“Eis o Admirável Mundo em Rede”

O subtítulo deste documentário (mais um) de Werner Herzog podia ser “Uma história da Internet, dos seus efeitos do mundo e nas pessoas e do seu futuro, em dez partes”. Narrado pelo próprio naquele seu inconfundível tom nasalado de gravidade monocórdica, o filme começa na sala (reconstruída) da UCLA de onde foi enviado o primeiro “e-mail” (bem, parte dele, pelo menos, facto que dá ao documentário o seu título original) para a Universidade de Stanford, e acaba a falar de inteligência artificial, da possibilidade de uma “Net do Eu” após a dos objectos, e do futuro da rede. Pelo caminho, Herzog mostra coisas magníficas e aterrorizadoras que devemos ao desenvolvimento da Internet, ouve pioneiros de sucesso ou falhados, tecnófilos e tecnófobos, optimistas e cépticos, inventores, empresários e visionários (ou ambos, como Elon Musk), cientistas das mais variadas disciplinas, pessoas que sofrem de um mal raro e atormentador, a alergia a emissões electrónicas, e têm que viver numa zona dos EUA onde elas são anuladas, ou uma família que viu a fotografia de uma das filhas, decapitada num acidente de automóvel, postada na Internet e enviada ao pai por “e-mail”. “Eis o Admirável Mundo em Rede” dispara em muitas direcções, farta-se de coleccionar opiniões, factos, invenções e especulações, quer fascinantes, quer inquietantes, e omite alguns temas óbvios (o fenómeno multiforme do sexo e da pornografia na Net, por exemplo). Mas essa dispersão é também uma das suas virtudes, porque nos dá muito, mas mesmo muito o que pensar sobre a forma como o “mundo ligado” e a evolução tecnológica que lhe está associada nos mudou, e a tudo à nossa volta, continua a mudar cada vez mais depressa, e onde poderemos ir parar por causa deles. Se só vir um documentário este ano, que seja este.

“O Exame”

O tema deste filme do romeno Cristian Mungiu é, resumidamente, a cunha, e “O Exame” bem poderia ter sido feito em Portugal, de tal maneira a nossa sociedade, tal como a da Roménia, continua a depender dela. Isto é, se em Portugal houvesse um cineasta capaz de filmar com o realismo descritivo, impassível e brutalmente eficaz de Mungiu. Ao contar a história de um médico de uma cidade do interior da Roménia que vê a filha única em risco de falhar um exame decisivo que lhe pode valer uma bolsa de estudo para Inglaterra, e puxa cordelinhos para que ela seja beneficiada por um dos professores que vão classificar a prova, Cristian Mungiu ilustra – e sem emitir um juízo moral que seja -, o funcionamento do mecanismo da cunha, do faça-me-lá-um-jeito, da troca de favores, a forma como ele corrompe, e o facto dos que se queixam e indignam com esta cultura de corrupção banalizada, quotidiana e socialmente transversal, serem também aqueles que a praticam e ajudam a perpetuar. Co-produzido pelos irmãos Dardenne, “O Exame” deu a Mungiu o Prémio de Melhor Realizador no Festival de Cannes. E bem merecido foi.

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“Animais Nocturnos”

Tom Ford será um famoso estilista, mas não me parece que venha alguma vez a alcançar um tal estatuto como realizador. Se o seu primeiro filme, “Um Homem Singular”, era só pose, o segundo, “Animais Nocturnos”, é de uma vacuidade e de uma irrelevância entediantes, todo ele superficialidade a armar ao pingarelho de substância, estilo sem discurso. Actores como Amy Adams, Jake Gyllenhaal, Michael Shannon ou Laura Linney são deitados às urtigas neste enredo duplo. Adams é Susan uma galerista de Los Angeles, “in” mas falida, com um marido adúltero. Certo dia, recebe o manuscrito de um livro, “Animais Nocturnos”, escrito por Edward, o seu primeiro marido (Gyllenhal), do qual se separou há quase 20 anos, após o ter magoado profundamente e traído com o actual. No livro, um trio de grunhos rapta, viola e mata a mulher e a filha de um homem que atravessa com elas o Texas de carro, e este procura justiça, e depois vingança, ajudado por um xerife canceroso (Shannon). Ford filma o enredo tal como é imaginado por Susan enquanto lê, com Gylenhaal na figura do marido, Adams na da mulher e a filha de Susan com o segundo marido na da filha do casal ficcional, sugerindo que o livro é a forma oblíqua de Edward se vingar de Susan. Ou será que esta estará apenas a tresler, roída pelo remorso? “Animais Nocturnos” parece David Lynch “light” e mal digerido com pretensões a dizer coisas importantes sobre a vida glamurosa mas vazia e infeliz dos “belos e privilegiados”. Tom Ford que se limite a fazer aquilo que faz bem: roupas.

“Vaiana”

John Musker e Ron Clements, os realizadores de longas-metragens animadas da Disney como “A Pequena Sereia”, “Aladdin” ou “A Princesa e o Sapo”, assinam, com “Vaiana”, o seu primeiro filme digital e em 3D, embora tenham conseguido incluir nele alguns elementos de animação desenhada tradicional. “Vaiana” é a história da adolescente do título, filha do chefe de uma tribo que vive feliz numa ilha paradisíaca. Quando a existência do seu povo é ameaçada por uma força maléfica ancestral, Vaiana, “escolhida” pelo oceano para conseguir grandes feitos, desafia as ordens do pai de não navegar para lá do recife de coral, e de posse de uma jóia mágica, o Coração de Te Fiti, vai à procura do semi-deus Maui, que a roubou originalmente à deusa do mesmo nome, para que ele ajude a devolvê-la e tudo volte ao normal. As canções do filme são de Lin-Miguel Miranda, o compositor do musical da Broadway “Hamilton”, e Auli’i Cravalho, que dá voz a Vaiana, tem ascendência portuguesa. “Vaiana” foi escolhido pelo Observador como filme da semana, e pode ler a crítica aqui.