A Amnistia Internacional (AI) acusou esta quinta-feira as forças governamentais sudanesas de uma série de ataques químicos este ano que mataram dezenas de civis, incluindo muitas crianças, numa zona montanhosa do Darfur, no oeste do Sudão.

Acredita-se que mais de 30 ataques do tipo terão tido lugar entre janeiro e setembro em diversas aldeias no âmbito de uma ofensiva militar contra o bastião rebelde de Jebel Marra, indicou a AI num relatório.

“Uma investigação da Amnistia Internacional juntou provas aterrorizadoras do repetido uso do que se acreditam ser armas químicas contra civis, incluindo crianças muito pequenas, por parte das forças governamentais sudanesas numa das mais remotas regiões do Darfur ao longo dos últimos meses”, afirmou a organização de defesa dos direitos humanos.

Segundo a AI, “entre 200 e 500 pessoas poderão ter morrido como resultado da exposição a agentes de armas químicas, muitas das quais ou a maioria crianças”.

A AI denunciou que as forças governamentais também fizeram “bombardeamentos indiscriminados contra civis (…) massacres de homens, mulheres e crianças e sequestros e violações” em Jebel Marra, que alberga as terras mais férteis do Darfur.

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O relatório, com quase 100 páginas, contém fotografias de crianças com queimaduras químicas, imagens de satélite de aldeias destruídas e de deslocados, entrevistas com mais de 200 sobreviventes e uma análise de especialistas em armas químicas.

A AI afirma que os ataques fazem parte de uma operação militar contra o grupo rebelde Exército de Libertação do Sudão (SLA-AW), que Cartum acusa de fazer emboscadas a colunas militares e de atacar civis.

Segundo a diretora de Respostas a Crises da Amnistia Internacional, Tirana Hassan, dezenas de milhares de pessoas abandonaram as suas casas desde que a ofensiva começou, em janeiro, em Jebel Marra.

“As provas que juntámos são credíveis e retratam um regime que tem a intenção de lançar ataques contra a população civil no Darfur, sem qualquer receio de uma represália internacional”, realçou, num comunicado.

Para a AI, os ataques equivalem a “crimes de guerra” e a “crimes contra a humanidade”.

O Sudão, alvo de sanções comerciais dos Estados Unidos em 1997 e com uma missão de manutenção da paz da ONU destacada no Darfur desde 2007, é signatário da Convenção de Armas Químicas.

O Darfur mergulhou na guerra em 2003, quando rebeldes da minoria étnica se revoltaram contra o Presidente Omar Al Bashir, queixando-se de que a região estava a ser económica e politicamente marginalizada pelo Governo de Cartum, dominado por árabes.

Bashir lançou uma ofensiva contra a insurgência que tem devastado o Darfur.

Pelo menos 300.000 pessoas morreram desde 2003, havendo aproximadamente 2,5 milhões de deslocados, de acordo as Nações Unidas.

Al-Bashir, que chegou ao poder através de um golpe de Estado, em 1989, foi indiciado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio durante o conflito no Darfur, acusações que nega.

Nos últimos meses, o Sudão insistiu que o conflito no Darfur acabou, mas Cartum continua a restringir o acesso de jornalistas e trabalhadores humanitárias à região e a AI indicou haver “provas credíveis” de que pelo menos 32 aldeias em Jebel Marra foram alvo de bombardeamentos e de ataques com armas químicas.

“Muitas fotografias mostram crianças pequenas cobertas de lesões e bolhas. Algumas são incapazes de respirar [normalmente] e vomitam sangue”, disse Hassan, falando ainda em “terríveis queimaduras e reações da pele aos agentes [químicos]” e dando conta de que os sintomas variam consoante os ataques, o que sugere a utilização de diferentes tipos de químicos.

A AI instou o Sudão — que quer que os ‘capacetes azuis’ deixem o Darfur — a permitir o acesso imediato de trabalhadores humanitários e das forças da ONU a Jebel Marra.

O Darfur “tem estado encurralado num catastrófico ciclo de violência há mais de 13 anos. Nada mudou, exceto que o mundo parou de olhar”, lamentou Hassan.