Não foi preciso convencê-la. Bastou um convite via email para, pouco depois, Milla Jovovich estar no aeroporto Sá Carneiro, no Porto, na companhia da filha mais velha de nove anos, do cão e do agente. A ideia inicial era divulgar posteriormente algumas imagens da consagrada atriz a passear pela cidade sem nunca se explicar o porquê da visita, mas o plano saiu furado: “Hello Porto, I’m here for Portuguese Jewllery!” disse Milla num curto vídeo publicado na rede social Snapchat assim que aterrou no país. E, se dúvidas houvesse, também divulgou imagens da Invicta no Instagram, no Twitter e no Facebook. Alguém estava entusiasmado.

“A Milla aterrou nessa tarde e a sessão fotográfica era no outro dia mas, de repente, já toda a gente sabia que ela cá estava. Tínhamos as revistas a ligarem-nos e a perguntar ‘o que é que ela está cá a fazer?’. Tínhamos jornalistas à porta do estúdio do [fotógrafo] Frederico Martins a pedir para lhes contar o que se passava”, recorda Fátima Santos, secretária-geral da AORP — Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal, que assina o projeto.

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Na altura, pouco se sabia sobre a vinda de Milla. Havia apenas a certeza de que a atriz e modelo de 40 anos estava a participar numa campanha para promover as joias portuguesas. A confirmação chegou no passado dia 27 de outubro quando o Museu de Eletricidade abriu as portas para receber joalheiros, jornalistas e rostos conhecidos do pequeno ecrã para dar as boas-vindas a uma campanha internacional que quer fazer da joalharia o novo calçado português.

“Somos um setor pequeno no país, de microempresas. A média de trabalhadores por empresa é de 2,3. Até agora estivemos muito vocacionados para o mercado interno e, quando nos deparámos com um problema de diminuição de vendas, tivemos de repensar as estratégias, partir para a internacionalização”, refere Fátima Santos ao Observador enquanto uma sensual Milla aparece em pano de fundo, projetada nas paredes brancas do museu.

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A pegada do setor pode ser curta — ao contrário dos sapatos com cunho nacional –, mas tem um volume de negócios no valor de mil milhões de euros, sendo que, entre 2008 e 2014, a exportação teve um crescimento de 500%. Um número redondo que pode vir a crescer mais, agora que a associação está a fazer o esforço de levar a joalharia portuguesa ainda mais além-fronteiras de modo a fazer face a dificuldades de distribuição, produção e comunicação.

O certo é que já antes figuras internacionais ajudaram na projeção do que se faz por cá. São exemplo disso as atrizes Julia Roberts, que escolheu usar uma joia da designer portuguesa Luísa Rosas na capa da revista InStyle, e Sharon Stone, que desfilou em Beverly Hills, na Califórnia, com um coração de Viana pendurado ao peito. Fátima Santos assegura que ambas as situações tiveram impacto ao nível de vendas, pelo que está longe de subestimar a importância de Milla Jovovich neste projeto: “Ela é extremamente profissional, veio cá cumprir um papel. Não é nossa amiga, mas também não tinha de ser. E vê-la a ser fotografada é incrível”, recorda Fátima.

A produção do anúncio com pouco menos de um minuto ficou a cargo de uma equipa 100% portuguesa: a direção criativa é da responsabilidade da Dsection Creative e a produção tem a assinatura da Snowberry; as fotografias foram registadas pela lente de Frederico Martins e o vídeo leva a assinatura de Tiago Ribeiro. E se a associação em causa é de direito privado, os fundos para a concretização da campanha vieram diretamente do programa comunitário Portugal 2020.

“A força da joalharia no mundo é portuguesa”

A campanha pode ter abrangência global, mas há seis marcas em óbvio destaque e que marcaram presença no evento de apresentação da “Portuguese Jewellery”, cujo slogan é “Shaped With Love”. Entre as empresas que a organização diz refletirem uma nova fase da joalharia portuguesa, anexando a tradição às novas tendências, estão dois extremos opostos: a Leitão & Irmão Joalheiros e a Eleuterio.

A Leitão & Irmão existe há mais de 200 anos e ostentou até aos últimos dias da monarquia portuguesa um nobre título: “Fomos ourives da Casa Imperial brasileira e, em boa verdade, ainda somos. E éramos joalheiros da coroa quando a coroa acabou — nós ainda cá estamos, não temos culpa que a coroa não esteja”, brinca Jorge Leitão, cujo fundador original é, se as contas estiveram certas, o seu tetravô. A fábrica da empresa está no Bairro Alto há 130 anos. “São vidas e vidas”, garante Leitão, que assegura que o saber fazer da marca passou de geração em geração, de artífices para aprendizes. “A grande maioria entra ali jovem e sai de lá reformado. Eles são joalheiros, o joalheiro não é um artesão”, continua, enaltecendo a profissão de quem ali trabalha ao ritmo da paciência e da delicadeza. “Há peças que demoram dias, meses ou anos a fazer.”

A Leitão & Irmão não precisa necessariamente de apresentação, mas quer ainda assim fazer parte de um projeto que pretende dar visibilidade à joalharia portuguesa, seja cá dentro ou lá fora. E porquê? Porque “Portugal foi o país que trouxe para a Europa e para o mundo a maioria das pedras preciosas que são hoje conhecidas, que vieram todas do período das Descobertas. A força da joalharia no mundo é portuguesa.” E, por falar em história, desengane-se quem pense que a marca secular esteja ultrapassada, uma vez que o seu conceito de mercado externo passa por vender as peças online: “Achamos que uma peça que custe 7 mil euros pode ser vendida online. As peças só saem de Portugal diretamente para as mãos do consumidor final.”

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Exemplo de uma das joias da Eleuterio. Ana Cristina Marques/Observador

Os irmãos Rosa e Luís Antunes, netos do fundador da Eleuterio, que nasceu em 1925, pensam de forma diferente e querem reforçar o negócio em países como Suíça, França, Bélgica, Alemanha, Reino Unido e Japão. Aqui, os artesãos também são valorizados e considerados o trunfo da marca especializada na filigrana, essa arte de transformar o ouro num fio fino e elegante. Mas, ao contrário dos corações de Viana do Castelo, que vêm à ideia quando se pensa em filigrana, a empresa sediada em Travassos, na Póvoa de Lanhoso, opta por desenhos diferenciadores, que se afastam da tradição e se aproximam da modernidade — a ideia é preservar a técnica, criando modelos que agradem ao público internacional.

Nesta empresa apenas trabalham seis artesãos que, na verdade, resumem-se apenas a duas famílias. Ali há tios e sobrinhos, irmãos também, até porque Travassos foi em tempos conhecida como uma aldeia de mãos habilidosas — porta sim, porta sim, lá estava um artesão pronto para trabalhar, garantem os irmãos Antunes. Mas onde antes houve milhares, agora há apenas dezenas. Ficou a tradição e as ligações familiares que, filigrana após filigrana, ajudam a projetar as joias portuguesas.