É impossível ser infeliz ao pé de uma burra. Será provavelmente este o primeiro pensamento que vem à cabeça quando se visita o Monte das Faias, no Ribatejo. O leite, de repente, nem interessa. O que interessa é que elas têm olhos meigos, são calmas e curiosas, têm um pelo espesso que as faz ser conhecidas como lanudas e — aguenta, coração — gostam de festas.

No entanto, é o leite que movimenta tudo na herdade, uma propriedade em Coruche que há oito anos foi adaptada para ver nascer a Phillippe by Almada. Um leite que pode não dar para fazer queijos ou iogurtes — não tem a gordura necessária — mas é uma das mais velhas armas da cosmética.

Simplificando um processo que implicou vários testes e teve a contribuição de técnicos e universidades, a Phillippe by Almada é a versão 2.0 dos famosos banhos em leite de burra de Cleópatra. Recolhido na quinta, o leite é armazenado a frio, liofilizado e transformado em pó, passando só aí para cremes e sabonetes. O processo permite uma concentração mais elevada da matéria-prima — conhecida por ser rica em nutrientes e oligoelementos como proteínas lácteas, vitaminas, cálcio e minerais — e, naturalmente, melhores resultados do que em processos artesanais feitos com leite em estado líquido.

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Muitas das burras são curiosas e aproximam-se dos visitantes da quinta. Aqui, mãe e filha à procura de festas e de uma guloseima. (Foto: Ana Dias Ferreira)

O ritmo, no entanto, é o mesmo de quem labuta no campo. Às seis da manhã já há trabalho para fazer e os primeiros pontos castanhos com orelhas compridas começam a espalhar-se pelo monte. Hoje em dia a propriedade tem cerca de 50 burras mirandesas, uma raça portuguesa que está em perigo de extinção. A dar leite diariamente são 28, o que faz “cerca de 600 a 700 litros por mês”, diz Miguel Ferreira Carvalho, agrónomo e um dos três homens à frente da marca. Mas não se tira tudo.

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“A ordenha é uma partilha”, diz o também proprietário da herdade. “Nos primeiros meses vai tudo para a cria, depois só tiramos 30 por cento em duas ordenhas diárias. Porque a prioridade é o bem estar animal, e as burras são muito inteligentes. Se a mãe não vê a cria, seca logo.”

Marisol é a mais nova e nasceu a 1 de agosto. Ainda não anda com as outras burras no campo mas também está com a mãe ao ar livre, enquanto o bom tempo o permitir. Como tem pouco mais de dois meses, o pelo comprido e castanho ainda não começou a cair. A mãe é curiosa, Marisol ainda é tímida com os visitantes. Outras burras pouco mais velhas do que ela chegam a encavalitar-se para receber festas. “São muito meigas”, diz José António. Meigas e gulosas, percebe-se quando uma engole uma fatia de pão alentejano em segundos.

Olhos azuis, pele bronzeada e chapéu na cabeça, José António é quem trata da alimentação e do maneio dos animais. Tem 60 anos, está na quinta há quatro e consegue movimentar toda a manada com um simples assobio. Todos os dias, se tiver o aval da meteorologia, leva as burras para o campo. As crias ficam na manjedoura até ao entardecer, quando o reencontro com as mães dá direito a urros e coices de alegria.

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José António na sala da ordenha mecânica. O tratador tira apenas 30% do leite. O resto vai para as crias. (Foto: Ana Dias Ferreira)

Desde a ordenha ao processo de transformação em pó, é tudo feito na herdade. O leite é recolhido numa sala própria e passa por seis postos de controle até ser embalado numa espécie de cuvete, quase como farinha. “É um leite muito líquido e doce, não tem aquela gordura da vaca”, explica Filipe Carvalho, o fundador da marca, enquanto ordenha a “Pequenina”. Foi ele que teve a ideia de lançar a Phillippe by Almada, depois de ler sobre as propriedades hidratantes e restauradoras do leite de burra na pele. E é ele que brinca: “Não podemos deixar os nossos filhos entrarem aqui. Ficávamos sem stock.”

No início, em 2008, os dois sócios começaram a desenvolver o leite de burra em pó para o vender à indústria cosmética. A tendência de apostar em ingredientes naturais estava a ganhar força mas era preciso provar que o mito de Cleópatra e de Hipócrates — diz-se que no ano 375 a.C. o pai da medicina já recomendava leite de burra para cicatrizar feridas e aliviar dores nas articulações — era verdade. Por isso criaram uma marca branca e encomendaram testes de eficácia a laboratórios independentes. Os resultados foram tão bons — “41 por cento de hidratação no sabonete, quando o líder de mercado tinha 25” — que há dois anos resolveram avançar em nome próprio.

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O sabonete da Phillippe by Almada.

Filipe ficou Phillippe, já a olhar para a internacionalização. E em pouco tempo a marca inteiramente portuguesa — das burras que dão a matéria-prima às embalagens brancas e pretas — conseguiu chegar ao outro lado do mundo. “Neste momento estamos à venda em Hong Kong, Macau e China, e temos já contactos muito avançados com a Tailândia, o Laos e Cambodja”, diz Jorge Leal Barreto, outro sócio que entrou entretanto para a empresa e não esconde que o mercado asiático é dos mais atrativos em termos de beleza. Igualmente avançadas estão as conversações com o El Corte Inglês de Espanha, país que “não tem produção de leite de burra” e se tem mostrado “muito interessado”.

Do Monte das Faias para o mundo, a Phillippe by Almada tem neste momento quatro produtos: um leite de corpo (18,90€), um creme de rosto (20,99€), um sabonete (4,98€) e também, desde setembro, um creme de mãos (8,47€). Todos eles são aromatizados com uma fragrância desenvolvida pelo perfumista português Lourenço Lucena e todos são à base de leite de burra em pó, complementado com ceras naturais, vitamina E, óleo de jojoba e manteiga de karité.

No meio de tudo isto, a inspiração de Cleópatra não foi esquecida, mas também terá direito à sua versão do século XXI: o lançamento de uns sais de banho para recriar o famoso ritual de beleza da rainha egípcia. Tudo com um pé no passado, outro no futuro, e muitas patas de burras no campo.

Nome: Phillippe by Almada
Data: 2014
Pontos de venda: Lojas Well’s e online
Preços: 4,98€ (sabonete) a 20,99€ (leite de corpo)

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