Há jogos decididos por avançados, outros por defesas (uns até na própria baliza) e alguns pelos árbitros. No Porto-Sporting de 1975, a realidade é outra. Mais impensável que nunca. O clássico das Antas tem o dedo de um apanha-bolas. Está a ler bem, sim senhor. Um apanha-bolas aproveita o nevoeiro cerrado no Porto para driblar o julgamento de Alder Dante e garantir o golo de Gomes, quando o guarda-redes Damas se limitara a seguir a trajetória da bola para fora. De repente, um bruá no estádio, a festa dos portistas e o espanto dos sportinguistas. Que imagem, esta.

Quem é afinal o homem do golo? Chama-se José Maria Ferreira de Matos. Muitos anos depois desse golo, atribuído a Gomes, é empregado de mesa no restaurante Império, em Lisboa, e conta tudo em entrevista. “Lembro-me do intenso nevoeiro que estava. Antes do jogo, o chefe dos apanha-bolas, o Valter Leitão, distribuiu-nos pelo campo e mandou-me para trás da baliza. Recordo-me que o Sporting começou a ganhar. Na segunda parte, a vantagem continuava do Sporting, mas nunca pensei em fazer o que acabaria por fazer. Não sei bem como a bola chegou a mim, mas sei que ela veio ter comigo e vi o Gomes a pôr as mãos na cabeça. Sem pensar, dei uns passos e fui até ao canto da baliza, meti a bola lá dentro e fugi para o mais longe possível. Então, vejo o Damas a ralhar comigo, mas eu pirei-me para trás do ‘bandeirinha’; ele já tinha a bandeirola no ar a assinalar o golo. Foi quando os jogadores do Sporting correram para o árbitro, a reclamar. Aí o juiz, que julgo não ter visto bem o lance, começou a mostrar cartões.”

Xiiiiii, que cambalacho. “Eu só queria que não me topassem. Feliz, ou infelizmente, o árbitro marcou e eu saí impune. Tenho pena do Damas, que não teve culpa nenhuma e sofreu um golo ilegal. Por isso, gostava de estar com o árbitro desse clássico para lhe confessar que fui mesmo eu a marcar o golo e não o Gomes.” E o Gomes, alguma vez o viu? “Uns anos depois encontrei-o num Centro Comercial do Porto. Perguntei-lhe, sem ele saber quem eu era, se tinha sido ele a marcar o golo; ele disse que sim e cada um seguiu o seu caminho. Mas acontece a mesma coisa quando o jogador mete a bola com a mão; se lhe perguntarem, ele dirá, quase sempre, que foi com a cabeça. Neste caso, eu sei que não foi o Gomes que a meteu. Digo-lhe isso nos olhos dele, ou nos olhos de quem quer que seja.”

Adiante. Ao 2-2 fantasma de Gomes, o Sporting responde com o 3-2 de Baltasar. Quando Alder Dante acaba o jogo, o Porto chora a derrota. É a sétima jornada do campeonato. A seguir ao sete, costuma vir o oito. Pois bem, a oitava jornada é com o Boavista, no Bessa. No apito, António Garrido. Para a história, aqui vai o onze de Branko Stankovic: Tibi; Murça, Ronaldo, Alhinho e Simões; Octávio, Rodolfo e Cubillas; Oliveira, Seninho e Dinis. É uma bela equipa, com Gomes no banco. Só que o Boavista de Pedroto não está pelos ajustes e arruma a questão através de João Alves, aos 15 minutos. Acaba 1-0 e fixe bem isto: é a última derrota do Porto à oitava jornada do campeonato. Estamos no dia 26 Outubro 1975. Sim, mil-nove-e-setenta-e-cinco. Daí para cá, o Porto nunca nunca nunca mesmo perde mais à oitava jornada, entre 30 vitórias e 10 empates. Em golos, qualquer coisa como 100 marcados e 23 sofridos. Um fartote. Seja fora ou em casa (neutro até: 1-0 ao Salgueiros em Matosinhos e 5-0 ao Espinho na Maia), ninguém faz o Porto em oito. Nem os dois grandes de Lisboa: Benfica apanha 2-1 em 1980 mais 3-2 em 2006; Sporting acumula 1-0 em 2000 e 3-1 em 2015.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Se afunilarmos a pesquisa para Porto, 8.ª jornada e casa, isso aí é um caso (quase) perdido. Para os rivais, bem entendido. Só dois clubes arriscam a surpresa, o Boavista em 1978 e o Braga em 2016. Em ambos os casos, 0-0. Será este sábado o Arouca capaz disso? Bom, a avaliar pela época passada, é capaz disso e muito mais. Que o diga o paraguaio Walter González, autor de um bis. É uma noite histórica por motivos vários. O 1-0 é aos 9 segundos: a bola sai do Arouca, lançamento longo de Adílson para a esquerda, Zequinha foge a José Ángel e o cruzamento é mais de meio golo. Tanto assim é que González até se dá ao luxo de falhar o remate. Empata Aboubakar, assistido por Layún. O Arouca bate o pé e fixa o 2-1, aos 66 minutos, numa perda de bola de Maicon para González. O remate é imparável, está consumado o bis no Dragão.

Ato contínuo, Maicon pede para sair e sai mesmo ser dar cavaco a ninguém. Por breves momentos, o Porto joga com dez. Os adeptos assobiam muito, muitíssimo. É daquelas vaias monumentais, raramente vistas no Dragão. Sobretudo com um capitão. Maicon nunca mais será o mesmo. E sai do Porto para sempre. Assina pelo São Paulo e de lá que solta a língua contra o departamento médico do FCP. “Vou falar algo que ninguém sabe: quando me magoei, tive uma lesão de três a quatro centímetros. Com 15 dias, tive uma recaída. Com um mês e dois dias, tive a segunda recaída. Falei que não queria jogar porque estava a sentir dores. Mas disseram-me que não, que no jogo me ia sentir melhor. Comecei a jogar, tive a infelicidade de tentar driblar um adversário e, naquele exato momento, senti um espasmo, uma contratura na coxa, que me travou todo. Se soubessem verdadeiramente toda a história do que já passei no FC Porto, acredito que aquelas 50 mil pessoas que me vaiaram estariam a aplaudir-me hoje, neste exato momento.”

O 2-1 do Arouca é só a terceira derrota portista em casa, a primeira para o campeonato (Dínamo Kiev na Liga dos Campeões e Marítimo na Taça da Liga). Seguem-se mais três, todas com o selo Peseiro. Agora, com Nuno, outro galo cantará. Se Lito deixar, claro.