Yann Arthus-Bertrand, de 70 anos, constata com resignação e espanto: “Os seres humanos estão cheios de contradições.” O fotógrafo e realizador francês esteve em Lisboa para apresentar o seu mais recente documentário, Human, e enquanto conversava com o Observador, horas antes da exibição do filme no Centro Cultural de Belém, quis expor as suas próprias contradições.

“O filme é sobre a humanidade que somos e o caminho que estamos a tomar. Há muita compaixão no mundo e mesmo tempo estamos todos cheios de ódio”, explica. “Fala de pobreza, homofobia, família, felicidade, amor, morte. É um pequeno exemplo do que são os humanos. Se tivéssemos entrevistado outras pessoas, claro que o filme seria diferente.”

Human data de 2015 e foi produzido ao longo de três anos em 60 países. Dura pouco mais de duas horas e consiste em excertos de entrevistas a muitas centenas de pessoas, cada qual falando a sua língua, em grande plano, olhando a câmara de frente, em fundo negro. O realizador não esteve em todos os países, não falou com todas a gente, mas socorreu-se de uma equipa de 20 pessoas que trabalhou com ele.

As entrevistas contêm histórias pessoais, com dramas e alegrias, refletem as necessidades básicas de pessoas pobres mas também os problemas e aspirações de quem vive em países desenvolvidos. São entrecortadas por imagens aéreas de paisagens rurais e urbanas, algumas inóspitas, outras familiares aos ocidentais, quase todas deslumbrantes.

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O documentário estreou-se em setembro do ano passado na Assembleia Geral das Nações Unidas e teve sessão especial no Festival de Cinema de Veneza. A exibição lisboeta decorreu nesta segunda-feira à noite no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB), seguida de um debate em que intervieram Arthus-Bertrand, o ex-ministro da Finanças Braga de Macedo e o advogado Pedro Rebelo de Sousa.

[trailer de “Human”]

Arthus-Bertrand mostrou-se especialmente entusiasmado com a projeção no CCB, porque “ver este filme em sala, com muitas pessoas, é muito melhor, há mais partilha, as pessoas riem e choram juntas”, observou.

Ainda assim, por decisão do autor, o filme está há vários meses disponível gratuitamente no YouTube, dividido por vários vídeos. Já teve mais de quatro milhões de visualizações. “É uma forma de disseminar a mensagem, não é um filme comercial”, resume.

Quanto à passagem pelas Nações Unidas, organização de cujo programa ambiental é embaixador de boa vontade, não guarda ilusões. “Foi simbólico, não estava à espera que mudasse a maneira de pensar dos políticos. Nem é esse o objetivo do filme, acho que fala sobre cada um de nós, sobre realidades que nos dizem alguma coisa.”

As classes dirigentes, regra geral, merecem já pouca confiança de Arthus-Bertrand. “Não acredito em políticos, têm destruído a democracia, não têm ética nem moral suficientes para que continuemos a acreditar, estamos todos desiludidos”, afirma.

“Ao mesmo tempo, sei que precisamos de novos líderes. Não acredito em deus, de maneira nenhuma, mas acho que este papa é um desses novos líderes, como Mandela ou Gandhi. Acho que é uma pessoa fenomenal.”

O socialista Pepe Mujica, presidente do Uruguai entre 2010 e 2015, é outro dos líderes que Arthus-Bertrand respeita. É um dos entrevistados de Human, das raras figuras públicas que aparecem no filme.

Com o magnetismo que se lhe conhece, diz que saber viver com o essencial não é uma apologia da pobreza, senão uma forma de se ganhar tempo de vida. Gastando menos tempo a ganhar dinheiro para comprar objetos, as pessoas ganhariam tempo de vida, defende Mujica. O excerto desta entrevista ganhou vida própria e tem sido bastante partilhado nas redes sociais da Internet.

“Francamente, precisamos de ação, este filme é uma forma de ação”, comenta o realizador, descrevendo-se como um “otimista cuidadoso”. Entende que “já é tarde demais para ser pessimista”. Por isso, vaticina:

“Sinto que dentro de cem anos a humanidade vai desaparecer. Se continuarmos como estamos, a humanidade não sobrevive. Espero estar errado, mas se acreditarmos no que dizem os cientistas, e eu não acredito inteiramente, estamos a caminho da extinção. Por exemplo, não consigo entender como é que o meu país continua a vender armas. Somos os terceiros que mais armas vendem em todo o mundo e ao mesmo tempo somos o país onde nasceu o reconhecimento dos direitos humanos. Estas contradições estão dentro de mim, de todos nós. Agora fala-se muito de Donald Trump. Todos temos um pouco de Trump dentro de nós, e todos nós estamos também dentro dele. Este filme fala disso. Não pusemos as pessoas boas de um lado e as más do outro, juntámos tudo.”

O trabalho de Arthus-Bertrand tornou-se bem conhecido dos portugueses com a exposição “7 mil Milhões de Outros”, que passou pelo Museu da Eletricidade entre novembro de 2014 e fevereiro de 2015. Foi vista por mais de 30 mil pessoas. Human dá continuidade a essa mesma exposição.

Mais do que realizador ou fotógrafo – e tantas das suas fotos apareceram ao longo de décadas nas páginas das revistas Geo, National Geographic, Paris Match –, Arthus-Bertrand considera-se jornalista. As fotos aéreas tornaram-no célebre e foi por isso que decidiu utilizar o mesmo estilo neste filme. “É o que sei fazer e acho que o mundo é mais bonito visto de cima”, explica.

Muitas das vistas foram captadas através de câmaras em helicópteros e não com recurso aos muito utilizados “drones”. Arthus-Bertrand não tem nada contra os dispositivos telecomandados com câmara, mas entende que os helicópteros são mais versáteis na captação de imagens e oferecem melhor qualidade.

A propósito do tema da tecnologia, surgiu a pergunta sobre se aceitar o patrocínio do Google fez Arthus-Bertrand sentir algum dilema ético. Human foi produzido pela Fundação GoodPlanet, que o próprio fundou há 11 anos com o objetivo de “apoiar projetos ecológicos”, e pela Fundação Bettencourt Schuller, de Liliane Bettencourt, do grupo L’Oréal. A tecnológica americana também deu o seu apoio.

Arthus-Bertrand é um crítico do consumismo e do sistema capitalista. O facto de o Google ter sido acusado pela Comissão Europeia de concorrência desleal e corrupção não o deixa preocupado? “Provavelmente cometeram algum erro, não sei”, responde o realizador.

“Quando se fala com os responsáveis pelo Google, percebe-se que eles querem mesmo mudar o mundo. Larry Page [diretor executivo da Alphabet, empresa-mãe do Google] adorou este projeto. O velho capitalismo da exploração, com as petrolíferas, por exemplo, é outra coisa”, concluiu.