A associação que representa os lesados do BES pediu estudos comparativos a universidades para calcular o impacto no défice do próximo ano do mecanismo que permitirá compensar parcialmente os 2.000 clientes que investiram em papel comercial.

Segundo várias fontes contactadas pela Lusa, as entidades que integram o grupo de trabalho criado para compensar os lesados pelo papel comercial do Grupo Espírito Santo (GES) – Governo, Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Banco Espírito Santo e Associação de Indignados e Enganados do Papel Comercial – acreditam que não terá qualquer efeito negativo nas contas públicas a solução que permitirá devolver parte dos 430 milhões de euros investidos naqueles títulos de dívida que foram vendidos aos balcões do BES poucos meses antes do colapso do grupo.

No entanto, face às dúvidas que poderão surgir, nomeadamente da parte de Bruxelas, foram pedidos pareceres a gabinetes de estudos de três universidades públicas – Universidade Nova, Universidade Católica e Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG).

Os gabinetes de estudos estão agora a aceder à informação disponível para fazerem um orçamento e mais tarde será escolhida a universidade que desenvolverá o trabalho.

O estudo visa saber se a forma de compensar os lesados cumpre a condição definida pelo Ministério das Finanças em agosto: “uma solução que não tenha impacto no défice”. Ou se, caso tenha, os encargos seriam maiores no futuro se não houver agora qualquer acordo.

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A solução passa pela criação de um fundo de indemnização que irá adiantar a cada cliente parte do dinheiro perdido, ficando em troca com os direitos judiciais dos processos colocados contra o Grupo Espírito Santo e seus administradores.

Será depois esse veículo que irá continuar com a litigância na Justiça e receber eventuais compensações decididas pelos tribunais.

Quanto aos montantes em causa, é sabido que os lesados não receberão o total investido, sendo que o teto da indemnização será de 75% do montante aplicado num máximo de 250 mil euros. O valor será reembolsado por aplicação e não por cliente (há aplicações que têm mais do que um titular).

Em termos agregados, estima-se que do total dos 430 milhões de euros colocados em papel comercial das empresas Espírito Santo International e Rioforte os clientes venham a recuperar entre 250 e 260 milhões de euros.

O momento em que os lesados irão reaver o dinheiro ainda está em debate, havendo a dúvida sobre se os pagamentos serão faseados ou feitos de uma só vez.

Um dos cenários passa por, já em janeiro, o fundo de indemnizações pagar a cada lesado 25% do montante em causa, num total que deverá ascender a cerca de 130 milhões de euros. Esta percentagem é semelhante à calculada pela Deloitte no relatório em que concluiu que os credores comuns do BES recuperariam 31,7% dos seus créditos caso o banco tivesse ido para liquidação em vez de resolução.

No entanto, uma vez que o novo fundo de indemnizações não tem capital para pagar aos lesados, a hipótese avançada tem sido a de haver um empréstimo do fundo de garantia depósitos. Pela legislação europeia, os fundos de garantia têm de assegurar no mínimo 0,8% dos depósitos garantidos e o português tinha um rácio de 1,3% no final de 2014, pelo que há um excedente que poderá vir a ser mexido.

Esta solução prevê ainda que o restante dinheiro seja devolvido num período até cinco anos, ficando cada lesado com uma garantia. Caso não seja pago o valor até ao fim desse prazo, cada cliente pode acionar essa garantia e receber o valor em causa.

Há ainda outro cenário em cima da mesa, que passa por pagar já em 2017 todas as indemnizações, no total de 250 a 260 milhões de euros, mas para isso o fundo teria de se financiar nos bancos, o que poderia implicar uma garantia pública.

Em função disto, o objetivo do estudo que foi pedido às universidades é perceber se as entidades estatísticas poderiam considerar que estas soluções teriam impacto no défice de 2017 e – se sim – qual.

Em caso positivo, será estudado se esse impacto é maior ou menor do que se não houvesse qualquer acordo com os cerca de 2.000 clientes lesados, ou seja, se esse impacto é aceitável porque impede maiores encargos para o Estado no futuro.

A questão é que, caso a solução negociada para compensar os lesados avance, os clientes que queiram aderir têm de retirar os processos judiciais interpostos contra o Banco de Portugal, o Fundo de Resolução ou o Novo Banco, evitando que no futuro estes tenham de pagar indemnizações caso percam as ações em tribunal.

Além do impacto a mais longo prazo, processos colocados contra o Fundo de Resolução e mesmo contra o Ministério das Finanças podem obrigar desde já à constituição de provisões por estes organismos, com impacto nas finanças públicas.

O problema dos 2.000 clientes de retalho que perderam 432 milhões de euros investidos em papel comercial das empresas Espírito Santo International e Rioforte deixou de ser apenas um processo financeiro e judicial para ganhar uma importante dimensão política.

No início de 2014, quando se começou a perceber a dimensão da falsificação de contas no BES/GES, o Banco de Portugal obrigou à constituição de uma provisão de 600 milhões de euros para reembolsar os clientes do papel comercial.

No entanto, essa provisão nunca chegou a cumprir a sua função. Com a resolução do banco, em agosto de 2014, e posterior falência do grupo, houve um debate entre o Banco de Portugal e a CMVM sobre se o Novo Banco deveria ou não reembolsar os detentores destes títulos de dívida.

De um lado, o banco central defendia que o Novo Banco só podia avançar com uma solução se não afetasse o seu equilíbrio financeiro, enquanto a CMVM elaborou um parecer jurídico a atribuir a responsabilidade do reembolso ao Novo Banco.

No início deste ano, o primeiro-ministro empenhou-se pessoalmente no dossiê, por considerar que a resolução deste problema é fundamental para a estabilidade do sistema financeiro, tendo colocado o advogado Diogo Lacerda Machado como mediador em nome do Governo.

O Governo deverá inscrever no Orçamento do Estado para 2017 um défice abaixo dos 2% do PIB.