Quando desafiou Pedro Passos Coelho nas eleições legislativas de 2015, António Costa assumiu como desígnio essencial do seu programa colocar o país, finalmente, na rota do crescimento económico. Dez meses depois da tomada de posse do Governo socialista e perante um crescimento “aquém das expectativas”, PSD e CDS parecem apostados em ensaiar uma tese: à falta de indicadores económicos animadores, depois do “choque com a realidade”, os socialistas agarram-se ao cumprimento das metas do défice como única forma de salvação. O mesmo PS que acusava o anterior Governo de não apostar no crescimento faz agora parte do Executivo que vive “obcecado pelo défice”, acusam democratas-cristãos e centristas. O Parlamento debate a captação de investimento e o crescimento económico esta quarta-feira.

Na verdade, desde que assumiu os comandos da máquina socialista, António Costa já se viu obrigado a rever várias vezes os números do crescimento económico que julgava serem possíveis — e desejáveis. Basta lembrar que, em abril de 2015, quando o grupo de economistas liderado por Mário Centeno divulgou o cenário macroeconómico que serviria de base ao programa socialista, as previsões eram de 2,4% para o crescimento real do PIB. Mas o mundo mudou. No Orçamento do Estado para 2016, apresentado em março deste ano, a previsão ficou-se pelos 1,8% — uma meta que parece ser agora cada vez mais difícil de alcançar.

As pedras no caminho para o crescimento desejado por António Costa foram surgindo, uma após outra, no plano traçado pelo líder socialista. Desde logo, no plano interno. Sem conseguir maioria absoluta nas urnas, António Costa obrigou-se a celebrar acordos à esquerda e a deixar cair medidas emblemáticas como a redução da Taxa Social Única para empresas e trabalhadores (com um corte futuro nas pensões), um dos propulsores da economia, segundo os socialistas. A estratégia de Centeno sofria o primeiro revés.

Os embates com Bruxelas também fizeram mossa. Já depois do baralhar e dar de novo das negociações à esquerda, o esboço do Orçamento do Estado seguiu para a Comissão Europeia e regressou com um cartão amarelo. Mário Centeno propôs um défice de 2,6% em 2016 e previa um crescimento do PIB de 2,1%. Bruxelas impôs um défice de 2,2% — mais tarde, seria alterado para 2,5% — e o crescimento foi revisto em baixa para os 1,8%.

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Agora, a poucas semanas da apresentação do Orçamento do Estado para 2017, ninguém acredita na meta de 1,8%. Isso mesmo é assumido pelo Ministério das Finanças, que concede que “a economia está a levar mais tempo a acelerar o ritmo de crescimento”, e por Carlos César, presidente e líder parlamentar do PS, que reconheceu, em entrevista à TSF, a possibilidade de as previsões falharem.

Temos todos a consciência, a começar pelo PS e pelo Governo de que aquilo que estamos a fazer é insuficiente e muito condicionado. Trabalhamos sabendo que não estamos a fazer tudo o que gostaríamos de fazer mas que estamos a fazer tudo o que podemos fazer”, assumiu Carlos César.

Paulo Trigo Pereira, economista e deputado independente do PS, reconhece, em declarações ao Observador, que os dados do crescimento económico não são tão animadores como os projetados inicialmente. Ainda assim, o socialista lembra que “houve uma revisão em baixa para toda a zona Euro”, o que faz com que Portugal não seja um caso isolado.

Há dois fatores que ajudam a explicar o crescimento mais modesto da economia portuguesa: a crise que afetou dois dos principais parceiros económicos de Portugal — Angola e Brasil — e a “velocidade da execução dos fundos estruturais, menos rápida daquilo que o Governo desejaria”. A confiança na receita seguida, no entanto, mantém-se.

João Loureiro, professor de Economia da Universidade do Porto, discorda: “O crescimento económico não se decreta”. E o erro aconteceu logo nas previsões: “Os valores não eram muito credíveis”.

Depois, houve fatores que falharam na equação socialista. Primeiro, o Governo, continua o economista, acreditava que o “consumo privado acelerasse um pouco mais”, através da “reposição de alguns dos rendimentos” cortados durante os últimos anos. Esse impacto, no entanto, ainda não se sentiu na economia portuguesa. Talvez a partir do início de outubro, quando os cortes salariais da função pública estiverem completamente anulados, se possa sentir alguma evolução nesse indicador. Mas não é certo que assim aconteça.

Noutro plano, a rubrica do investimento correu “francamente mal” e “o país continua com uma incapacidade gritante de atrair investimento”. Por várias razões: à cabeça, a crise financeira que se instalou no país e a “mudança sistemática da legislação fiscal”, que mina a confiança dos investidores.

A crise dos mercados emergentes — Angola, Brasil, Venezuela — também terá contribuído, reconhece João Loureiro. Mas “não são absolutamente surpreendentes”, ironiza o economista. Os sinais estavam aí e “inevitavelmente tinham de estar previstos” pelo Governo, quando traçou o cenário macro.

Existe uma diferença de princípio entre o que defendem os socialistas e o que pensa João Loureiro: para o professor da Faculdade de Economia do Porto “a receita” do Governo “é má”. Ponto final.

Face às circunstâncias que o país atravessa, com uma dívida enorme do Estado, das empresas e das famílias, o país não pode gastar mais, nem aumentar a despesa. Tem de desalavancar, diminuir a dívida. Se apostarmos na procura interna vamos voltar à situação que nos trouxe até aqui. Não vale a pena. É um erro”.

Défice como balão de credibilidade junto de Bruxelas

Entre o Governo socialista existe a convicção de que não há grande margem de manobra junto dos responsáveis europeus. António Costa quer provar que é possível fazer diferente, e mesmo assim respeitar as regras do euro e do Tratado Orçamental. Por isso é que o Governo faz tudo para não falhar o objetivo, mesmo que o crescimento económico tenha passado para um plano secundário. Falhando a meta do défice, o balão da credibilidade esvaziar-se-ia. É isso que assume Paulo Trigo Pereira.

Esse é nosso grande desafio. Mostrar que apesar de tudo há alguma margem de manobrar para fazer políticas diferentes. Isso é um ponto de honra”.

Ainda assim, o socialista garante que as acusações de PSD e CDS são injustas e ilegítimas. “O Governo não vive obcecado com o défice. Se houve alguém que viveu obcecado com o défice foi o Governo anterior”.

“Somos um partido responsável e apoiamos a consolidação orçamental. Mas o PS não acredita, ao contrário do que defendia o anterior Governo, que essa consolidação dependa da austeridade pura. Consolidação orçamental não tem de ser austeridade sobre os portugueses em particular os mais vulneráveis. Há medidas alternativas que estamos e vamos implementar”, garante o deputado.

E se o balão se esvazia? Se o Governo não conseguir cumprir a meta do défice imposta por Bruxelas? Perderá o seu único salvo-conduto junto dos responsáveis europeus? O socialista é perentório: “Sei que vamos cumprir porque sei que o défice vai ficar abaixo dos 3%. Essa questão não se coloca”.

A guerra dos números — e os avisos de Marcelo

Para tentar colocar o Governo em contradição, PSD e PS vão esgrimindo argumentos sobre a evolução dos indicadores económicos do país. No último debate quinzenal, Pedro Passos Coelho aumentou a pressão e acusou António Costa de “retratar uma realidade que não existe”. Investimento a crescer? Exportações em ascensão? Economia a acelerar? São os “mitos” deste Governo, proclamou o líder do PSD.

António Costa respondeu com os números e gráficos e acusou a direita, essa sim, de alimentar “mitos” sobre a economia portuguesa. Mostrou um gráfico onde se via a evolução favorável das “exportações de bens e serviços (preços constantes)”. Depois mostrou a evolução em cadeia do investimento, a subir desde o primeiro trimestre de 2016. Finalmente, apresentou uma tabela com a “formação bruta de capital das sociedades não financeiras (variação em cadeia)” que cresceu mais de 50% no primeiro trimestre de 2016. Não apresentou qualquer gráfico sobre a evolução do PIB. (Veja aqui o fact check do Observador).

No que respeita, porém, à variação do PIB, o eixo de comunicação do Governo é que a queda começou ainda no tempo de Passos Coelho. É verdade. Nos últimos dois trimestres de 2015, a economia, em cadeia, cresceu 0,4% do PIB no segundo trimestre e 0,1% no terceiro. No último trimestre do ano, o PIB não foi além de 0,2%. Este ano, a evolução em cadeia foi de apenas 0,2% e 0,5% nos dois primeiros trimestres. Muito longe das metas governamentais.

Assim, o crescimento de 1,8%, previsto pelo Governo, parece cada vez menos provável. Neste momento, o Governo socialista está isolado nas estimativas: o Banco de Portugal fixa o valor em 1,3%; a Comissão Europeia fala em 1,5%; o FMI deixa nos 1,4%; e a OCDE acredita nos 1,2%. A este ritmo de crescimento, a economia terá dificuldades para atingir esses valores.

Enquanto isso, Marcelo Rebelo de Sousa vai aumentando a pressão. “Controlar as finanças parece-me que isso está garantido. Agora, o país precisa de crescer. E espero que o país cresça, mas não cresça só até ao final do ano e cresça ao longo dos próximos anos, porque a única maneira de aguentar sustentadamente as finanças controladas é com maior crescimento. E, por isso, é preciso fazer tudo para que o crescimento aumente. E, quando digo tudo, nomeadamente no plano do investimento. Os fundos vindos da Europa comunitária são muito importantes, o investimento público, mas também o investimento privado”, fez questão de sublinhar o Presidente da República.

Na terça-feira, na III Cimeira do Turismo, o Presidente da República repetiu o recado. “Até agora, os 10 meses de Governo hoje completados parecem ainda poder garantir a realização da meta do défice orçamental apontado pela Comissão Europeia, mas há que reconhecer que não tem sido evidente que a evolução do investimento das exportações e do próprio consumo interno permitam antever o crescimento desejado. Mais uma razão para reforçar a aposta nesse investimento atraindo-o e não retraindo, e nas exportações, diversificando-as com imaginação”, lembrou Marcelo.

As finanças parecem estar controladas. Mas é preciso agora fazer mais, vai insistindo o Chefe de Estado. É o “há vida para além do défice” — do tempo de Jorge Sampaio — de Marcelo Rebelo de Sousa, com uma nuance: com mais ou menos “obsessão”, só pode haver vida para além do défice, com crescimento económico, cumprindo o défice.