O acordo entre a Câmara do Porto e a Selminho, imobiliária da família de Rui Moreira, foi negociado por representantes diretos do presidente da Câmara do Porto, que acordaram o esboço mais tarde assinado pelos procuradores de Guilhermina Rego.

No âmbito deste processo judicial que a Lusa consultou, numa audiência prévia realizada a 10 de janeiro de 2014, cerca de seis meses antes de a vice-presidente, Guilhermina Rego, passar uma procuração a advogados para a representar na assinatura do acordo, uma outra procuração, assinada por Rui Moreira, atribuía os mesmos poderes de representação a juristas do município.

Com base nesta procuração assinada por Rui Moreira e datada de 28 de novembro de 2013, os advogados do município e a Selminho aceitaram, naquela audiência, o esboço do que mais tarde Guilhermina Rego iria acordar com a empresa.

Em resposta à Lusa, o gabinete de comunicação da autarquia garante que Rui Moreira “não teve qualquer intervenção direta ou indireta nesta transação, nem no processo negocial que a antecedeu”.

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De acordo com a ata da audiência de 10 de janeiro, os “mandatários das partes avançaram a possibilidade de conseguirem um acordo designadamente pela assunção pela parte do réu [Câmara do Porto] do compromisso de aquando da próxima revisão do PDM em 2016, adotar uma redação que contemple a pretensão da aqui autora [Selminho]”.

“Inclusivamente tal possível solução colocou-se com maior premência na sequência da última alteração do PDM em 2011, (que findou em 2012), na sequência da qual se sedimentou o entendimento de que a pretensão da autora não sendo enquadrável no âmbito de uma mera alteração poderia sê-lo no âmbito de uma revisão”, lê-se ainda na ata.

A autarquia salienta na sua resposta que “nenhum dos poderes conferidos por esta procuração [assinada por Rui Moreira] foi exercido pelo advogado da câmara, visto que não houve confissão, desistência ou transação no processo no decurso daquela diligência processual”.

“Como decorre da respetiva ata dessa audiência (…), os mandatários das partes apenas solicitaram ao juiz a suspensão da instância com vista a aferir da possibilidade de se conseguir um acordo, precisamente em termos idênticos aos que vinham já sendo discutidos entre as partes, desde 2011”, acrescenta o município.

A Câmara sublinha ainda que “o acordo não começou” a ser desenhado/definido naquela audiência prévia, mas sim “dois anos antes”, ainda durante o mandato do social-democrata Rui Rio, em 2011, data desde a qual se “discutia entre as partes uma possível resolução consensual do litígio, designadamente em termos até mais perentórios do que aqueles que acabaram por constar” do acordo firmado em 2014, “onde não ficou sequer reconhecido qualquer direito da autora sobre o município”.

Em 2011, de acordo com o processo, a Selminho indicou ao juiz que, “à margem dos autos”, vislumbrava-se a possibilidade de chegar a acordo com a autarquia e por duas vezes pediu a suspensão da ação por se manterem negociações, pretensão que foi concedida pelo juiz.

Não tendo porém sido alcançado um acordo, porque a Câmara não acedeu à pretensão da imobiliária, em setembro de 2012 a Selminho pede ao juiz a continuação da ação.

Na mesma audiência de janeiro de 2014, ficou decidida uma alteração dos quesitos, por exigência da Selminho e concordância tácita da autarquia, que, segundo a ata, disse nada ter a opor. Essa alteração incluiu nos quesitos a frase “é possível construir um edifício no terreno da autora em condições de segurança”.

O nome da vice-presidente da Câmara, Guilhermina Rego, aparece numa procuração datada de 18 de julho de 2014, na qual concede a advogados e a um solicitador “poderes especiais para confessar, desistir ou transigir” no âmbito do processo.

Esta procuração surge em tribunal no dia 11 de agosto de 2014, aquando a “transação judicial” (acordo), bem como uma declaração em que Rui Moreira diz-se “impedido de intervir no processo” ao abrigo do Estatuto dos Eleitos Locais.

“Quando em julho de 2014 foi necessário outorgar a transação, acrescenta a Câmara, “Rui Moreira declarou-se expressamente impedido de intervir no processo, pelo que a procuração que, agora sim, permitiu ao advogado da Câmara representá-la na ação, foi subscrita pela vice-presidente, Guilhermina Rego”.

Esse acordo estabelecido entre a autarquia e a Selminho, no verão de 2014, sem ter alguma vez ido a reunião de câmara, foi questionado em julho deste ano pelo vereador da CDU, Pedro Carvalho, que criticou o facto de terem sido dadas à empresa “garantias que não tinha” e de nunca ter sido “submetido à apreciação do executivo”.

No acordo, que foi homologado por sentença em setembro de 2014, a autarquia compromete-se a, no processo de revisão do PDM (que está em curso), “diligenciar pela alteração da qualificação do solo do terreno (…)” de modo a “garantir um nível de edificabilidade equivalente ao que detinha antes da entrada em vigor do PDM [de 2006]”.

E “caso a revisão do PDM não garanta” essa alteração que permite devolver capacidade construtiva ao terreno, as partes “comprometem-se a dirimir o litígio pendente, com vista ao apuramento da existência de um eventual direito a indemnização através de um tribunal arbitral a constituir para o efeito”.

Nesta ação judicial, que entrou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em dezembro de 2010, e cuja contestação pela autarquia foi “desentranhada” por ter entrado fora do prazo legal, a Selminho pedia a impugnação dos artigos 41.º e 42.º do PDM (em vigor desde fevereiro de 2006), alegando que as duas normas eram “ostensivamente ilegais” quanto ao seu terreno, adquirido para construção em 2001, na Calçada da Arrábida, junto à via panorâmica Edgar Cardoso, por impossibilitar construir no local.

De acordo com informação da Conservatória do Registo Comercial do Porto, obtida em junho, a Selminho Imobiliária, SA, tem como sócios uma familiar direta de Rui Moreira e a MORIMOR – SGPS, sociedade anónima com sede no concelho de Santa Maria da Feira, cujo conselho de administração é composto por três outros familiares diretos de Rui Moreira.