Os “nuestros hermanos” são hoje mais do que isso: são “bons irmãos“. Quem o diz é Ferro Rodrigues que — ao lado dos reis de Espanha, na cerimónia da manhã desta quarta-feira na Assembleia da República –, optou por um discurso muito politizado, onde defendeu que “independentemente da cor política do governo, Portugal e Espanha têm interesses estratégicos comuns e, como tal, devem ser defendidos na União Europeia, na NATO, ou nas Nações Unidas. A união faz a força“. O presidente da Assembleia da República deu até um exemplo como a união ibérica pode ser eficaz junto de Bruxelas: “Estivemos unidos na hipótese de sanções contraproducentes e injustas aos nossos países”.

Ferro Rodrigues não gosta desta Europa, mas acredita nela. Perante os reis de Espanha, quis dizer que Portugal não a pode mudar sozinho, mas com a ajuda da Espanha será mais fácil melhorá-la. O presidente do Parlamento lembra que Portugal e Espanha têm “a oportunidade de trabalhar em conjunto para que a União Europeia volte a ser um lugar de desenvolvimento e de paz. É nas grandes dificuldades que os grandes projetos se afirmam.”

Mesmo com os partidos à esquerda (mais eurocéticos) a assistirem — BE e PCP não morrem de amores pela monarquia, mas os respetivos deputados estiveram presentes no hemiciclo — Ferro Rodrigues disse que Portugal e Espanha acreditam que “o melhor da Europa ainda está para vir”. Ainda assim, deixou críticas à resposta de Bruxelas à crise financeira.

Para Ferro Rodrigues — que lembrou os últimos 16 anos de relações ibéricas tendo como referência o discurso de Juan Carlos no Parlamento português — “a União Europeia respondeu de forma tardia e insuficiente à maior crise dos últimos 80 anos, deixando que a crise financeira se transformasse numa crise das dívidas soberanas. Na resposta muito insuficiente da UE, deixou-nos impacientes no caso das sanções e, muito preocupados, no caso dos refugiados.” Felizmente, acredita o socialista, a cooperação entre Estados ajudou a minimizar os efeitos.

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No entanto, numa resposta aos anti-europeístas, Ferro lembra que “a União Europeia não resulta uma fatalidade, não é controlada por nenhuma mão invisível, mas pelas opções dos poderes políticos, económicos e financeiros e pela correlação entre eles”. O que é preciso é colocar estes poderes ao serviço do “desenvolvimento” e do fim das “desigualdades sociais”.

Ferro destacou ainda a esperança que Portugal e Espanha no antigo primeiro-ministro português que vai liderar os destinos das Nações Unidas e agradeceu o apoio da diplomacia espanhola:

É grande a esperança dos nossos povos no mandato do novo secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, e foi muito relevante o apoio de Espanha à sua candidatura.”

Pegando naquela que é uma das características do primeiro-ministro português, Ferro pede otimismo perante os desafios que Portugal, Espanha e o mundo têm de enfrentar. Começou por lembrar a atual conjuntura: “O terrorismo e o ciberterrorismo ganharam uma dimensão global, proliferam os Estados falhados, as guerras civis, o drama humano dos refugiados, aqui ao lado no nosso bem conhecido Mediterrâneo. Por outro lado, o aquecimento global tornou-se uma realidade inadiável.” Ora, para Ferro estes “são desafios comuns que exigem mais cooperação entre os Estados, a começar pelos Estados amigos, como Portugal e Espanha. É um momento de preferirmos o otimismo das vontades e da determinação, em vez de embarcarmos no pessimismo e no fatalismo.”

E os países ibéricos têm uma vantagem face a outros países, pois “têm o privilegio de não terem partidos xenófobos com representação parlamentar” e “apesar de tudo” ainda terem “das opiniões públicas mais favoráveis ao projeto de construção europeia.”

Portugal e Espanha, lembra Ferro, estão condenados a entenderem-se, pois “nada do que se passa em Espanha nos é indiferente” e depois, olhando para os reis completou: “Nada do que se passa em Portugal vos é estranho.” Lembrou ainda que Espanha é “o principal mercado” e que foi sempre juntos que os dois países deram os principais passos em democracia: “Mário Soares e Felipe González assinaram juntos o tratado de adesão à Comunidade Económica Europeia”.

Ferro Rodrigues disse ainda que Portugal e Espanha se devem unir em desafios como o combate ao terrorismo, numa frente contra o medo, “que está hoje a envenenar a cooperação entre os Estados e também o funcionamento das democracia.” E a este propósito, Ferro Rodrigues citou a figura maior da literatura espanhola, Cervantes:

Um dos efeitos do medo é perturbar os sentidos e fazer com que as coisas não pareçam o que são. A ordem internacional nas últimas décadas assentou no cosmopolitismo e no multilateralismo.”

Ferro terminou dizendo aos reis que “os portugueses têm um grande afeto por vós”e deixou um desejo: “Percorramos como bons irmãos os desafiantes caminhos do futuro”.