Quem foi passa o tempo a justificar por que foi, quem não foi tem na ponta da língua por que não lá meteu os pés. Não interessa muito o que lá se passa, porque o que irrita – e percebe-se porquê – é aquela liturgia do empreendedorismo que causa urticária a muita gente. A mim também. Fui à Web Summit mentalizado para segurar a comichão mas só aguentei uma meia-hora até o fundador, Paddy Cosgrave, aparecer em palco com um mini discurso assim a “bater punho”, a pedir ao povo para se levantar e cumprimentar quem estava ao lado. Lembrei-me logo de quando vou à missa. Estava a metáfora feita. A sério, eu não queria, a culpa foi do messias de T-shirt justa à Zuckerberg, foi ele que me empurrou para o protesto, que é como quem diz para um post inofensivo no Facebook: “Saudai-vos na paz do empreendedorismo”.

Claro que isto na verdade não interessa muito, a não ser para dizer que, como sempre, há muita gente mais preocupada com os rótulos do que com a realidade. “És empreendedor? Estás iluminado pelo espírito da criação em causa própria? Carregas a fé do empreendedorismo?” Bom, eu sou CEO do meu nariz e acho o rótulo e o seu oposto bem despropositados. “Epá, larga os negócios falhados e arranja mas é um emprego!” Paz! Mentalizem-se, no fim vão juntar-se todos. Creio que foi John Chambers, executive chairman da Cisco Systems, a lembrar que os milhões de empregos a criar nos próximos dez anos nascerão essencialmente das startups que estão a crescer no universo digital. A real life vai ser digital e as pessoas, naturalmente, terão que adaptar-se. Sejam empreendedores ou empreendidos, sejam patrões ou empregados.

Enquanto lá não chegamos, aproveitemos o momento. A Web Summit veio para Lisboa e, basicamente, quem podia devia estar. Quem vai para lá com um negócio pode de lá sair com outro ainda maior. Quem vai para lá com nada, pode sair com mais nada, mas também com uma ideia, ou uma inspiração. E é aqui que a coisa se confunde com religião, ou admiração. Enfim, ver Ronaldinho Gaúcho falar sobre o seu empreendedorismo pós-futebol é mais ou menos o mesmo que ver Bruno de Carvalho a marcar um penálti. Não têm jeitinho nenhum, mas que fixam atenções disso ninguém duvida. Talvez a maior fraqueza do Web Summit esteja precisamente nessas miniconferências que se sucedem nos diversos palcos, nas mais diversas áreas. Mesmo que tenhamos pela frente o autor de mais uma ideia de milhões, desengane-se quem ache que ali vai aprender um plano de negócios, ou algo de muito concreto. Desfiam-se exemplos, de milhões, de followers e de engagement, mas a generalidade das intervenções é superficial, no máximo inspiradora. Quem sabe ao que vai lê um ou outro pormenor interessante, quem vai à procura do euromilhões fica condenado a jogar novamente.

A questão é que o Web Summit é muito mais do que isto, o seu real valor está muito para lá do espectáculo que vem dos palcos. Seja pelos corredores, pelos stands ou pela app específica que todos carregam no telemóvel – os telemóveis andam sempre em punho, são os terços desta nova religião – temos a possibilidade de nos colocar face to face com qualquer um, estamos numa feira onde todo e qualquer contacto é possível, porque a informalidade chegou ao negócio. O que o modelo tem de perfeito é o facto de nos retirar dos meetings tradicionais para uma espécie de abordagem de rua, entre iguais, entre CEOs ou CEOs do seu nariz. “Eu acompanho-o ao Vasco da Gama enquanto lhe falo da minha empresa, pode ser?”. É isso, na Web Summit uma startup com potencial de milhões pode vender-se como um par de sapatos em Carcavelos. Na Web Summit recebe-se um desafio para o “pitch amanhã às 09h15” da empresa que até tem um software interessante, ou envia-se outra para o managing director do Manchester United, Richard Arnold (já que estamos na onda, demonstrou como a máquina de marketing dos red devils gera engagement ao nível das maiores religiões do planeta).

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Trump, Trump, Trump… conteúdo, conteúdo, conteúdo

A máquina Web Summit é perfeita e é ela própria um negócio, claro. No meio do entusiasmo do último dia já estamos a receber notificações para compra de bilhetes para o ano seguinte. Coisa barata.

Filipe,

Our €300 tickets for Web Summit 2017 sold out this morning.
After an avalanche of requests from those who missed out, we’ve decided to release another 300 tickets for €300 each to this year’s attendees at 4pm today.
If you’d like to join us in Lisbon in 2017, just head to this page at 4pm to get your ticket.
We hope you’re having a great time at this year’s event.

Web Summit Team

E ainda dizem que um passe de três dias para o Alive é caro. Bebem-se também umas valentes cervejas, as áreas de restauração entre os pavilhões da FIL cheiram a Campo Grande em dia de jogo do Sporting, isto é um festival e a música é o sonho do dinheiro. Vivido em grande estilo. Ser geek agora é cool, é só um traço de ser Millennial, as barbas que eram desprezadas agora são aparadas, moda e gadgets fundem-se para um novo tipo consumismo que alimenta tudo, incluindo a indústria onde vinga o evento.

Não falha nada. Só falhou uma app para adivinhar o resultado das eleições nos Estados Unidos e qual seria a palavra mais pronunciada ao longo dos três dias. Trump, Trump, Trump… Estava tudo muito chocado, incluindo a sabedoria que foi subindo aos palcos, porque alguém imaginou em tempos que as Redes Sociais aproximavam as pessoas e as destinavam a uma espécie de inteligência global, quando o que se vê é precisamente o contrário. “Os americanos não querem saber o que pensam deles ou se alguém acha que estão errados”, dizia Bradley Tusk (fundador da Tusk Holdings, com passado como estratega de comunicação política nos Estados Unidos) em contraponto à ideia muito europeia de uma certa superioridade moral. No final do dia, se calhar, um americano típico só quer estar à vontade para meter comida na mesa e uma bala na cabeça de quem lhe quiser assaltar a casa. As Redes Sociais, as mesmas que elegeram a esperança de Obama, foram as mesmas que ampliaram o ódio e o medo que Trump foi soltando em campanha, se calhar de forma mais estratégica do que pensamos.

Para quem é apaixonado por comunicação, o caso de Trump – curiosamente hoje um moderado – ajuda a bater em cheio no que faz a diferença. Conteúdo, conteúdo, conteúdo! E consistência. Para o bem e para o mal, a auto-estrada está aberta a todos, mas o que nos torna melhores é o que lá metemos a circular. Isto vale tanto para política, como para business ou para Meredith Foster, a youtuber de 21 anos que conta os seguidores aos milhões. A Web Summit trouxe a Lisboa os novos caminhos da Inteligência Artificial e da Realidade Virtual, venerou o vídeo e o mobile, mas nunca se esqueceu da força do conteúdo, e da forma como podemos direccioná-lo para construir comunidades específicas, de amigos, de clientes ou de causas. Vale ainda mais para a Imprensa, que no meio de tanta concorrência tem de encontrar os recursos para ser barómetro de tudo.

Enfim, despedi-me da MEO Arena a ouvir o optimismo de Joseph Gordon-Levitt, actor e fundador da hitRECord, que fez o funeral à ideia de “crowd” para se focar precisamente nessa coisa que se chama “comunidade”, que matou a quantidade para falar apenas de qualidade. Depois, quando fui para o carro vi uma activação de marca qualquer em que convidavam as pessoas a sentar-se na sanita para enviar mais uma ideia pelo cano. Se me sentasse, lá ia aquela coisa antiquíssima chamada de Aldeia Global. Xau.

Filipe Santos é consultor de comunicação