Enquanto se apanham os estilhaços da vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas, o embaixador dos EUA em Lisboa, Robert Sherman, convocou os jornalistas para uma round table com o intuito de passar uma mensagem de tranquilidade: não, as relações dos EUA com a Europa não vão ser postas em causa, a tendência é até de “fortalecerem”; não, o presidente não tem o poder de decidir tudo sozinho; sim, o discurso da vitória de Donald Trump podia ter sido da autoria de Bush, Clinton ou Obama. É preciso esperar para ver, sem julgamentos prévios, porque “a perspetiva da Sala Oval consegue ser muito diferente da vista da campanha”. E pode mesmo “reformular pensamentos”, diz o embaixador.

É esta a mensagem que o representante da Administração Obama em Lisboa quer transmitir aos portugueses, embora sublinhe que não foi instruído para o fazer. A iniciativa do encontro informal foi da própria embaixada, sendo que, segundo revelou Robert Sherman, as instruções que recebeu do secretário de Estado John Kerry foram as de assegurar “uma transição suave” na mudança de pastas, à semelhança do que disseram Barack Obama e Hillary Clinton nas declarações pós-eleições.

A perspetiva da Sala Oval é diferente da perspetiva da campanha.

Certo é que “não sabemos como Trump planeia governar, porque não há uma bitola sobre serviço público anterior”, na medida em que o Presidente eleito não tem qualquer experiência de cargos políticos. Daí que o diplomata refira várias vezes que não quer fazer “julgamentos prévios” sobre a atuação do próximo Presidente dos Estados Unidos apenas com base na retórica usada na campanha eleitoral. Isto porque, disse, e repetiu, “a perspetiva da Sala Oval é muito diferente da perspetiva, do tom e da retórica, da campanha e pode mesmo reformular ideias e pensamentos”. Não quer isto dizer que as eleições não tenham consequências de mudança de rumo, porque têm, mas “está no seu direito de mudar de ideias” em determinados assuntos.

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Robert Sherman chega até a dar o exemplo de Ronald Reagan, já que muita gente achava o então candidato republicano mal preparado e tinha uma postura de guerra aberta com a União Soviética mas foi pela queda do muro de Berlim que o mandato de Reagan acabou por ser recordado.

Este podia não ser o resultado esperado, nem desejado, mas na opinião do embaixador norte-americano, nem tudo o que Trump ameaçou fazer pode efetivamente ser feito. Por vários motivos: primeiro, porque, lá está, “o mundo visto da Sala Oval tem outra perspetiva” e, depois, porque nem todas as medidas executivas podem ser tomadas por decreto. A maior parte, como é o caso da reversão das medidas de Obama, como o Obamacare, tem de passar pelo Congresso (cuja maioria é republicana, é certo). Mas onde é preciso fazer o trabalho de captar os votos necessários.

Discurso de Trump podia ter sido de Obama.

Uma das primeiras formas de avaliar como vai ser o mandato de Trump será através da escolha do gabinete e dos conselheiros presidenciais, explicou o embaixador. Vai rodear-se de amigos? Vai rodear-se de pessoas competentes? Vai ser inclusivo? A questão é importante porque os problemas, quando chegam à Casa Branca, já vão na forma de “horríveis” ou “desastrosos” e, consequentemente, nenhuma decisão e fácil de tomar. Tentando passar uma mensagem de unidade do país, ao lembrar que a campanha já foi “tumultuosa” que chegue e desvalorizando as notícias que dão conta de manifestações pós-eleitorais, o diplomata quis nivelar o tom pela batuta de Hillary e Obama: é tempo de “sarar as feridas” e seguir em frente.

Questionado sobre a forma como ouviu o discurso de vitória de Donald Trump, Sherman foi perentório:

Se fechasse os olhos podia ter sido Obama, Bush, Reagan ou Clinton a falar”, disse, sublinhando que foi um discurso “conciliatório e inclusivo como o discurso que qualquer Presidente deve ter”.

No que diz respeito às relações dos EUA com Portugal ou à incerteza que pode advir das eventuais reversões ao nível da política externa, nomeadamente do que foi conseguido por Obama sobre a NATO, os tratados europeus ou as tropas no Médio Oriente, o embaixador insistiu na mensagem pacificadora e de tranquilidade, recordando a velha aliança histórica entre Portugal e os EUA e afirmando que, à boleia do caminho que Portugal está a fazer no sentido da inovação e da tecnologia, a relação entre os dois países só tem tendência a “ficar mais forte”. Prova disso é a Web Summit, que se realizou esta semana em Lisboa e que recebeu milhares de norte-americanos à procura de fortalecer a sua rede de contactos.

Relação dos EUA com Portugal tende a "ficar mais forte"