Morreu o ex-ministro e deputado socialista José Lello. Ao longo da sua vida política não faltaram as controvérsias, as polémicas e as convicções fortes.

Ainda no domingo, Lello comentou no Twitter as declarações do comissário europeu da economia digital, Günther Oettinger, que aludiu no Parlamento português à possibilidade de um segundo resgate ao país.

Antes, na mesma rede social (que usava com grande frequência), o socialista comentara a candidatura de última hora de Kristalina Georgieva ao cargo de secretária-geral da ONU.

E não teve problemas em criticar abertamente Mariana Mortágua por anunciar impostos em nome do Governo e os camaradas de partido por a secundarem.

O ex-deputado comentou igualmente a entrevista de Catarina Martins ao jornal Público, na qual a coordenadora do Bloco de Esquerda dizia arrepender-se “todos os dias” da “geringonça”.

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As disputas com a “esquerda das grandes discursatas” e não só

Em abril deste ano, José Lello escreveu um artigo de opinião no Público a defender uma candidatura própria do PS à Câmara Municipal do Porto — enquanto outros dirigentes socialistas discutiam já um eventual apoio a Rui Moreira, que foi eleito por uma lista independente em 2013. Tiago Barbosa Ribeiro, presidente da concelhia do partido e um dos nomes socialistas mais destacados atualmente, respondeu pouco depois que os militantes “não entendem que haja pessoas do PS a fragilizar o partido com textos que escrevem na comunicação social”.

E Lello também não ficou calado, reagindo com violência no Facebook:

Um jovenzinho político do PS, um franguinho sem eira nem beira, um tal Tiago qualquer coisa Ribeiro, ataca-me hoje no Público porque, veja-se bem,”há pessoas do PS a fragilizar o partido com textos que escrevem na comunicação social”! Ou seja, os membros do PS devem andar de bico calado e aguentar a linha justa, à boa maneira estalinista! Que saudades do meu PS aberto, justo e democrático!…

Não foi, de maneira nenhuma, a primeira vez que Lello atacou abertamente os companheiros de partido. Em setembro do ano passado, pouco antes das legislativas, o ex-deputado deu uma entrevista ao jornal i na qual disparava em várias direções. Apoiante de primeira hora de Maria de Belém à Presidência da República, Lello deu a entender que não concordava que algumas pessoas do PS se estivessem a aproximar tanto de Sampaio da Nóvoa. “Por muito que custe a alguns dos meus camaradas, as eleições não se ganham na esquerda nem na esquerda festiva…”, disse, especificando:

É a que vai da esquerda-caviar à esquerda das grandes discursatas sem substância nenhuma. E alguma esquerda que tem vocação para se expor em capas de revista. Esse tipo de esquerda.

Nessa mesma entrevista, Lello admitiu sem pudor que tinha uma inimizade com Ana Gomes, que havia “gente nova” no partido de que não gostava e que o PS não devia deixar-se levar pelo “folclore” das chamadas causas fraturantes.

As divergências com Manuel Alegre

Mas as polémicas que mais marcaram a vida política de Lello são mais antigas. Durante os Governos de Sócrates, quando o socialista era deputado e membro do Secretariado Nacional do PS, manteve uma acesa disputa com Manuel Alegre, que por diversas vezes criticou a atuação do Executivo. O pico da controvérsia deu-se em 2008, quando o poeta decidiu participar no chamado Congresso das Esquerdas.

“Manuel Alegre comete a incongruência de preferir juntar-se àqueles que querem derrotar o partido. Quer o melhor de dois mundos: o benefício e a audição por ser do PS e depois quer ter uma posição fora do PS”, disse José Lello na altura, acrescentando mesmo que o histórico socialista tinha atitudes de “meias-tintas” e que se recusava a debater com os companheiros de partido.

Mas as divergências com Alegre, nesse verão, não ficaram por aí. José Lello acusou o poeta de ter “uma atitude muito diferente da postura ética com que gosta de se apresentar” e de ter “parasitado o grupo parlamentar que lhe pagou as viagens para lançar um livro nos Açores”. Manuel Alegre não se ficou: “Isso é mentira. Podia ter ido como deputado, mas como ia para lançar o livro não quis, quis que as coisas fossem claras. É isto que é verdade.”

Em 2009, Manuel Alegre disse numa entrevista ao Expresso que lançaria uma candidatura às legislativas, contra Sócrates, caso as listas independentes fossem aceites. Mais uma vez, José Lello reagiu com violência. “Esta coisa está a chegar ao limite!”, disse ao Jornal de Notícias. E acrescentou que Alegre “começa a raiar a falta de caráter”. Também dessa vez não ficou sem resposta. Alegre exigiu um pedido de desculpas ao partido e ameaçou não voltar a ser deputado.

Em 2014, José Lello anunciou no Facebook que já tinha feito as pazes com Manuel Alegre.

A defesa de Sócrates

Membro do Secretariado Nacional do PS durante os anos de liderança de José Sócrates, Lello foi sempre um dos mais próximos amigos do ex-primeiro-ministro. Além de ter assumido muitas vezes a defesa do Governo face às críticas, o ex-deputado também não abandonou o antigo governante quando este foi detido.

Em outubro do ano passado, quando Sócrates foi libertado da cadeia de Évora e passou para prisão domiciliária, José Lello disse à imprensa que tinha sido ele a dar essa notícia ao antigo primeiro-ministro. E acrescentou:

“Estou muito feliz porque depois de mais de dez meses começa a fazer-se um pouco de justiça, de cumprimento das regras mínimas de respeito do cidadão José Sócrates”

Poucos dias depois Lello assistiu com Sócrates, em casa deste, a um dos debates entre Passos Coelho e António Costa para as legislativas. E em novembro seguinte, José Lello preferiu assistir a uma conferência de Sócrates em Vila Real do que participar na reunião da Comissão Nacional do PS.

Contra o voto por correspondência

O fim dos votos por correspondência dos emigrantes foi uma das batalhas de José Lello enquanto dirigente socialista da era Sócrates. Lello desempenhou o papel de secretário de Estado das Comunidades entre 1995 e 1999 e, em maio de 2008, defendeu o fim do voto por correspondência por não ser fiável.

“Se a obrigatoriedade de voto presencial teve o apoio do PSD quando aplicado a eleições presidenciais e para o Conselho das Comunidades Portuguesas, por que razão entende agora o PSD que essa obrigatoriedade já não vale para as eleições legislativas? Entende o PSD que o voto por correspondência é tão fiável e rigoroso como o voto presencial?”, questionou então.

Para suportar a sua tese, Lello lembrou o “deficiente funcionamento de serviços de correios de países de África e da América do Sul”, que fez com que houvesse trocas de correspondência. O ex-ministro sinalizou também a “desatualização dos cadernos eleitorais” e manipulação e “suspeitas de utilização indevida”, nomeadamente no que se referia a votos de idosos.

Manuela Ferreira Leite, à data líder do PSD, não ficou contente com as palavras do socialista e acusou o Governo de apenas fazer esta proposta por ter “objetivos políticos no sentido de distorcer o resultado das eleições dos deputados da Europa e de fora da Europa na medida em que passam a ser deputados eleitos com meia dúzia de votos”.

O futebol, a outra paixão

Adepto do Boavista assumido, José Lello usava o Twitter como palco para comentários variados sobre futebol, não tivesse ele sido ministro do Desporto e da Juventude. As temáticas eram variadas, mas recentemente passavam mais pela seleção, o destino do FC Porto, os problemas do Manchester United e a boca grande de José Mourinho.

Há pouco mais de um ano, no entanto, o assunto tornou-se mais sério. Lello agitou as redes sociais quando opinou sobre a intervenção do subcomissário da PSP de Guimarães que, perante duas crianças, agrediu os seus pai e o avô, após o Vitória vs Benfica. “Tudo bem, os prejuízos causados pelos cordatos pais e avós benquistas no estádio de Guimarães foram de 100.000!”.

Essa posição levou a várias reações, algumas mais violentas que outras, mas que não ficaram sem resposta por parte do ex-governante:

Outros comentários foram mais inofensivos, embora nunca tenham deixado de ser assertivos. No dia 10 de julho, data da final do Campeonato da Europa, Lello estava online e, aquando da lesão de Cristiano Ronaldo, desabafou: “Eles tinham de o tramar: tramaram-no!” Já depois do caneco do nosso lado, o ex-deputado censurou as críticas gaulesas ao estilo de jogo da equipa de Fernando Santos: “Futebol nojento? Chauviniste”.

Pouco depois, soube-se da transferência de André Gomes para o Barcelona e José Lello não deixou escapar a oportunidade para enaltecer o clube do coração: “André Gomes no Barça! Mais um craque que emergiu da cantera do Boavista!” O médio passou nas escolas do clube entre 2009 e 2011, enquanto José Lello foi lá deputado da Assembleia Municipal entre 1976 e 1989.

José Mourinho era outro assunto em que Lello não tinha pudor em pegar. O treinador criticou a atitude e intervenção de Ronaldo na final do Europeu, ao lado de Fernando Santos, quase funcionando como adjunto, e Lello não resistiu: “O Mourinho não perderia muito se se calasse mais vezes”. Mas também encontrou espaço e tempo para elogiar o homem de Setúbal, algumas semanas depois. “Mourinho pôs o balneário em ordem, especial Pogba: 4-0 na primeira parte ao campeão Leicester”, escreveu no final de setembro.

“O Manchester de Mourinho perdeu na casa do Feyenoord, da Holanda! 2ª derrota numa semana? Mou vai nas pisadas de Van Gaal?”, desafiava, pintando um cenário dantesco para a carreira do português em Old Trafford.

O destino do FC Porto merecia também, assim como as evoluções de Benfica e Sporting, algumas palavras. O Observador deixa aqui os últimos tweets de José Lello sobre futebol, uma das suas grandes paixões, que remontam a setembro de 2016: