As frases

“Falou-se nisso [levantamento do sigilo bancário por parte da Autoridade Tributária], eu de repente ao ver tantas notícias cheguei a ficar apreensivo que a questão se colocasse porque se colocasse da minha parte não teria acolhimento algum. Mas felizmente não se coloca, isso é uma boa notícia”.
Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações aos jornalistas a 25 de agosto, pensava que o Governo tinha desistido do levantamento do sigilo bancário e considerou essa opção uma boa notícia. Nesta sexta-feira, materializou esta ideia com um veto político.

“Eu concordo plenamente com o facto de se levantar o sigilo bancário em alguns desses casos (…) Aliás, eu sou muito liberal em matéria de segredo bancário.”
Marcelo Rebelo de Sousa proferiu a frase no dia 4 de outubro de 2010, no comentário da TVI. Era a propósito das novas regras para beneficiários das prestações sociais, criadas pelo Governo de Sócrates, que implicavam que os candidatos abdicassem, de forma voluntária, do sigilo bancário

Teses

Muitos anteciparam os problemas que traria a herança (de opiniões) do comentador Marcelo para o seu mandato em Belém. Na questão do sigilo bancário pode voltar a estar refém (ou não) do que tinha dito no passado sobre o assunto, no seu espaço de comentário semanal na TVI.

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No verão de 2010, o governo de José Sócrates aprovou novas regras para beneficiários das prestações sociais, que implicavam que os candidatos abdicassem, de forma voluntária, do sigilo bancário. Na sequência dessa medida, a 4 de outubro desse ano, Marcelo disse no seu programa que “o Governo abriu o acesso aos beneficiários de prestações sociais sem pedir licença e não deve vigarizar, não deve dizer que não tem a ver com o segredo bancário. Porque tem!”. Ora, a opinião pessoal de Marcelo viria no meio desta crítica ao governo socialista: “Eu concordo plenamente com o facto de se levantar o sigilo bancário em alguns desses casos (…)”. E ainda foi mais taxativo: “Aliás, eu sou muito liberal em matéria de segredo bancário.

Em novembro de 2014, a propósito do caso Tecnoforma, na sequência do qual se descobriria que Passos Coelho tinha dívidas à Segurança Social, voltou a falar sobre o assunto. Questionado sobre se abriria as suas contas na mesma situação do anterior primeiro-ministro, Marcelo atirou: “Eu abriria imediatamente [o acesso às contas bancárias].”

Já a 25 de agosto, Marcelo disse que a ideia de levantar o sigilo bancário “não teria acolhimento algum”. Esta sexta-feira avançou com o veto ao diploma Marcelo, ao considerar que esta alteração na lei seria de uma “patente inoportunidade política“, devido ao sensível processo de consolidação da banca portuguesa, à necessidade de não abalar a confiança de depositantes e investidores e, no fundo, a um excesso de zelo que iria impor.

Marcelo acusou o Governo de ir além do que exigem as diretivas comunitárias. Isto porque o alargamento desta alteração na lei “a portugueses ou outros residentes, incluindo sem qualquer atividade fiscal ou bancária fora de Portugal (…) não era imposto por nenhum compromisso externo”, escreveu na nota que acompanhou o veto.

Segundo o veto do Presidente da República, a lei “não exige, para sua aplicação, qualquer invocação, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente, de indício de prática de crime fiscal, omissão ou inveracidade ao Fisco ou acréscimo não justificado de património.

O Bloco de Esquerda não resistiu mesmo a dizer que Marcelo Rebelo de Sousa que “não fez uso dos seus poderes de Presidente“. O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, considerou “incompreensível” que o chefe de Estado “tenha vetado a lei não por problemas jurídicos, não por problemas constitucionais, mas por visão política sua.” Daí que não tenha dúvidas que este não seja um veto meramente técnico: “Este é um veto político, por divergir da necessidade que temos de levantar o sigilo bancário para garantir o combate a fraude e evasão fiscal.”

Factos

Efetivamente, como comentador Marcelo Rebelo de Sousa pronunciou-se pelo menos duas vezes a favor do levantamento do sigilo bancário, considerando-se mesmo “liberal”. Em 2010, Rebelo de Sousa foi assim mais taxativo e disse que em alguns casos concordava “plenamente” com o levantamento do sigilo bancário em alguns casos. Ou seja: para Marcelo-comentador este não seria um valor intocável.

Nesta sexta-feira o Presidente voltou a dar a entender que seria a favor de levantar este sigilo quando necessário, mas não de forma automática (para quem tem mais de 50 mil euros no banco). Isto porque estranhou que, apesar de ser muito controlador em alguns aspetos, o diploma não tenha “qualquer invocação, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente, de indício de prática de crime fiscal, omissão ou inveracidade ao Fisco ou acréscimo não justificado de património.”

Também disse que tinha ficado “apreensivo” ao saber que o Governo tinha pensado em levantar o sigilo bancário, quando ainda nem sequer se sabia (ou não era público) que era só para contas acima de 50 mil euros.

É ainda indiscutível que Marcelo, quando a questão se colocou em causa própria, se mostrou a favor do levantamento do sigilo bancário. Pelo menos do seu. Frases como “eu abriria imediatamente” ou “uma vez disse ao Expresso quanto é que tinha ganho em pareceres no ano anterior”, mostram que é descomplexado e pouco preocupado quanto… ao sigilo das suas próprias finanças pessoais.

Conclusão

Inconclusivo

Marcelo Rebelo de Sousa dá a ideia de que quando se trata de si próprio é a favor de mostrar tudo, o que também defende para outros atores políticos, caso estejam sob suspeita: sugeriu que Passos Coelho o fizesse em 2014, no auge do caso Tecnoforma. Passos recusou-se então a fazer “stripe-tease fiscal”. Há também um comentário, em 2010, em que se diz liberal em matéria de sigilo fiscal. Parece contraditório com a posição atual, e fica a impressão de que ao longo destes seis anos o comentador deu uma cambalhota. É inconclusivo, porque os pressupostos que levaram ao comentário de 2010 são diferentes dos que conduziram ao veto de 2016.

No veto desta sexta-feira dá a entender que defende o levantamento quando há suspeitas de fraude e que até pode haver falhas na lei nesse ponto de vista. Por outro lado, mostra-se com as maiores reservas quando se trata de aceder às contas de forma automática e acima de 50 mil euros. A suspeição incomoda-o, bem como aprovar legislação deste género neste momento, em que é preciso evitar fuga de capitais. Ou seja: Marcelo é a favor do levantamento do sigilo bancário quando é (mesmo) justificado e não de forma automática.