O livro ainda não existe, mas a edição vai começar a ser preparada já esta semana e prevê-se que saia em fevereiro de 2017, segundo Manuel S. Fonseca, responsável pela editora Guerra & Paz.

O que existe, por enquanto, é um conjunto de 185 páginas em formato A4, datilografas, sob o título Elsa – Romance de Costumes Políticos Portugueses. Trata-se de um romance inédito do general Humberto Delgado (1906-1965), destacado opositor do salazarismo.

humberto delgado folhas

Não é a única obra ficcional que se lhe conhece. Acredita-se que tenha sido terminada em 1962, durante o exílio de Delgado no Rio de Janeiro, depois de ter concorrido às eleições presidenciais de 1958, em cuja campanha proferiu a célebre frase “obviamente, demito-o” – quando questionado sobre o que faria com Oliveira Salazar, caso fosse eleito presidente.

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De acordo com Frederico Delgado Rosa, neto do general e seu biógrafo, o romance começou a ser escrito ainda em Lisboa, entre janeiro e abril de 1959, período em que o general esteve refugiado na embaixada do Brasil em Portugal.

“Sei dessa informação por via familiar, porque enquanto esteve na embaixada Humberto Delgado foi visitado pela minha mãe e pela minha avó e elas sabiam que ele tinha começado a escrever o romance”, explica Frederico Rosa. “Mais tarde, já no Brasil, ele dá uma entrevista à imprensa, a uma publicação cujo título não tenho presente, na qual fala do romance”, acrescenta.

Exemplar único, só viria a ser descoberto por volta de 2005, quando a professora brasileira Luísa Moura o fez chegar à herdeira da secretária de Delgado no Brasil, Arajaryr Campos.

Nesse mesmo ano, chegou a Lisboa, à Fundação Humberto Delgado, dirigida pela filha do general, Iva Delgado. A fundação viria a ser extinta em 2013 – “porque se considerou que estava cumprida a missão de passar a memória de Delgado para o século XXI”, segundo Frederico Rosa – e o documento veio a ser doado ao Arquivo Histórico da Força Aérea, onde se encontra depositado.

A decisão de publicar o romance foi tomada pelos herdeiros de Humberto Delgado, em conjunto com a Guerra & Paz e a Sociedade Portuguesa de Autores. O acordo foi divulgado oficialmente pela editora nesta segunda-feira.

A capa do livro será criada nos próximos meses pelo designer gráfico Ilídio Vasco, que trabalha habitualmente para a editora. “A capa deverá destacar a faceta central do romance, isto é, a protagonista feminina”, refere Manuel S. Fonseca. Ainda não está definida a tiragem da edição.

Descrito pela editora como um romance “preocupado com a condição feminina e com o papel central da mulher”, Elsa narra a relação entre um militar, Armando Dias, e a protagonista, uma jovem de origem humilde, filha ilegítima de uma criada. “O que se encontrou foi um texto acabado, pronto para publicação, tem até a palavra ‘fim’”, explica Manuel S. Fonseca.

“Poderíamos estar perante um romance que resultasse de um hobby, e por isso pudesse ser menos interessante, mas não. É um texto muito bem construído em termos dramatúrgicos, com um caráter afetivo, sentimental e sexual”, descreve o editor. “Surpreende a forma como as personagens femininas são tratadas, atendendo aos padrões da época. Nesse sentido, espelha um feminismo avant la lettre, ao mesmo tempo que apresenta um reconhecimento das complicações que a masculinidade suscita”, diz Manuel S. Fonseca.

“É quase um romance feminista”, reforça o neto do autor. “Está escrito sob o prisma das mulheres e de como elas são maltratadas, mas é também um romance político, porque a história pessoal da protagonista se cruza com a de um militar que participa num golpe contra o regime de Salazar.”

Documentos inéditos do “general sem medo”, alcunha com que Humberto Delgado passou à história, têm vindo a ser publicados nos últimos anos pela família. “É possível que no futuro publiquemos mais alguns”, revela Frederico Rosa. Em 2006, saiu o livro Uma Brasileira Contra Salazar, com descrições dos anos de exílio no Brasil, da autoria de Arajaryr Campos.

Em 2008, o neto de Delgado assinou uma extensa biografia, com base em documentação nunca antes publicada. O livro continha uma referência breve a este romance, que passou despercebida.

“É muito evidente que o original foi dactilografado por Arajaryr Campos”, assegura Frederico Rosa. “O método de trabalho do Humberto Delgado consistia em ditar para máquina de escrever ou então escrever à mão para que o texto fosse depois datilografado. Neste caso, é notório ter sido Arajaryr a passar o texto à máquina, o que se nota pela existência de palavras na grafia brasileira.”

Na década de 40, Delgado escreveu três peças de teatro radiofónico, transmitidas pela então Emissora Nacional: “28 de Maio”, “A Marcha para as Índias” e “Mariana Alcoforado, a Freira de Beja. Assinou igualmente a peça para palco “Asas”, que se estreou no Teatro da Trindade, em Lisboa, em 1942.

notícia atualizada às 15h02