É sempre assim. No intervalo escola, o melhor escolhe quem quer do seu lado. O mesmo lá na praceta, com pedrinhas e seis passos bem (mal) contados na vez da baliza. Depois é o segundo melhor a escolher. Às vezes, à falta deste, escolhe o dono da bola. São os amigos deste contra os do outro. O que também é habitual nisto dos Teus vs. Meus é ver-se ex-jogadores, mais grisalhos e com uma barriguinha a dar de si, a encontrarem-se no verão e matarem as saudades da “menina”.

No Sporting, e de há muito a esta parte — e “esta parte” é o Boavista-Sporting no Bessa –, tem sido Amigos do Gelson vs. Quem Vier. Sim, Adrien é bom. William idem. Bas Dost faz uns golinhos da ordem, Campbell uns sprints. Patrício não sofre golos porque Coates e Semedo nem deixam que a bola se chegue à baliza dele. Mas Gelson é o faz-tudo: recupera a bola na defesa, trá-la até ao ataque, dribla, cruza, remata, está sempre prontinho a receber a bola e a fazer os rins de quem lhe surgir pela frente “num oito”.

Voltou a ser assim este noite. Do primeiro ao último minuto, até que Fábio Veríssimo apitasse e dissesse que Gelson podia sossegar. Mas vamos lá ao que há para contar da primeira parte.

Uma primeira parte que até começou bem (8′) para o Sporting — aliás, só começou e terminou bem para o Sporting; do Boavista nem sinal. Campbell acelerou entre a defesa do Boavista, entre Edu Machado e Philipe Sampaio, entrou na área pela esquerda, ergueu a cabeça, viu Bas Dost (entretanto, já na pequena área) a chegar-se à área, cruzou atrasou e o holandês rematou de primeira com a canhota. Agayev estava batido — mas aquele “metal precioso” que evita golos fez as vezes do guarda-redes do Boavista.

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Não, aqui não leu “Gelson” em nenhum lado. Vai ler agora. Muitas vezes.

E sai mais um remate para o Sporting — são já dois e nenhum para os da casa. Qual Piqué, qual Hummels, Rúben Semedo pegou na bola, seguiu com ela meio-campo fora e, chegado à área do Boavista, passou-a a Gelson Martins. De costas para a baliza de Agayev, Gelson rodou em três tempos, o central Carlos Santos não rodou com ele, e rematou de seguida. Faltou-lhe a força nas canetas, o remate foi frouxo e o guarda-redes azeri (sim, há guarda-redes no Azerbeijão e nem são maus de todo…) encaixou.

Quando Gelson mete a primeira, ninguém mais o segura. Talocha não segurou. Bas Dost desmarcou-o à direita, a receção da bola foi orientada para a frente, Gelson entrou na área e rematou cruzado depois. Ao lado do poste direito do Boavista. Pouco ao lado: um palmo, se tanto. Isto aos 23′. Dois minutos depois, o golo. É o sétimo golo de Bas Dost no campeonato, mas o mérito é todo ou quase todo de Gelson. À direita do ataque, Gelson driblou um, dois, olhou para a área, cruzou desde a esquina desta para o segundo poste, e o ponta-de-lança holandês do Sporting (nas costas de Philipe Sampaio) quase não precisou de saltar para desviar para golo.

Não foi um remate. Mas o Boavista acertou (40′) no poste direito de Patrício. Confuso? Fábio Espinho subiu pela direita e, chegado à linha de fundo, lá cruzou em esforço e atabalhoadamente. A bola seguiria para fora. Foi o que Patrício pensou. Mas acabaria traído por uma efeito “esquisito” que a bola fez. Depois do poste, ficou na pequena área em André Schembri, André atrasou-a para a entrada desta e Carraça “encheu” o pé. Muuuuuito por cima da barra. Mas Patrício não ganhou para o susto…

A tática do Boavista é mais ciência do que tática. Sabe o que é a tanatose? Não? É a estratégia da qual muitos animais se socorrem para não serem devorados por predadores. Sim, eles simulam a morte. É vê-los deitados, língua de fora, olhos baços, estendidos e firmes, sem que lhes sinta (e veja) tão uma respiração que seja. O “especialista” nisto da tanatose é o gambá, um mamífero com pinta de rato e outra tanta de texugo. Mas o Boavista também não está mal quanto à tanatose, não senhor. Foi vê-lo fazer-se de morto o jogo todo. Ou quase todo. Daqui a nada vai entender o porquê deste “quase”.

Siga a marinha.

Campbell queria cruzar. Ou não. A verdade é que, à esquerda, olhou para a área, viu Bas Dost lá dentro, e tentou colocá-la redondinha no holandês. Mas “redondinha” é coisa que a bola não lhe saiu da canhota, saiu-lhe, isso sim, enviesada, seguiu na direção da baliza, e Agayev viu-se aflito para desviar a bola. Mas desviou. É o primeiro remate da segunda parte, aos 55′. Mas será que foi mesmo isso, um remate? Enfim, o Joel lá saberá.

Até o gambá, perdão, o Boavista despertar, o Sporting ainda esteve perto de fazer o 2-0. Quem mais se não Gelson. Vem vem em dribles (73′) pela direita, dribla enquanto acelera, acelera enquanto dribla, deixa meio Boavista para trás, assiste Bruno César à entrada da área, este coloca a bola entre as pernas de Carlos Santos, mira a baliza, ajeita a bola, puxa da canhota atrás e… PLIM! À trave. Agayev seguiu a bola com os olhos, ficou pregado ao chão, e com os olhos viu a trave tirá-la dali para fora.

Depois, Rúben Semedo esticou-se. Esticou o pé até onde não devia, Fábio Veríssimo assinalou pé em riste, Semedo viu o cartão amarelo, era o segundo e foi tomar duche antes dos outros amigos do Gelson — e do próprio Gelson, está claro.

O Boavista pressionou. Cruzou. Voltou a cruzar. Entretanto, Jesus faz entrar Paulo Oliveira para se livrar de tanto cruzamento. Remates é que nem vê-los. Mais cinco minutos para jogar até final. Aos 93′, Paulo Oliveira cumpriu o que Jesus lhe pedira: recuperou a bola. Esta terminaria em Gelson à entrada da área do Sporting. E Gelson correu. Ninguém do Sporting seguiu com ele. E do lado Boavista, quem seguiu, ficou com os bofes de fora. “Vai para a baliza, chuta!”, pensaram os adeptos. “Não vás! Guarda-a!”, pensou Jesus. Gelson não é só de sprints e dribles. Amadureceu. Pensou como o mister e guardou-a. E o Sporting — ou os amigos dele, vá — venceu à justa e com justiça.

O Benfica — que o ano passado era Amigos de Jonas — está (à condição) a dois pontos.