A família Mustafa decidiu deixar a Síria e fugir para a Alemanha. Meteram-se num bote e foi a adolescente Nujeen, de 16 anos, que tratou das “negociações”, porque aprendera inglês pela televisão. Nujeen tem paralisia cerebral e anda de cadeira de rodas. A irmã, Nasrine, empurrou-a pela Europa.

O programa Brain Games, do canal National Geographic, recomenda a utilização do colete salva-vidas e respirar profundamente. Alguns vídeos, procurados à pressa no Youtube, ensinaram o tio Ahmed a conduzir um bote. E foi assim que a família partiu de Alepo em direção à Alemanha, o destino favorito dos refugiados.

Nenhum deles sabia nadar. E a cadeira de rodas de Nujeen é pesada… E se fosse uma carga excessiva para o pequeno bote? A jovem tinha medo, mas estava excitadíssima.

Na minha cadeira, mais alta do que os outros, sentia-me como o Poseidon, o deus do mar”, escreveu a adolescente Nujeen Mustafa a descrever a sua extraordinária viagem desde a Síria até à Alemanha.

A chegar a Lesbos, Grécia, um fotojornalista espanhol gritou de terra: “Alguém fala inglês?”. Sim, Nujeen sabia inglês. Tinha aprendido durante longas horas em frente à televisão. “Eu!”, exclamou. A partir desse momento, a adolescente tornou-se a tradutora indispensável da sua família, enquanto seguiam para norte. “Estava feliz por ser útil, pude praticar o inglês que tinha aprendido nos últimos três anos”, explica a jovem curda ao El País.

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Se tivessem um passaporte e um visto — missão impossível para os sírios — teriam conseguido chegar à Grécia em meia hora por dez euros. O bote custou 1.300 euros por pessoa. A irmã Nasrine, estudante de física, de 27 anos, empurrou Nujeen, na sua cadeira de rodas, através da Grécia, Macedónia, Sérvia, Croácia, Eslovénia, Áustria e Alemanha.

https://www.youtube.com/watch?v=fill4dm_ik4

Eu pensava ‘esta é uma vez na vida’, tenho de desfrutar”, conta a adolescente sobre aqueles 40 dias extenuantes que se tornaram uma grande aventura.

Nujeen Mustafa só descobriu o “mundo real” após a travessia. Pela primeira vez na sua vida andou de avião, apanhou um comboio, separou-se dos pais, dormiu num hotel e viu o mar, o Mediterrâneo. A mais nova de nove irmãos, que cresceu num quinto piso em Alepo, sem ir à escola, sem amigos e ‘colada’ à televisão, estava a viver a aventura da sua vida.

Mas “julgava que na Europa os deficientes de 15 anos eram pessoas normais“. Houve momentos difíceis, admite. “Na Eslovénia bloquearam-nos. Foi o único momento em que chorei”.

As irmãs Mustafa percorreram mais de 5.600 quilómetros para fugir da guerra e puder levar uma vida normal na Alemanha. “Nada é como antes, é bastante emocionante”, disse Nujeen que pela primeira vez na sua vida vai à escola.

Gosto da rotina, de fazer os trabalhos de casa, de aprender alemão… Mas fazer tudo isso num país estrangeiro é um desafio”, realça.

Nada é como era. Vive longe dos seus pais, que estão na Turquia, tem amigos, alguns reais — embora menos do que os seus professores recomendam — e centenas no Twitter e no Facebook.

Quero ser um bom modelo para os refugiados, espero que através de mim simpatizem com todos” disse a partir do apartamento que divide com Nasrine, outra irmã e quatro sobrinhas. É uma entusiasta dos programas de cultura geral e detesta notícias (“porque são todas más”). Acredita que um dia, a guerra chegará ao fim:

Tento manter a esperança, porque nada dura toda a vida, nem sequer a guerra. Um dia voltaremos à Síria.”

Até lá, tem vários planos para o futuro. “O plano A é estudar física para ser astronauta. O plano B é uma escritora profissional. Os alemães têm sempre um plano B.” Nujeen até escreveu um livro onde partilha a sua história, com a ajuda de Christina Lamb, a biógrafa de Malala, a adolescente afegã vencedora de um Nobel da Paz.

Está muito agradecida à chanceler Angela Merkel, e, claro, a Sergei Brin, fundador da Google, onde navega para acumular obsessivamente dados de todo o tipo. E, como não podia deixar de ser, à sua irmã Nasrine.

Quando me pedir algo e eu não o fizer diz-me «hey, eu empurrei-te pela Europa!» “, exclama a sorrir.