Sentir nostalgia de um tempo que ainda é deve ser um sentimento bonito. Cristiano Ronaldo ainda joga por nós e desfaz as defesas dos ‘outros’, ainda não pensa arrumar as botas, mas já dá um aperto só de imaginar a ausência. E nada tem a ver com desconfiança com os tempos que aí vêm, que há muitos garotos prontos. O capitão marcou quatro golos esta noite vs. Andorra (6-0), na segunda jornada da qualificação para o Campeonato do Mundo de 2018. Ah, e “sacou” dois vermelhos.

A última vez que sentimos nostalgia precoce e aperto foi em Paris, quando Ronaldo caiu, com dores, impotente, triste, destruído. Derrotado como nunca. O país inteiro chorou as lágrimas dele. Era a final do Campeonato da Europa de França contra os franceses. O ás de trunfo estava fora e a equipa agigantou-se ainda mais, acabando por vencer com golo de Eder. Três meses depois o capitão voltou e festejou um poker, o primeiro com a camisola das quinas (igualando a façanha dos senhores em baixo).

Fernando Santos escolheu Rui Patrício, João Cancelo, José Fonte, Pepe, Raphael Guerreiro, Moutinho, Bernardo Silva, André Gomes, Ricardo Quaresma, Ronaldo e André Silva para atacar a frágil Andorra. Ainda estava o Observador a tentar decifrar se Fernando Santos escolhera ou não o famoso losango, quando Ronaldo abriu a torneira. Foi logo aos dois minutos, depois de um canto. Ronaldo ganhou a sobra e bateu lá para dentro, 1-0. Dois minutos depois repetiu a brincadeira: Quaresma cruzou, Ronaldo meteu-a lá dentro, 2-0. É o bis mais rápido da história num jogo de qualificação e, naturalmente, é a primeira vez que o avançado do Real Madrid marca dois golos tão rápido. Bom, que entrada…

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A facilidade e a descontração acabariam por invadir a alma dos jogadores. Apesar disso, podia ver-se muitas movimentações interessantes nesta espécie de 4-4-2 clássico (eureka!, acho que decifrámos o esquema), com Cancelo e Guerreiro a aparecerem na frente com frequência. Isso fazia com que Quaresma e Bernardo Silva procurassem os espaços interiores. Era um caos organizado, com posições e espaços por ocupar, independentemente dos jogadores.

Portugal's forward Cristiano Ronaldo (C) celebrates with his teammates after scoring a goal during the WC 2018 football qualification match between Portugal and Andorra at the Municipal de Arouca stadium in Aveiro on October 7, 2016. / AFP / PATRICIA DE MELO MOREIRA (Photo credit should read PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

(PATRICIA DE MELO MOREIRA (Photo credit should read PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

Após o 2-0, viu-se apenas um remate nos 20 minutos seguintes. Portugal abrandou muito, mas as oportunidades continuaram a bater à porta. Fonte, Ronaldo, André Silva (à trave) e Quaresma fizeram Josep Gomes, o guarda-redes de Andorra, suar. Enquanto o inevitável terceiro golo não chegava, ouvia-se no estádio “campeões, campeões, nós somos campeões…”. Quem diria, hein? Ainda parece mentira.

O terceiro golo chegou antes do intervalo. Bernardo Silva pegou na bola na direita e esperou. Olhou para o relógio, olhou à volta, estava na maior com aquele pé esquerdo que deixaria descansado o mais nervoso dos homens. O médio do Mónaco esperava Cancelo, que lá surgiu pela direita, qual TGV. O lateral do Valencia pegou na bola, passou a 300 por um defesa e cruzou ou rematou. Não interessa, 3-0. Intervalo em Aveiro.

Bastaram dois minutos no segundo tempo para Ronaldo fechar o hat-trick, o quarto com a camisola das quintas. André Gomes assistiu. Vinte minutos depois, o capitão inventou o poker, o termo em futebolês para quatro golos. Desta vez foi Fonte quem assistiu. Estava muuuuito fácil e a Andorra já estava com dez jogadores em campo — ficaria com nove pouco depois. Ambos os vermelhos foram ‘sacados’ por Ronaldo, sendo que um deles fez lembrar a entrada de Payet na final do Euro-2016.

O sexto golo chegaria a tempo e logo para um rapaz que merecia. André Silva tentou durante o jogo todo, na sombra do monstro com quem dividia o ataque, mas não atirou a toalha ao chão. Continuou a pedalar, com tino e qualidade, e foi recompensado. O avançado marcou de recarga depois de um livre saído da trivela de Quaresma, 6-0.

Ponto final nestas andanças, que se traduziram na primeira vitória na fase de qualificação rumo ao Rússia-2018 — Portugal perdeu na jornada inaugural com a Suíça (0-2). Uma senhora nota de destaque para a entrada de Gelson Martins. O extremo do Sporting estreou-se pela seleção nacional, mostrando muita ousadia e pouca vergonha ali pelo lado direito. Nos momentos finais ficou ainda a ideia esquisita de que Ronaldo não queria marcar o quinto golo. O número 7 ficou muitas vezes fora da área e longe de tudo. No fim explicaria que estava tocado, mas isso não é desculpa para ele. Fica o mistério…

E agora? Agora, isto: