Um dia depois de ter sido conhecida a remuneração da nova administração da Caixa Geral de Depósitos — quando ficou a saber-se que o presidente vai receber cerca de 400 mil euros anuais, o dobro do que recebia o anterior –, o Parlamento votou em comissão uma proposta do PCP para limitar as remunerações dos gestores (públicos e privados) a 90% do salário do Presidente da República. Mas essa proposta apenas recebeu os votos favoráveis do PCP, BE e CDS, com o PSD a juntar-se aos socialistas para chumbar a alteração. Porquê? Porque é “demagogia fácil”, explicou o deputado social-democrata Duarte Pacheco, afirmando que o PSD vai insistir numa proposta para regressar ao modelo de limitação anterior. O CDS disse que esquerda não quis acabar com exceção de que goza a Caixa e que se limitou a “inventar desculpas”.

Mas para contar esta história é preciso recuar quase um mês, até ao dia 23 de setembro, quando PSD e CDS pediram a apreciação parlamentar do decreto do Governo para acabar com os limites para os salários dos administradores da Caixa. Nesse momento, PCP, BE e PS votaram contra, com os comunistas a apresentarem, por cima, uma nova proposta no sentido de alterar o estatuto do gestor público. Foi essa proposta dos comunistas que hoje de manhã foi a votos em sede de comissão parlamentar — e que acabou chumbada pelo pelo PS e… pelo PSD, originando uma grande confusão no Parlamento.

Porque votou o PSD ao lado do PS?

Afinal, porque é que o PSD chumbou a proposta dos comunistas inviabilizando mudanças nos salários milionários da Caixa? Ainda no rescaldo das votações na comissão, o deputado António Leitão Amaro explicou que não era “aceitável dizer-se que, por o PSD ser contra a proposta do PCP, estava a favor do que o PS defende para os administradores da Caixa”. Nem a favor do PCP nem a favor do PS, portanto.

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Em causa estava uma proposta dos comunistas que, à cabeça, dizia que os salários de todos os gestores públicos e privados deviam ser limitados a 90% do salário do Presidente da República. Mais à frente, na proposta do PCP, lia-se também a ideia de acabar com o regime de exceção de que agora gozam os gestores da Caixa. Mas o PSD, que concorda com o princípio de limitar os salários dos gestores do banco público, não concordou que esse limite fosse nivelado pelo salário do Presidente, por ser “demagógico limitar os salários dos gestores aos salários de cargos públicos que são eleitos”, e por isso chumbou. Acontece que, uma vez chumbada essa proposta, o PCP retirou todo o resto do articulado, fazendo com que caísse a proposta sobre os limites aos salários “milionários” da Caixa.

E o CDS, que votou ao lado do BE e do PCP, porque ficou indignado?

O CDS ficou incrédulo, acusando a esquerda de ter feito uma manobra de diversão para que tudo ficasse na mesma e não causasse “embaraço” ao Governo. É que, se não se aprovasse nada, ficava tudo na mesma, em favor do regime aprovado pelo Governo. “É uma pena e uma oportunidade perdida para que os gestores da Caixa voltassem a ter regras e limites nas suas remunerações”, disse a deputada Cecília Meireles no final da reunião da Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças, onde foi feita a votação. Ao Observador, Cecília Meireles adiantou ainda que, na votação desta manhã, o CDS ainda propôs que ao menos se votasse a revogação do regime de exceção de que goza a Caixa, mas “não houve consenso sequer para votar”. Segundo a deputada conservadora, “para PCP e BE ou era tudo ou nada, e por isso não se fez nada”.

O PSD avançou então que iria apresentar até ao final da semana uma proposta para acabar com a exceção existente atualmente para os administradores da Caixa. Ou seja, o PSD quer voltar ao regime antigo, que vigorava no anterior Governo, e que limitava o salário do novo presidente à média de salários praticada nos últimos três anos na profissão que desempenhava até aqui. “Era uma regra sã e era essa que gostaríamos que estivesse em vigor”, disse Duarte Pacheco.

Ou seja, nada feito, tudo na mesma. E os gestores do banco público continuam com os salários estipulados em função do mercado sem quaisquer tetos salariais.

BE diz que “assunto não fica encerrado”. E agora?

Ao final da tarde, no debate que decorreu no plenário com a presença do primeiro-ministro, o tema voltou à baila com os partidos da esquerda a baterem o pé e a dizerem a António Costa que eram contra os “salários milionários” na Caixa e que o assunto não morria aqui. Isto depois de, horas antes, não terem querido votar a revogação do regime em vigor sob pena de regressarem ao regime antigo (defendido pelo PSD).

O salário milionário dos administradores é pura e simplesmente inaceitável e este não é um assunto encerrado”, garantiu Catarina Martins perante o primeiro-ministro.

A coordenadora do Boco deixou claro ao primeiro-ministro que, nesta matéria, o Governo tem “a integral oposição” do Bloco de Esquerda. António Costa deixaria Catarina Martins sem resposta, mas já no final do debate parlamentar o deputado socialista João Paulo Correia viria a defender a posição do Governo, alegando que o novo modelo de vencimentos faz com que o presidente da Caixa tenha agora um salário mais em linha com os ordenados dos presidentes do Novo Banco, BPI e BCP. Para o PS, mesmo que com este modelo de vencimentos a equipa de gestão da Caixa venha a ficar mais cara, isso será dissipado pelo facto de conseguir trazer o banco público de volta aos lucros.

O tema chegou aos ouvidos do Presidente da República, que quando promulgou o decreto-lei a permitir os aumentos salariais o fez com avisos ao Governo para ter em atenção ao valor fixado. Agora, Marcelo diz que não é “desejável” a Caixa ter salários como os bancos privados têm, invocando um dos argumentos da direita: de que nos bancos privados onde houve capitalização com dinheiros públicos houve a obrigatoriedade de reduzir em 50% os salários dos administradores (como foi o caso do BPI).

No final do dia, as conclusões possíveis:

  1. Só o PS concorda com o atual modelo que deixa os gestores do banco público sem limites salariais. O argumento é que, para atrair os melhores para o Estado, é preciso nivelar os preços com o que se pratica no mercado;
  2. O PCP não concorda com o modelo do PS e apresentou uma proposta para pôr todos os gestores a ganharem o máximo de 90% do que ganha o Presidente da República;
  3. BE e CDS, com o argumento de que é melhor do que nada, votaram a favor da proposta do PCP;
  4. O PSD não concorda nem com o modelo do PS nem com o modelo do PCP, por isso votou contra a proposta dos comunistas ao lado dos socialistas. Mas também não tinha outra na manga (vai apresentá-la até ao final da semana). Por isso, o Parlamento perdeu uma oportunidade de revogar a exceção salarial de que goza a Caixa Geral de Depósitos.