O Governo ainda não tem um ano, mas sempre teve os seus fantasmas. Solução: exorcizá-los. As notícias da morte da “geringonça” foram, desde o início, manifestamente exageradas e a bancada socialista — que vai ironizando com um caminho que correu melhor que o previsto — marcou o primeiro jantar de três dias de jornadas na Guarda para um restaurante mesmo ao lado de um cemitério. Carlos César, o líder parlamentar, não demorou a apontar ao líder da oposição, Pedro Passos Coelho: “Está tomado pelo Diabo”.

Na quinta de Santo António, perto da Guarda, César até falou dos “exorcistas” e “candidatos a exorcistas” (leia-se, potenciais sucessores de Passos), nomeando Luís Montenegro e Rui Rio. Mas há coisas do Diabo: o líder da Federação do PS da Guarda, a grande anfitriã das jornadas, também falou e foi apresentado como o “arquiteto Saraiva”. Burburinho. António Saraiva — sem um José antes, como aquele que chocou o panorama político com o livro “Eu e os Políticos” e cujo apresentador anunciado chegou a ser Passos Coelho — seguiu de facto a carreira como arquiteto e é o líder dos socialistas do distrito.

As metáforas do anti-Cristo podiam ficar pelo primeiro dia, mas estenderam-se ao segundo. E mais uma vez envolvendo o PSD. A câmara municipal da Guarda é gerida por Álvaro Amaro, o presidente dos Autarcas Sociais Democratas, que após uma reunião com o presidente do PS não perdoou nas indiretas. Em jeito de brincadeira, as metáforas sucederam-se. Em primeiro lugar, o autarca começou por oferecer um livro a Carlos César sobre as memórias da Primeira República na Guarda, cujo título não podia ser mais sugestivo: “Euforia breve”. Precisamente, o que estava inicialmente vaticinado pelo PSD e pelo CDS à solução governativa à esquerda.

Mas não ficou por aqui. Álvaro Amaro ofereceu uma figura de um anjo a César, sob a justificação: “Na sabedoria popular, quando estamos muito preocupados, diz-se que precisamos de um anjo da guarda. Este é um anjo da Guarda”. Na resposta, César insistiu na indireta a Passos, sempre no meio de sorrisos: “Desde que dê para afugentar o Diabo…”.

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Nada melhor, contra o Diabo, do que seguir para a casa do Senhor. Da câmara municipal, César deslocou-se até à casa do bispo da Guarda, onde fez questão de destacar a importância das misericórdias e das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) no combate às desigualdades sociais no país. Não foi uma conversa fácil. Quando o bispo, Manuel da Rocha Felício, pediu mais atenção para as questões da interioridade, o deputado Santinho Pacheco prometeu enviar (para o bispo ler) as 160 medidas que o PS anunciou para valorizar interior. O bispo nem deixou o deputado terminar a frase: “Já li, já li, já li as 160, mas escolhia quatro ou cinco, que o importante é apostar na biodiversidade e ajudar o interior a desenvolver as suas potencialidades“.

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Carlos César na conversa com a deputada Maria Antónia Almeida Santos antes da visita à sé da Guarda.

A pequena comitiva socialista — que incluía também a outra deputada eleita pelo distrito, Maria Antónia Almeida Santos — seguiu para a Sé da Guarda. Ao mostrar as valências arquitetónicas, o bispo não deixou de fazer as suas reivindicações: “Entre estas colunas havia um órgão de tubos, disseram-nos que já há aí 400 mil euros mapeados no [Portugal] 2020. Temos essa promessa, esperemos que seja cumprida no próximo ano”. De imediato, Santinho Pacheco disse:

Ano de eleições é ótimo para isso.”

O bispo continuou a visita guiada pela Sé. E, se na noite anterior, a referência ao arquiteto Saraiva, o presidente da distrital, já tinha criado burburinho — pela semelhança com o antigo diretor do Expresso e do Sol — voltou a acontecer. Após uma descrição sobre a arquitetura da sé, o bispo fez uma referência ao livro do dirigente socialista — “Catedrais de Portugal”, prefaciado pelo próprio bispo –, atirando: “O livro do arquiteto Saraiva explica isto tudo”. Novo burburinho, mais do lado dos jornalistas do que dos políticos.

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Comitiva do PS ouve atentamente reivindicações do bispo da Guarda

Em dois dias em que o trabalho político foi mais de formiga, de contacto com empresas e com as estruturas locais, o terceiro dia vai ser o grande dia político, com intervenções de figuras como Carlos César, Vieira da Silva ou António Costa. Sobre as reuniões com empresas, César explicou que foram importantes porque permitiram “ter consciência de que é preciso fazer um esforço muito importante ao nível da governação para que haja uma maior celeridade e uma maior facilitação de todos os aspetos processuais que têm a ver com a aprovação de investimentos, com os apoios às empresas e com a satisfação de pagamentos.” Para o líder parlamentar do PS “isso é fundamental que ocorra, sobretudo para as regiões do interior, onde o atraso ou a menor atenção tem menores consequências do que para as empresas que operam nos mercados ou que têm menor escala.” Carlos César foi ainda mais longe e disse que, nestes contactos com a população e as empresas:

O Grupo Parlamentar do PS não está aqui para elogiar o Governo, para defender o governo junto das pessoas, mas sim para defender as pessoas, as empresas e as regiões, junto do Governo.”