Ainda não foi uma descida, mas a proposta de aumento do preço da eletricidade para o próximo ano representa uma viragem na tendência dos últimos dez anos, em que as tarifas foram carregadas com uma acentuada subida dos custos no lado da produção e com o custo crescente do dívida tarifária.

Determinante para esta reviravolta foi uma medida de última hora, publicada no dia em que foi anunciada a proposta de preços para 2017 — a correção de 140 milhões de euros no duplo apoio concedido a produtores do regime especial, e que retirou às tarifas do próximo ano 70 milhões de euros.

Mas será esta viragem sustentável para lá do próximo ano? O Governo está a trabalhar em várias medidas, que passam também pelo Parlamento — há um grupo de trabalho criado entre o Partido Socialista e o Bloco de Esquerda –, com o objetivo de baixar aos custos da eletricidade, os preços finais e eliminar o défice tarifário, tornando o sistema sustentável.

Algumas destas iniciativas têm já impacto no preços fixados este ano para vigorar em 2017, assumiu o secretário de Estado da Energia, numa conversa com jornalistas. Jorge Sanches Seguro reconhece que alguns dos dossiês ainda não estavam fechados à data em que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) apresentou a proposta de tarifas para o próximo ano, esta sexta-feira, mas deixa a porta aberta a que algumas possam vir a produzir efeitos até à fixação final dos preços de 2017 que será feita a 15 de dezembro. Mas o horizonte das poupanças irá para além do próximo ano.

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“Estou convencido que vão produzir um efeito positivo nas tarifas de 2017”, afirmou nesta conversa. O governante recusa para já a avançar com estimativas de poupança, remetendo os números para o regulador, e realça que se pretende não só cortar custos, mas também tornar o sistema mais transparente e rigoroso.

Segundo um comunicado do Ministério da Economia divulgado na sexta-feira, o impacto deste novo quadro legislativo far-se-á sentir também ao nível da redução da divida tarifária que registará o maior abatimento jamais verificado, no montante de 321 milhões de euros. Ficam aqui as sete medidas que podem ter mais impacto.

Acabar com a subsidiação cruzada das renováveis

Esta será provavelmente a medida com mais impacto, pelo menos nas tarifas do próximo ano. No mesmo dia em que foi anunciada a proposta de preços para 2017, foi publicada uma portaria que determina a correção do duplo apoio concedido às centrais da produção em regime especial, onde estão incluídas as eólicas, mas também a cogeração. Estas unidades recebem já um prémio pela energia que produzem, devido à tecnologia usada, em tese mais cara do que a convencional. Esse prémio representa um sobrecusto que é suportado pelas tarifas elétricas e que por causa da expansão deste tipo de produção, tem sido um dos grandes responsáveis pelo aumento recente dos custos do sistema.

O Governo detetou entretanto que algumas destas centrais receberam cumulativamente e em simultâneo apoios públicos ao desenvolvimento das renováveis. Esses apoios em excesso vão ser corrigidos através de uma redução de recebimentos futuros. O ganho de 140 milhões é dividido por 2017 — 70 milhões de euros, e pela amortização da dívida tarifária.

Alargar ainda mais a tarifa social da eletricidade

A atribuição automática da tarifa social da eletricidade permitiu em julho passado levar o desconto para consumidores vulneráveis a 630 mil famílias. O número subiu entretanto para 690 mil e deverá ainda subir mais porque a última revisão das condições de acesso teve por base as declarações de rendimento de 2015. Este é no entanto, um processo dinâmico e revisto periodicamente, pelo que alguns contribuintes com acesso ao desconto poderão ser substituídos por outros. O governo definiu para 2017, um desconto da tarifa social de 33,8% face às tarifas normais. Esta diferença é suportada pelas elétricas.

Rever o mecanismo de garantia de potência

Este é um subsídio pago às centrais elétricas que tem como finalidade assegurar que estão disponíveis para entrar em produção, caso sejam necessárias, assegurando uma remuneração mínima às unidades, mesmo quando não estão a operar. De acordo com uma auditoria da ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), a garantia de potência custa em média às tarifas de energia 33 milhões de euros por ano. Para 2017, os custos devem atingir os 40 milhões de euros. O governo quer baixar este encargo pela introdução de um mecanismo de mercado e concorrência. O objetivo é que a garantia de potência seja atribuída através de leilão, mas primeiro é preciso assegurar que as regras estão equilibradas com o sistema espanhol, de forma a evitar uma assimetria de condições que penalize as centrais portuguesas.

Pôr o regime de interruptibilidade a funcionar

O palavrão é usado para designar um serviço que o sistema elétrico contrata com os grandes clientes de eletricidade, quase todos indústrias e que permite realizar microcortes no fornecimento de energia a estas empresas. Estes cortes visam responder a necessidades pontuais do sistema, dispensando a ativação de uma central térmica que tem custos mais elevados. Em troca, as empresas beneficiam de descontos significativos na conta de energia.

No ano passado, estes subsídios custaram cerca de 110 milhões de euros e beneficiaram 50 empresas. O problema é que sistema não beneficiou da interruptibilidade, porque o operador da rede, a REN nunca ativou estes cortes no fornecimento. E a situação acontece desde pelo menos 2011. Segundo os relatório da REN, nos últimos cinco anos saíram cerca de 500 milhões de euros das tarifas, ou seja, dos bolsos dos consumidores de energia, para financiar este mecanismo que só tem beneficiado as empresas.

O Governo quer agora assegurar que o desconto tarifário concedido às empresas representa de facto um benefício para o sistema e não apenas um custo. “Queremos por o sistema funcionar”, sublinhou Jorge Sanches Seguro num encontro com jornalistas. Em vez de uma autorização administrativa, pretende introduzir também um regime competitivo de leilão, à semelhança do que é praticado em Espanha. O secretário de Estado da Energia admite que este novo regime pode vir a ter impacto positivo ainda nas tarifas de 2017, mas não arrisca quantificar impactos.

Os 50 milhões que ficaram retidos no Estado

Quando a contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE) foi criada, em 2014, estava previsto na lei que um terço da receita seria usada para abater ao défice tarifário. Com base uma estimativa de cobrança anual de 150 milhões de euros, a ERSE contabilizou um recebimento de 50 milhões de euros quando elaborou as tarifas de 2015, o que permitiu aliviar os preços daquele ano. Mas este benefício implicava que o cheque de 50 milhões de euros tivesse sido entregue à REN (Redes Energéticas Nacionais) até ao final do ano passado. O que não aconteceu. Atrasos do anterior governo, transição política e a tradicional inércia das Finanças em todos os governos quando se trata de transferir dinheiro, são razões plausíveis para o esquecimento que pode custar caro aos clientes de eletricidade.

Até ao início desta semana, o pagamento relativo a 2015 não tinha chegado, pelo que a ERSE tem de reconhecer essa falta como um ajustamento a repercutir nas tarifas de 2017, porque dois anos é o prazo para realizar os ajustamentos tarifários. As estimativas apontam para um aumento de 0,8% nos preços por causa deste ajustamento.

Já foi entretanto desbloqueada a transferência da receita da CES para o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético, revelou o secretário de Estado da Energia. “O dinheiro da cobrança da CES já começou a chegar”, disse Jorge Sanches Seguro sem avançar quanto. Mas o dinheiro que está a chegar resulta da CES cobrada em 2016, sendo que a maior liquidação só é feita no final do ano. E as transferências em falta de 2014 e 2015?

A posição do atual Governo é que essa era uma responsabilidade do anterior Executivo que não fez as transferências previstas na lei. Tudo indica que os 100 milhões de euros contabilizados nas tarifas de 2015 e 2016 não vão ter o destino previsto e que a REN terá de ser compensada por isso, à custa do preço da eletricidade. A primeira fatia chega em 2017, relativa a 2014 e que devia ter sido paga até ao final de 2015, e a segunda chegará em 2018, relativa a 2015 que deveria ser paga até final de 2016.

Será possível transferir a receita que começou a ser recebida para tapar o buraco de 50 milhões nas tarifas de 2017, mas isso exige uma decisão política e é certo que o dinheiro recebido não será suficiente, porque a CES nunca rendeu o que foi previsto, em grande parte porque a Galp nunca pagou.

Baixar os juros do défice tarifário

É o mais pesado fardo nas tarifas da eletricidade. O serviço da dívida representa mais de um terço das receitas do mercado final da eletricidade — atinge quase 1.800 milhões de euros. Os juros são uma parte relevante deste encargo — em 2016 ascenderam a 188 milhões de euros, em 2017 baixaram para 143 milhões de euros. O governo lançou um grupo de trabalho para estudar formas de aliviar o peso dos juros pagos pelos consumidores nas tarifas finais. E já anunciou a redução da taxa de juro a aplicar nos próximos cinco anos ao défice que vai começar a ser pago em 2017. A poupança acumulada será de 20 milhões de euros. Estão a ser estudadas outras medidas para baixar estes custos.

Acerto de contas com a EDP

A proposta de Orçamento do Estado para 2017 prevê que seja efetuado o ajustamento final dos custos para a manutenção do equilíbrio contratual (CMEC). Estes contratos protegem as principais centrais da EDP do risco de mercado, assegurando uma remuneração garantida por via das tarifas, caso os preços não permitam atingir os patamares contratados. Os CMEC têm sido apontados como uma das grandes “rendas excessivas” do setor elétrico e já suscitaram queixas à Comissão Europeia e até ao Ministério Público, por causa da decisão tomada pelo governo de Sócrates de prolongar o seu prazo.

O montante do ajustamento final será apurado e fundamentado em estudo elaborado e apresentado, até ao final do primeiro trimestre de 2017, pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).