Paulo Rangel, jurista e eurodeputado do PSD, afirmou ao Observador que não faz sentido a reação do primeiro-ministro à questão da apresentação das declarações de rendimentos dos gestores da Caixa Geral de Depósitos. António Costa disse este sábado que respeitava a interpretação que outros fizessem da lei — o Presidente da República, a administração da CGD ou o Tribunal Constitucional — mas não disse qual era a verdadeira intenção da alteração legislativa promovida pelo seu Governo.

“Essa declaração não faz qualquer sentido”, diz Paulo Rangel ao Observador. “Aprende-se em Direito aquilo que é a intenção do legislador. O legislador não pode lavar as mãos como fez o primeiro-ministro. Ele tem de dizer qual é a intenção e a interpretação do autor da lei”.

Segundo o eurodeputado, “não se faz uma lei sem saber o que ela quer dizer, para deixar a interpretação à liberdade de cada um. Se fez uma lei, deve ter uma interpretação”. Assim, continua Paulo Rangel, “ou o primeiro-ministro ou o ministro das Finanças “têm de dizer qual é a intenção da lei, qual é a intenção do legislador”.

É inaceitável que cada um tenha uma interpretação que ele respeitará, mas não diz qual é a sua. No fundo, António Costa tem de dizer se acha que a declaração deve ser entregue ou não”, afirma Paulo Rangel.

O social-democrata insiste que o Governo “não deve andar a empurrar responsabilidades e passar no espaço público como se isto fosse normal. Como é que é possível o autor da lei não saber o que a lei quer dizer? O autor deve ter uma intenção com a lei”.

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António Costa tinha afirmado este sábado que respeitava cada uma das interpretações sobre se os administradores da CGD tinham ou não a obrigação de entregar a sua declaração de rendimentos no Tribunal constitucional:

O Governo publicou uma alteração legislativa que está em vigor e que foi verificada aliás também na Assembleia da República. A interpretação que faz o senhor Presidente da República, a interpretação que os gestores da CGD fazem e a interpretação que fará o Tribunal Constitucional respeita a cada um. Respeitaremos a interpretação que for feita”, declarou o primeiro-ministro”, citado pela Lusa.

O primeiro-ministro referiu ainda que a entrega ou não das declarações “respeita” aos próprios membros do conselho de administração da Caixa. Questionado sobre se o executivo deu garantias aos administradores da CGD de que não teriam de apresentar as declarações de rendimentos e património junto do Tribunal Constitucional — como noticia o Expresso, que levanta a possibilidade de os administradores se demitirem caso tenham de apresentar os rendimentos –, António Costa reagiu, afirmando que o Governo “o que fez foi o diploma que aprovou”. E não fez mais considerações sobre o tema: “Não tenho mais nada a acrescentar sobre essa matéria”, disse. De acordo com o primeiro-ministro, relativamente à CGD, “o Governo representa o acionista, que é o Estado, e deve preocupar-se com o essencial.”

Presidente: “Obrigação de declaração vincula a administração”

Marcelo Rebelo de Sousa considerou, numa nota publicada no site da Presidência, que é “uma condição essencial”, a existência de “um sólido consenso nacional em torno da gestão” da Caixa Geral de Depósitos. Num texto que mais parece um parecer jurídico, o Presidente da república disse que esse consenso deve abranger “em especial, a necessidade de transparência, que permita comparar rendimentos e património à partida e à chegada, isto é, no início e no termo do mandato, com a formalização perante o Tribunal Constitucional, imposta pela administração do dinheiro público.”

O Presidente alude ao diploma de 1983 que obriga “à mencionada declaração de todos os gestores de empresas, com capital participado pelo Estado, e em cuja designação tenha intervindo o mesmo Estado, estejam ou não esses gestores sujeitos ao Estatuto do Gestor Público”. Para Marcelo Rebelo de Sousa, tal entende-se “em termos substanciais, visto administrarem fundos de origem estatal e terem sido objeto de escolha pelo Estado”.

Marcelo considera, assim, que “à luz desta finalidade, considera-se que a obrigação de declaração vincula a administração da Caixa Geral de Depósitos”, mas ressalva que “compete, porém, ao Tribunal Constitucional decidir sobre a questão em causa”. Esta posição, aliás, tem sido verbalizada por dirigentes socialistas como Carlos César, que chegou a dizer que “os gestores têm de entregar declarações de rendimentos no TC, como resulta da lei geral aplicável aos titulares de cargos políticos”.

Na nota publicada no site da Presidência, Marcelo diz ainda que se prevalecer uma interpretação diferente da sua “sempre poderá a Assembleia da República clarificar o sentido legal também por via legislativa”. Ou seja, o Presidente recomenda que o Governo clarifique a alteração legislativa que fez, neste caso particular. E avisa ainda o Governo e a administração da CGD que não se pode “temer que os destinatários possam sobrepor ao interesse nacional” a “qualquer tipo de considerações de ordem particularista”. Ou seja, é uma forma de censurar o Governo no caso de ter feito a lei à medida dos desejos de António Domingues e da sua equipa, mas também uma forma de dizer que se estes se demitirem o interesse nacional deve sobrepor-se.