Poucas são as escolas que servem nomes de ruas. Dobramos a esquina para o Largo da Academia Nacional de Belas-Artes e percebemos que estamos perante algo relevante, daqueles edifícios onde desejávamos que as paredes tivessem boca. O amarelo vivo nem sempre foi a cor desta fachada, nada de anormal, não é fácil aguentar 180 anos. Quem o fez? A Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL), sucessora da Academia de Belas-Artes. Celebremos então procurando saber mais sobrem quem por lá anda.

Esta semana abriram-se as portas ao público, aos mais tímidos que nunca tiveram coragem de entrar ou àqueles que sempre acharam que isto era um clube de elite. Ou seja, fomos todos convidados. Colóquios, salas abertas – para se poder ver os alunos com a mão na massa – mesas redondas, exposições, todas as iniciativas que se querem neste género de comemoração.

Chegamos pela manhã, em hora de pausa para café na ordem dos trabalhos, e rapidamente nos perguntam: “São servidos?”. Somos pois – experimente oferecer um café a um jornalista a ver se ele alguma vez rejeita. Dizemos que não ao pastel de nata, mas durante pouco tempo. Apenas tentamos não ter a barba com massa folhada na hora de cumprimentar Vítor dos Reis, diretor da FBAUL e nosso guia privado.

Restauros e voluntários

Se a visita é guiada, comecemos pelo início, para o caso de o estimado leitor querer vir também. Deslocamo-nos para a Galeria, bem na entrada da Faculdade, onde estão expostas sete peças que simbolizam uma das grandes novas apostas da FBAUL: “180 anos de história traduzem-se num grande acervo, onde naturalmente as obras se vão degradando. Então decidimos escolher sete obras que carecem de restauro, o contributo mínimo é de 5€ e todas as pessoas podem escolher a obra que querem apoiar”, introduz o diretor.

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Sara Santos, aluna do segundo ano de Design de Equipamento

Estacionamos perante uma obra de Pedro Cabrita Reis, que também aqui estudou. “Esta teve uma vida difícil na faculdade, foi utilizada como prancha para pendurar coisas e afins, às vezes, as obras de arte quase têm vidas piores do que as pessoas”, diz em tom de brincadeira. Mais dois passos e embatemos numa obra intrigante do pintor Artur Alves Cardoso, que, entretanto, no seu percurso, nomeadamente durante o PREC, foi utilizada como arma de propaganda da Aliança Operária Camponesa. “Podíamos ter tirado esse nome, mas afinal, queremos ou não queremos manter a história desta peça? Claro que queremos, sobretudo quando esta se confunde com a história do seu país.”

Filipa Pedroso, voluntária nesta exposição patente na Galeria, confunde-se pouco, mesmo quando a provocamos, como que a querer saber se tinha mesmo sido voluntária ou se isso lhe valeria mais um valor em alguma cadeira:

“Se fosse assim teria vindo mais gente. Venho porque acho importante, ao mesmo tempo que ajudamos a escola na sua missão podemos conhecer pessoas do meio, que podem ser importantes mais tarde”. Ainda assim, e apesar de se mostrar satisfeita com a sua estadia na FBAUL e na licenciatura em Pintura, lembra que há sempre espaço para melhorias. “O edifício está um bocado antigo, devíamos fazer um crowdfunding para isso também”.

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Henrique Lázaro, do quarto ano de Pintura

Quando confrontamos o diretor da FBAUL, Vítor dos Reis não se encolhe nem evita a questão: “O edifício é lindíssimo, está excelentemente situado, mas tem como contrapartida nunca ter sido pensado para ser uma escola, portanto por mais obras que tenhamos feito e queiramos fazer, é sempre uma adaptação. Além disso precisa de restauro constante, já não vai para novo”, explica. E convém dizer que o Convento de São Francisco, que alberga a faculdade, já foi o maior convento de Lisboa, a sua área era tão grande que até era conhecido pelo povo como a cidade de São Francisco.

Virou ruína com o terramoto de 1755 e isso é, ainda hoje, visível. No pátio da escultura, nos pisos inferiores do Convento, podem observar-se pontas de claustros, restos de pedra que ficaram coxos, mas que, ainda assim, dão um senhor trabalho a manter: “Todos os anos temos que ter cuidados com a conservação dos claustros, isto faz parte da história do edifício, é importante para nós que seja preservada”, conta Vítor dos Reis antes de nos mostrar uma das poucas sobreviventes ao tal fatídico desastre natural — uma capela que agora serve para expor o trabalho de um aluno de mestrado em escultura. Capela essa que tem ligação à escadaria nobre do Convento, uma das áreas mais valiosas do edifício: os azulejos que a caracterizam, que vêm do século XVIII, são muito mais que simplesmente valiosos.

Sem expectativas, mas e então?

Larguemos a aula de história, aqui há disso mas também há mais. Do piso térreo, onde vivem os serviços administrativos, subimos para o piso onde habitam as licenciaturas de desenho, pintura, arte multimédia e ciências da arte e do património. É aí que temos um privilégio raro, um que nos permite entrar – a nós, aos alunos e a qualquer visitante – na sala dos professores.

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Vítor dos Reis, diretor da FBAUL

Se a luz é pouca é sinal que aqui estão em exposição algumas obras dos alunos do curso de arte multimédia, licenciatura que André Jesus completou o ano passado. E, pelos vistos, as Belas-Artes devem ser dos poucos estabelecimentos de ensino onde os ex-alunos gostam de voltar: “Estou a acabar alguns projetos com outros alunos que ainda não acabaram o curso, para quem está de fora pode dar a ideia que este é um espaço algo fechado, mas não é verdade, para mim até é estranho trabalhar fora destas salas”, confirma.

André optou por se especializar em animação e já trabalhou com os festivais Doc Lisboa e IndieLisboa em pequenos spots publicitários, algo que só foi possível por ter estado entre estas quatro paredes. “Diria que é um curso com bastantes ferramentas, não é perfeito, mas foi bastante útil e proveitoso para mim”, esclarece.

E eis que uma obra do acaso nos faz embater em Henrique Lázaro, 21 anos, quarto ano de pintura, e um cúmulo de esclarecimento: “Claro que gosto disto, não podes estar neste curso se não gostares do que fazes. É claro que nem tudo é bom, mas enfim, problemas há em todo o lado”, afirma enquanto trabalha, com pincel, uma tela para a sua cadeira de projeto. No quarto ano já não há espaço para ilusões, daí que ninguém se escandalizará que Henrique diga sem meias palavras:

“Nunca vou parar de pintar, isso nem pensar, mas não tenho grandes ambições, gostava de pintar profissionalmente quando acabar o curso, mas sei que para fazer isso tenho que obter dinheiro de outro lado primeiro”.

Antes de continuar clarifiquemos: há sete licenciaturas, doze mestrados e três doutoramentos. Quanto às licenciaturas, são pintura, desenho, arte multimédia, ciências da arte e do património, design de comunicação, design de equipamento e escultura. É precisamente para esta última que assinala a nossa última paragem nesta visita.

9 fotos

Nas caves, ou nos pisos inferiores se preferirmos, está a escultura e todas as oficinas, partilhadas por outros alunos. Como Sara Santos, que frequenta o 2º ano de design de equipamento, que encontramos por entre o ruído da lixadeira automática. Segura um pedaço de madeira que fará parte de uma cadeira que tem de criar. Garante que está a tentar seguir um caminho mais curvilíneo e menos reto, do mesmo jeito que assegura que está a gostar do tempo passado entre estas paredes por aqui: “Não tinha grandes expectativas, não sabia bem como iria ser, nem se queria este curso, talvez por isso esteja a gostar, acho engraçada essa ideia de dar uma nova vida aos objetos”.

Esta vida, a das Belas-Artes, já não vai nova. Pelo contrário. Ainda assim, Vítor dos Reis, em jeito de balanço, garante que a missão está a ser cumprida: “Nunca estamos completamente satisfeitos, mas o balanço é positivo no sentido em que a faculdade é, 180 anos depois, incontestavelmente a maior e mais importante escola de artes em Portugal”. Frase que dificilmente poderíamos contrariar. Nem o queríamos. Queremos sim, se nos deixarem pedir, mais 180 anos.