Chega esta sexta-feira à Netflix “Marvel’s Luke Cage”, a terceira série da Marvel para a plataforma de streaming, centrada em Luke Cage, um homem à prova de bala e com uma força sobrehumana. A personagem, que apareceu pela primeira vez na banda desenhada no início dos anos 1970 e chegou ao universo de carne e osso no ano passado em “Jessica Jones” (também na Netflix), luta contra o crime no Harlem, Nova Iorque. Sim, como manda a tradição, há um cameo de Stan Lee, mas há ainda mais motivos de interesse numa das séries mais esperadas da época. Aqui ficam.

https://www.youtube.com/watch?v=snJ-nRgx8o0

Mike Colter

Originalmente, nem era suposto “Luke Cage” seguir-se a “Jessica Jones”. A ideia era que “Iron Fist”, que chega no início de 2017, fosse a próxima série da Marvel na Netflix. Mas quando Mike Colter, o actor de 40 anos que faz de Cage, foi encontrado para o papel em “Jessica Jones”, onde tinha o seu próprio bar no Harlem e se cruzava com a heroína que dá nome à série, a Marvel decidiu que ia mudar os planos. É fácil perceber porquê: Colter, cuja personagem em “The Good Wife” foi despachada para que ele pudesse dedicar-se a Cage a 100%, é magnético no papel. Cheo Hodari Coker, que criou a série para a televisão, diz que nunca via um casting tão bom desde que Sean Connery foi James Bond. E nem é por ser grande e ser óptimo a distribuir – e a levar – porrada ou a levantar pesos, até porque a acção não é assim tão comum: a série passa bastante mais tempo investida no drama da vida das personagens e nas repercussões dos eventos que vão ocorrendo. Colter não é, contudo, o único motivo de interesse: o elenco, que inclui maioritariamente actores negros, o que não é comum nem no mundo dos super-heróis em geral nem no universo Marvel em específico, tem nomes como Rosario Dawson, Alfre Woodard, Mahershala Ali, Simone Missick, Theo Rossi, Frank Whaley, Frankie Faison ou Sonja Sohn, de The Wire.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O mau

Um dos elos mais fracos dos filmes Marvel, regra geral, está nos vilões, que não são propriamente assustadores ou carismáticos – há excepções, como o Loki de Tom Hiddleston. Tal não é o caso, até agora, nas séries da Netflix: “Daredevil”, na primeira temporada, tinha o tenebroso Wilson Fisk de Vincent D’Onofrio, na segunda o anti-herói Punisher, e “Jessica Jones” tinha o Kilgrave de David Tennant. “Luke Cage” tem Mahershala Ali, de “House of Cards”, como Cornell “Cottonmouth” Stokes, um poderoso magnata dos negócios e do crime que quer dominar o Harlem e tem tendência a tocar teclado em frente a um retrato icónico do rapper Notorious B.I.G. – uma lenda de outra zona de Nova Iorque, Brooklyn. Não é o único mau: Stokes tem uma prima, (Black) Mariah Dillard, interpretada por Alfre Woodard, uma política ambiciosa que, mesmo que por vezes relutantemente, está ligada aos negócios do familiar.

Música

A música é uma parte muito importante da série. E não é só o hip-hop. Antes de sair a série, um dos trailers incluía “Shimmy Shimmy Ya”, o clássico do defunto Ol’ Dirty Bastard, Method Man faz dele próprio na série, e “Bring da Ruckus”, do disco de estreia de 1993, Enter the Wu-Tang (36 Chambers), faz a banda sonora da cena de acção mais forte dos primeiros sete episódios (os que foram disponibilizados à imprensa). E a música original está a cargo de Ali Shaheed Muhammad, DJ de A Tribe Called Quest, e Lucy Pearl, a meias com o Adrian Younge, que trabalhou com Ghostface Killah dos Wu-Tang Clan e DJ Premier, dos Gang Starr, o mesmo duo nova-iorquino cujas faixas servem de nome para cada um dos episódios da série. Além disso, como Cottonmouth tem um clube no Harlem, passam por lá vários músicos diferentes: de Raphael Saadiq ao revivalista da soul/funk Charles Bradley, que chegou a ser imitador de James Brown, passando por Faith Evans, diva do r&b e viúva do mesmo Notorious B.I.G. que aparece no escritório do dono do clube; há também Jidenna, o rapper e cantor que é protegido de Janelle Monáe e que com ela fez “Yoga”.

O Harlem

Tal como as antecessoras na Netflix, o tom da série é um pouco mais soturno e sério do que acontece nos filmes da Marvel – mas não tão sério e aborrecido quanto o que costuma acontecer nos filmes. E se “Daredevil” e “Jessica Jones” se passavam em Hell’s Kitchen, onde Cage teve um bar, “Luke Cage” passa-se no Harlem, e é filmado mesmo lá, em zonas que já serviram de cenário para filmes como “American Gangster”. Mesmo que seja uma zona num estado de mudança, a série tenta reflectir a vivência local. Cage trabalha na barbearia de Pop (Frankie Faison), uma espécie de mentor, onde existe uma folha na parede a dizer que Muhammad Ali, Nelson Mandela, Richard Roundtree, Michael Jordan, Al Pacino e Pat Riley não pagam cortes de cabelo, mas todas as outras pessoas têm de pagar. Discutem-se os méritos de escritores da cultura afro-americana como George Pelecanos, Richard Price ou Walter Mosley – e mesmo fora da barbearia há discussões sobre cultura pop, com temas como Jet Li vs. Bruce Lee. Até figuras lendárias da zona, como Dapper Dan, o homem que nos anos 1980 e 1990 tinha uma loja no bairro e personalizava roupa para nomes como Eric B. & Rakim, LL Cool J ou Salt-N-Pepa, aparecem a fazer delas próprias.

https://www.youtube.com/watch?v=ytkjQvSk2VA

Actualidade

Luke Cage é um herói negro e à prova de bala no Harlem que usa um capuz, num ano em que saem notícias todas as semanas sobre homens negros desarmados que são baleados pela polícia americana e em que temas raciais são uma componente forte na campanha para as eleições presidenciais dos Estados Unidos. Só por aí, há uma ligação à actualidade. Fora isso, as séries do gigante da banda desenhada na Netflix têm mostrado perspectivas um pouco diferentes. E esta não deixa de ser uma série criada por um homem negro, com um elenco maioritariamente negro num contexto em que a televisão tem cada vez mais diversidade.