Um crítico americano escreveu que se cortássemos todas as sequências em que há pessoas a correr de um lado para o outro em “Inferno”, a terceira adaptação ao cinema de um “best-seller” de Dan Brown por Ron Howard, sobravam aí uns oito minutos de filme. Tal como “O Código Da Vinci” e “Anjos e Demónios”, “Inferno” está rigidamente formatado pelo seu autor. Robert Langdon (Tom Hanks com o piloto automático ligado) e uma companhia feminina lançam-se na decifração de um enigma com fumos de erudição clássica que os leva de local histórico-turístico em local histórico-turístico, e de obra-prima em obra-prima, em busca de pistas para a sua decifração, que ou está associada à revelação de um incrível segredo oculto da humanidade há séculos e séculos, ou a uma terrível catástrofe. Só que em “Inferno”, Langdon e a amiga andam a mata-cavalos e não param sequer para comer uma sandes ou beber um refresco, o que transforma o filme num frenético rali paper do Apocalipse.

[Veja o trailer de “Inferno”]

É que desta vez, um multimilionário obcecado com um possível desastre planetário devido ao excesso de população, concebeu uma bomba que, quando detonada, espalhará um vírus mortal que criará o inferno na Terra e aniquilará uma valente fatia dos habitantes do planeta. O que vai permitir que os sobreviventes construam a seguir um mundo melhor. Afinal, segundo ele, e numa típica supersimplificação “à la Dan Brown”, as razias causadas pela peste na Idade Média permitiram à humanidade “criar o Renascimento”. E como o multimilionário é um apreciador de Dante, além de um pedante, em vez de simplesmente fazer explodir o engenho sem mais delongas, escondeu-o num monumento de grande importância histórica, cultural e artística algures no mundo, e deixou uma série de pistas relacionadas com o poeta italiano e a sua “Divina Comédia” para quem for capaz de chegar até ele.

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[Veja a entrevista com o realizador Ron Howard]

Por isso, lá vão o professor e mestre decifrador de enigmas Langdon, desta vez a sofrer de amnésia temporária, e a bela Sienna (Felicity Jones), uma médica inglesa super-sabichona, de cambulhada pela Itália do turismo cultural tentando resolver os enigmas e ao mesmo tempo atirando ao público migalhas de “trivia” erudita de arte e literatura, para simular que estamos perante uma história de alto recorte intelectual. São perseguidos por uma caterva de gente da Organização Mundial de Saúde onde não se percebe bem quem são os maus e os bons, e por uma assassina profissional disfarçada de polícia, que trabalha para uma misteriosa organização (mais uma!) cujos escritórios “high tech” se situam num aparentemente banal cargueiro. E não falta, é claro, aquele momento do enredo em que uma personagem muito importante revela não ser quem aparenta.

[Veja a entrevista com Tom Hanks]

Realizado por Ron Howard com se estivesse a fazer tirocínio para ser Michael Bay, “Inferno” são duas alvoroçadas, entediantes, previsíveis e chapadamente inverosímeis horas de conversa de chacha criptográfico-conspiratória, lambuzada com verniz de erudição clássica (o pobre Dante é a vítima desta feita), com o alto patrocínio do turismo italiano e do turismo turco, que devem estar a esfregar as mãos de satisfação com a publicidade gratuita. Ou talvez não, porque as receitas de bilheteira de “Anjos e Demónios” foram muito menores do que as de “O Código Da Vinci”, o que prenuncia que as de “Inferno” poderão ser ainda mais reduzidas, porque os espectadores já perceberam que a receita narrativa espertalhufa e de unir os pontinhos de Dan Brown já deu o que tinha a dar da primeira vez. O filme pode chamar-se “Inferno”, mas na realidade trata-se de 120 minutos de exasperante purgatório cinematográfico.