Depois dos cacos vieram as cinzas, mas o segundo dia da 47ª edição da ModaLisboa acabou de pé. Uma sala cheia no Pátio da Galé levantou-se para aplaudir Dino Alves, responsável por fechar os desfiles deste sábado depois de Nuno Gama ter dado o pontapé de saída em Belém, partindo pratos contra a calçada. Dino Alves não queimou roupas, mas quase: quis deixar um aviso e por isso a sua coleção — “Warning” — foi antes de mais “uma história”. O início? Pássaros a chilrear, tules a fazer lembrar flores, mangas em balão, muitos amarelos, azuis e corais, muita exuberância. O fim: vestidos pretos, cobertos de cinzas, poucos ornamentos e sirenes a tocar. Um retrato do país que ardeu ainda nem há um mês, feito moda.
Entre a “metáfora do que está a acontecer ao planeta” de Dino Alves e o estilhaçar de estereótipos de Nuno Gama, houve desfiles coletivos, vanguardismo, um regresso aos anos 90 (com direito a bolsinhas de cintura) e um passeio pela praia.
Dino Alves começou o desfile com coordenados a remeterem para o sol, o mar e as flores. (Foto: Rui Vasco/ModaLisboa)
De Belém para o número 31 da Praça do Município, a tarde começou com jovens designers na plataforma LAB: primeiro David Ferreira, com uma coleção “inspirada na opressão sobre as mulheres e na sua sexualidade ao longo da História” onde desfilaram vestidos decotados, espartilhos e alguns metalizados, depois os AwaytoMars, coletivo onde qualquer um pode participar, propondo ideias no site da marca, mas que tem encontrado uma voz coerente nos detalhes de camisaria e nos cortes simples e desportivos — silhuetas que na próxima primavera estarão pintadas de prateado e com padrões a fazer lembrar salpicos de tintas, salpicos esses que chegaram à cara das modelos, em maquilhagem.
Foi precisamente pela maquilhagem que começou Valentim Quaresma, o senhor que se seguiu na passerelle principal do Pátio da Galé e que nesta estação, ao invés de um tema específico, quis dar a si próprio “liberdade para criar”, como confessou ao Observador nos bastidores. “Quando estamos a desenhar uma coleção começamos de uma forma um pouco académica, com um moodboard, a pensar em tendências e a escolher os materiais, mas aqui foi exatamente o contrário. Comecei pela última coisa que geralmente planeio: a maquilhagem.”
Não é por isso de estranhar que a sua joalharia de autor tenha surgido na passerelle com a forma de enormes pinceladas de tinta de diversas cores, do branco ao azul-elétrico, e que Valentim Quaresma tenha dado mais um passo na fusão dos acessórios com a roupa, criando por exemplo coletes de ganga com tiras de cabedal e correntes, a fazer lembrar armaduras.
A joalharia corporal de Valentim Quaresma tomou, desta vez, a forma de pinceladas de tinta. (Foto: Rui Vasco/ModaLisboa)
O horário nobre veio às oito da noite, a julgar pela enchente da sala. Com convidadas como Vanessa Martins, Liliana Santos, Sara Salgado e Iva Lamarão, a Cia Marítima provou que a roupa de praia pode ser não só variada mas também sofisticada, num desfile onde parte da assistência não teve outro remédio se não assistir de pé.
Depois do étnico-chique de Christophe Sauvat, “o francês que veste o mundo a partir da Comporta” e quer vestir a próxima primavera inspirando-se em três cidades à beira-mar (La Palmeraie, Arequipa e Capri), foi a vez de a Saymyname de Catarina Sequeira voltar aos anos 90 com “Kiss Me Like You Miss Me”. Inspirada no streetwear da década e na sua própria experiência a trabalhar para a marca francesa Lady Soul nessa altura, a designer desenhou “para uma geração mais jovem” e apresentou “miúdas do bairro que sabem muito bem o que se está a usar, têm imensa atitude e conhecem as tendências, só se perdem com os rapazes”. A revisitação fez-se com peças oversized, chapéus de lona e até golas a imitar bandanas, não esquecendo o título da coleção num trio de t-shirts estampadas com as frases “kiss me” e “miss me”.
As miúdas com atitude de Saymyname usam chapéus de lona e peúgas bem esticadas. (Foto: Rui Vasco/ModaLisboa)
Antes de poder deixar saudades, a 47ª edição da ModaLisboa encerra domingo com os desfiles de Filipe Faísca, Lidija Kolovrat e Luís Carvalho, entre outros.
