, em Lisboa, para mostrar de que lado estão. Uma militante não aguentou “a emoção” e sentou-se para se recompor depois de um abraço arrancado ao ex-líder socialista. Há quem tenha viajado de Leiria, de Coimbra e de outros pontos de país esta manhã só para participar no almoço de confraternização com o ex-líder do PS. “Eu conto convosco”, diz o ex-primeiro-ministro. “Lá estaremos”, respondem os socialistas da sala. Quem chegasse à marina do Parque das Nações haveria de jurar que se tinha acabado de cruzar com o lançamento de uma campanha eleitoral. Certo é que Sócrates vai repetindo que tem os seus “direitos civis intactos”.

Numa intervenção de pouco mais de 20 minutos, na abertura de um almoço com o ex-líder socialista (a organização garante que não se tratava de uma homenagem), Sócrates denunciou a “arrogância” dos responsáveis pela Operação Marquês que ainda não concluíram a investigação, repetiu o argumento de que está a ser vítima de “um abuso” do Ministério Público e reagiu à entrevista de Carlos Alexandre (em que o juiz disse não ter “dinheiro na conta de amigos”). Mas fez mais: dirigiu-se à direção do PS, acusando-se de ter deixado o seu antigo líder para trás.

Sócrates vai andar por aí

No dia anterior, Sócrates tinha participado numa conferência do PS e já na quarta-feira tinha jantado com militantes do partido para debater estratégias politicas. Mas que é que o antigo primeiro-ministro pretende com estas intervenções sucessivas? É o próprio quem dá a sua resposta à plateia que assiste de pé.

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“Não vou admitir que façam o banimento da vida pública, querendo fazer essa condenação sem julgamento de acordo com as suas regras. Eu vou lutar contra isso como há muito tempo estou a lutar. Eu tenho os meus direitos civis intactos, pretendo usá-los”, sublinha.

Quem veio, diz que soube do encontro pelas redes sociais, que a informação correu e que não quiseram ficar de fora. Na sala, havia poucas caras conhecidas do PS. Paulo Campos, ex-secretario de Estado, Renato Sampaio, deputado no governo Sócrates, Joaquim Raposo, ex-presidente da Câmara Municipal da Amadora.

De todos os presentes, César Ribeiro seria dos que há mais anos conhece Sócrates. Foram colegas no curso de Engenharia Civil e “já nessa altura se notava que ele tinha capacidade de liderança”, diz. E agora, o que será do ex-primeiro-ministro? “Estou convencido de que chega a Presidente da República”.

Não é o único a admitir novas corridas eleitorais. Fernanda Lima é militante do PS há mais de 30 anos. Sentada na mesa ao lado da do convidado de honra, esta “socrática confessa” diz que já é tempo de Sócrates voltar aos palcos do combate político. “Foi o único homem que conseguiu unir o partido e tenho esperança de que se candidate a primeiro-ministro ou a Presidente da República”.

Do discurso de Sócrates, o que ressalta é um ajuste de contas com as lideranças do partido que lhe sucederam – António José Seguro e António Costa. Tal como na noite anterior, os militantes receberam o ex-líder com gritos ao PS. “Muitos quiseram afastar-me. O primeiro objetivo era isolar-me da sociedade portuguesa. Porventura, conseguiram esse objetivo com a direção do partido socialista, mas quero dizer-vos uma coisa: não conseguiram afastar-me do coração dos militantes”.

E Sócrates vai mesmo andar por aí. Já no próximo mês, vai apresentar um livro que escreveu nos últimos cinco meses. “Um livro que resulta das minhas reflexões, nem é um livro de mexericos, é livro de política, que pretende ser de teoria política”.

“O juiz já não existe”

A intervenção acaba com a sala a gritar o nome de Sócrates pela segunda vez em menos de 20 minutos. Momentos antes, o arguido da Operação Marquês já tinha falado do seu processo – é isso que faz sempre que tem o palco mediático ao seu dispor – para decretar o fim do reinado de Carlos Alexandre.

Há duas semanas, o juiz de instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal deu uma entrevista à SIC em que dizia não ter dinheiro “na conta de amigos”. Sócrates acusou o toque. “O que ele pretendia dizer era que a imputação que o Ministério Público me faz é verdadeira”, mas “tenho a dizer que essa imputação, como sempre disse, é falsa, absurda e injusta”.

Nesse momento, Carlos Alexandre, defende o socialista, terá perdido a legitimidade” para continuar no processo em que Sócrates é investigado por corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. “Para mim, o juiz já não existe, porque o juiz, para ser juiz, precisa de estar acima das partes, precisa de julgar com imparcialidade, com isenção, com objetividade, precisa de ser um árbitro”.