As autópsias feitas aos corpos das duas crianças arrastadas para o mar pela própria mãe revelam que nenhuma delas foi vítima de maus tratos físicos antes de morrerem afogadas na praia de Caxias, em Oeiras. O Ministério Público pediu ainda exames complementares para confirmar se as duas raparigas tinham sido drogadas antes do crime e se os seus corpos apresentavam indícios de abusos sexuais. Estas perícias revelaram-se negativas.

Samira, de quatro anos, e Viviane, de um ano e meio, foram levadas para a praia de Caxias ao início de uma noite fria e ventosa do último mês de fevereiro, como descreve o despacho de acusação a que o Observador teve acesso. O mar estava agitado. Segundo o Ministério Público (MP), a mãe, Sónia Lima, de 37 anos, terá parado o carro na berma da estrada, de onde saiu e retirou as duas crianças. “Acedeu às escadas existentes junto ao forte (da Giribita) e desceu até junto das rochas”. Depois, “entrou com as filhas no mar, o que fez com o propósito de lhes tirar a vida”, lê-se.

A filha mais nova de Sónia foi a primeira a ser arrastada pela maré. Já Samira ainda tentou agarrar-se à mãe. Mas acabou por ser levada. João Carvalho, um taxista que passava no local, ainda tentou socorrê-las. Conseguiu deitar a mão a Sónia Lima, que ainda lhe pediu que a largasse. “Deixe-me ir, é uma dor muito grande”, disse ao motorista.

Viviane acabaria por aparecer às 22h23, mais de uma hora e meia depois de ter sido engolida pelo mar, ainda com vida mas em paragem cardio-respiratória. Os bombeiros de Paço de Arcos ainda tentaram reanimá-la durante os 45 minutos que se seguiram. Mas um médico do INEM acabaria por declarar o óbito da criança. Já o corpo da irmã, Samira, foi procurado dia e noite ao longo de seis dias. Foi uma mulher que o avistou na linha de água, ainda na praia de Caxias, e avisou as autoridades.

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Sónia Lima, de acordo com a acusação, passara o dia com as filhas. Depois de um fim de semana em casa dos pais, na Amadora, decidira almoçar com as duas no McDonald’s de Massamá. A seguir, deambulou durante horas pela Grande Lisboa. O MP refere que chegou a pôr gasolina no carro duas vezes em sítios e horas diferentes. Só depois das 20h parou o carro junto à praia de Caxias. O seu telemóvel estava desligado desde as 15h00.

Quando as autoridades identificaram Sónia e as vítimas perceberam que ela enfrentava uma separação difícil. Quatro meses antes tinha mesmo apresentado queixa contra o pai das crianças por alegado abuso sexual. Uma delas chegou a ser sujeita a exames médicos, mas nenhum resultado apontou para abusos sexuais.

Ainda assim, o Ministério Público pediu exames complementares. Queria saber se, da autópsia, se concluía que havia abusos sexuais. Mais: queria saber se Sónia tinha drogado as crianças antes de as levar para a água. O resultado das autópsias é claro. No caso de Viviane, os peritos do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses concluíram que a sua morte se deveu a “asfixia por afogamento”, uma “causa de morte violenta”. Já “o exame toxicológico feito ao sangue para pesquisa de etanol, medicamentos e drogas de abuso foi negativo“. Também “no exame de criminalística biológica requisitado para a pesquisa de ADN” não foi identificado material biológico de origem masculina no corpo de Viviane, revelam os resultados a que o Observador teve acesso.

Já o corpo de Samira tinha um pequena percentagem de etanol, “devido ao estado de putrefação do cadáver”.”A autópsia não revelou presença de opiáceos, cocaína, canabinoides, anfetaminas ou outros”. Também o “exame genital não revelou lesões traumáticas” que indiciassem “omissão de cuidados ou maus tratos reiterados”, lê-se.

Sónia Lima é acusada de dois homicídios qualificados. O MP diz que agiu “livre, deliberada e conscientemente com o propósito concretizado de tirar a vida às suas filhas”. A arguida encontra-se em prisão preventiva na cadeia de Tires e a sua advogada deverá pedir a abertura de instrução do processo — ou seja, um juiz de instrução deverá pronunciar-se sobre se Sónia Lima deverá ir a julgamento.