“Ela”

É uma comédia negra amoral? É um filme de terror com monstros de carne e osso? É um “thriller” psicológico que reduz a estilhas os estereótipos cinematográficos da mulher como vítima passiva e lacrimejante dos predadores sexuais, e sem perversões ou iniciativa sexual própria? O novo filme de Paul Verhoeven, “Ela”, é um pouco de tudo isto, mas não seria o que é se não tivesse a espantosa Isabelle Huppert no papel principal. Michèle é uma empresária de jogos de vídeo e filha de um assassino em série, que é violada em sua casa por um mascarado logo no início da fita. Só em que vez de reagir como se espera que as mulheres a quem sucede o mesmo nos filmes reajam, ela arruma a casa, faz um despiste de doenças contagiosas, compra um “spray” de autodefesa e um martelo de alpinismo, vai para a empresa fazer a vida negra aos funcionários e comunica o sucedido ao ex-marido e ao casal de melhores amigos ao jantar, com a descontração de quem apenas levou um toque no carro. A seguir, Michèle descobre a identidade do seu violador. E como tem uma sexualidade tão ou mais malsã que a do dito, começa a jogar com ele um doentio e perigoso jogo do gato e do rato. É um papel feito à regra e ao esquadro para Huppert, que, de forma assombrosamente convincente, põe a personagem a varar esta complexa história de brutalidade, perversões e desavenças familiares com desprendimento sarcástico, “coolness” desassombrada e uma amoralidade calculista e saboreada. “Ela” é, além do melhor filme de Paul Verhoeven, que nunca nos dá terreno seguro para pisar, um raríssimo filme verdadeiramente “feminista”.

“Uma História Americana”

Ewan McGregor estreia-se nas longas-metragens com uma adaptação do romance “Pastoral Americana”, de Philip Roth, e fica desde já a estranheza pelo facto da distribuidora portuguesa não ter mantido o título do livro. É uma aposta arriscada para um ator com quase nenhuma experiência de realização (tinha apenas rodado antes, em Inglaterra, em 1999, um dos nove segmentos do filme coletivo “Tube Tales”), atirar-se a uma obra de um autor “peso-pesado” como Roth. E o resultado não é famoso. McGregor também decidiu interpretar o papel principal, de Seymour “Swede” Levov, o empresário de sucesso e feliz homem de família de New Jersey, que vê o seu pequeno éden profissional e doméstico desabar, quando, nos anos 60, a sua filha única, gaga, voluntariosa e revoltada, Merry (Dakota Fanning), se envolve nos movimentos de contracultura e contestação violenta ao sistema, cometendo um atentado à bomba, matando uma pessoa e desaparecendo em seguida nos labirintos da clandestinidade. Contando com um bom elenco, que inclui ainda Jennifer Connelly e Peter Riegert, McGregor assina um filme certinho e arrumado, mas muito pálido e mortiço do ponto de vista dramático. “Uma História Americana” aspira a ser trágico mas fica-se pelo patético, a exemplo da martirizada personagem que o seu realizador e intérprete veste.

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“Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los”

Este filme de David Yates com argumento (em estreia) de J.K. Rowling é um “spinoff” das aventuras de Harry Potter, baseado num livro de estudo existente no universo deste, da autoria de um tal Newt Scamander, sobre as criaturas mágicas que o povoam. A história passa-se 70 anos antes do jovem feiticeiro entrar para Hogwarts e marca o início de uma nova série de cinco filmes. Parece que, esgotados os livros de Harry Potter, a Warner Bros não queria deixar escapar a gorda galinha de ovos de ouro que é J.K. Rowling e conseguiu convencê-la, e à equipa responsável pelas anteriores adaptações ao cinema, a empreender uma nova “franchise”, garantida para dar pingues lucros durante os próximos anos. Eddie Redmayne interpreta Scamander, um “magizoólogo” que chega a Nova Iorque nos anos 20 com a sua mala mágica e repleta dos animais fantásticos do título, mais os respetivos “habitats”. Só que alguns fogem e provocam confusões numa cidade que está a ser também afetada por uma misteriosa e invisível força maligna, ameaçando revelar a existência do mundo dos feiticeiros ao mundo “normal”. “Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los” foi escolhido como filme da semana pelo Observador, e pode ler a crítica aqui.