No primeiro frente-a-frente da corrida presidencial norte-americana, Donald Trump acusou Hillary Clinton de não ter stamina. O termo, se o quisermos meter num português-futebolês, pode muito bem ser transformado em “pedalada”. Poucas horas depois desse duelo durinho nos Estados Unidos, o FC Porto bateu de frente contra o campeão inglês, que jogava pela primeira vez na Liga dos Campeões perante os seus adeptos. O Leicester venceu por 1-0, com um golo de Islam Slimani, um homem a quem nunca, nunca falta stamina. O argelino foi aplaudido de pé…

Slimani é difícil de explicar. Parece tosco, mas depois joga de primeira como gente grande. Parece descoordenado, mas ganha quase todos os lances contra quem julga ter alguma hipótese. Marca golos, uma tarefa que deveria estar apenas ao alcance dos craques, dos génios, daqueles a quem o Olimpo do futebol passa a mão pela cabeça, com carinho. Isso, Slimani é quase tudo o que não eram aqueles super avançados que admirámos, como Ronaldo fenómeno ou Batistuta. Ou Van Basten ou Crespo. Ou Shevchenko ou Romário. Hey!, enough is enough. Mas o argelino será, certamente, tudo o que um treinador quer: compromisso, querer, crer e golo.

Nuno escolheu um 4-4-2 clássico no papel para atacar o 18º jogo dos dragões em Inglaterra. Até ali, os números não eram famosos: 15 derrotas e dois empates (ambos contra o Manchester United). O tal 4-4-2 na verdade era malandro, enganador, pois pretendia ver Danilo, Óliver, André André e Otávio convergirem no miolo, baralhando marcações, confundindo movimentos e, finalmente e principalmente, abrindo espaço para os laterais, Alex Telles e Layún. As coisas não correriam como esperado.

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A primeira ocasião de golo até pertenceu aos portugueses, depois de Mahrez perder a bola para Óliver e Otávio. O brasileiro lançou André Silva nas costas da defesa do Leicester; o avançado tentou fazer uma chapelada a Kasper Schmeichel, mas sem sucesso. A bola passou perto do poste direito, mas ficou o aviso. Estaríamos perante aquelas exibições europeias de encher o olho por parte do FCP? Ainda não sabíamos que não. A lição parecia bem estudada: explorar a lentidão dos centrais pesados, Huth e Morgan. André Silva, que bisara contra o Boavista (3-1) na última jornada, e Adrián foram as escolhas do treinador português para explorar essas vulnerabilidades alheias.

O galo da noite (e golo, sim) chegou aos 25′. Albrighton recebeu a bola na esquerda, pouco depois do meio campo e levantou a cabeça. Ele já sabia que do outro lado do quintal estaria um tal de Mahrez, que já esfregava as mãos com tanto espaço por ali. E foi isso que aconteceu: bola no canhoto, que encarou Alex Telles e sacou um cruzamento daqueles com muuuuuita categoria. A bola ameaçou encostar-se à cabeça do primeiro felino que habitava na área. Vardy falhou, mas a bola seguiu, imparável. É que o cruzamento era mesmo muuuuuito bom. A seguir foi a vez do outro avançado tentar e Slimani tocou na bola, 1-0. O avançado ex-Sporting marcou o sexto golo a Iker Casillas em quatro jogos (e sétimo ao FCP). É obra. Mais: o argelino festejou o primeiro golo do Leicester em casa na Liga dos Campeões. Está na história.

Claudio Ranieri, que conseguiu encontrar outro Vardy para jogar com Vardy, é outro fenómeno aqui. Sim, já percebemos que a Liga Inglesa vai ser complicada para esta equipa que veste de azul, com King escrito no peito. Eles foram reis, foram o maior conto de fadas desde o Blackburn de Alan Shearer, por isso a pressão não pode estar do lado deles. Eles foram os milagreiros, agora desfrutam da Liga dos Campeões. Merecem-no. O espírito é o mesmo que os levou ao trono inglês, por isso adivinhava-se difícil a tarefa do FC Porto de Nuno. Ranieri é outro fenómeno aqui porque explicou aos jogadores duas ou três coisas: correr do primeiro ao último minuto, jogando a um dois toques, sem grandes invenções, mesmo que para isso tenham de passar muito tempo sem bola. É preciso saber levar os jogadores para os convencer de tal coisa.

O FC Porto continuaria um pouco perdido no meio campo, sem ideias, sem gás, sem um remate de longe para assustar o guarda-redes dinamarquês. O Leicester até chegaria a ter mais bola do que os portugueses, o que aliado à maior agressividade dos ingleses não ajudava nadinha. Layún seria o primeiro a reagir, de livre direto, mas a bola não quis nada com as redes.

Até meia hora do fim viu-se pouco futebol, com exceção para a boa defesa de Casillas a remate de Mahrez, de fora de área. Do outro lado, Otávio até agitou as águas, com um lance em que passou por quatro rivais, mas foi uma miragem no deserto de ideias que era o FCP. Lá está, para a equipa aquilo deu em nada, mas para quem está a ver é sempre agradável ver um bocadinho de futebol de rua. O drible é sedutor, irresistível.

Herrera entrou e o Porto aclarou as ideias. Diogo Jota idem, com menos acerto, mas igual na ousadia e coragem. O médio mexicano ajudou a acertar o passo, com mais bola, mais passes, mais paciência. O que faltou na primeira parte foi mais passes verticais, para destabilizar a organização e o espaço entre os defesas e os médios ingleses. É maravilhoso o futebol quando permite que uma equipa que tenta colar quatro médios no miolo não se consegue impor à outra que joga em 4-4-2 clássico. É tática, senhores. E pedalada. Perdão, stamina!

O FC Porto melhoraria e não chocaria ninguém se saísse de Inglaterra com um empate. Jesús Corona, o último a entrar nos dragões, chutou um autêntico míssil ao poste esquerdo de Kasper Schmeichel, que tinha os deuses do seu lado. Nuno abriu os braços, angustiado.

Caminhávamos para o fim da partida. Claudio Ranieri, que já tem muitos anos disto, tirou Slimani para receber um abraço invisível daquele estádio inteiro. O argelino mereceu uma ovação de pé. Já leva quatro golos em três jogos. Ponto final em Inglaterra. Depois de um empata caseiro contra o Copenhaga, que esta noite venceu o Clube Brugge por 3-0, segue-se uma derrota e uma exibição pálida.

O FC Porto tem muita qualidade e talento no seu quintal, mas ainda não encontrou a tecla certa…