O futuro do Centro Histórico do Porto precisa de ser pensado para lá das intervenções que destroem o que está por trás das fachadas dos edifícios, disseram vários investigadores nos 20 anos da classificação como Património Mundial.

Em declarações à Lusa a propósito das duas décadas da classificação pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês), o professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP) Francisco Barata Fernandes sublinhou que o que tem valor e identifica o Centro Histórico da cidade “não era só a epiderme, a fachada, (…) mas o entrar em cada uma das casas e perceber a sua organização interna”, algo que acredita não estar a acontecer em obras recentes feitas na zona.

Por seu lado, o professor jubilado catedrático da FAUP Alexandre Alves Costa, que frisou falar apenas enquanto cidadão, admitiu não ter uma “visão otimista” sobre o tempo que passou desde a classificação, uma vez que acreditava que “a classificação iria introduzir alguma disciplina e até algum estímulo para que a recuperação fosse feita com critérios que mantivessem o valor patrimonial dos edifícios e não parece ser isso que está a acontecer”.

A análise que o geógrafo e catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto Rio Fernandes faz dos 20 anos que passaram divide-se em três fases, com uma quarta ainda por se desenvolver: em primeiro lugar, a época pós-25 de Abril do Comissariado para a Renovação Urbana da Área de Ribeira/Barredo (CRUARB), que veio a dar lugar a uma segunda fase marcada pela Porto Vivo – Sociedade de Reabilitação Urbana, num modelo “muito orientado para as parcerias público -privadas”, a que se seguiu a fase atual: a da “turistificação”.

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“Diria que mais dois anos e estamos a entrar na quarta fase que é repensar este modelo e os seus limites”, declarou Rio Fernandes, que sublinhou diversas vezes à Lusa não se opor ao aumento dos fluxos turísticos, já que todas as pessoas são turistas em certo momento, mas sim aos excessos que possam “deixar mazelas” no tecido urbano.

Francisco Barata Fernandes responde no mesmo sentido de não ser contra o aumento do turismo (“uma cidade que não atrai outros deve estar muito mais preocupada do que uma cidade que atrai”, diz), mas lamenta que se esteja perante “uma atitude onde o que se privilegia é a imagem da fachada porque é isso que permite fazer o negócio turístico”.

Questionado sobre se é o preço da obra que motiva tais decisões de construção, o arquiteto responde não estar convencido de que assim seja: “Em muitas empresas é mais convidativo não pensar tanto, mandar abaixo o que está e fazer como fazem sempre, quer seja uma casa do século XXI como do século XX. Não estão predispostas nem com formação. O preservar o património exige uma coisa que qualquer pessoa que queira mesmo reabilitar património e não esteja a fazer negócio à pala do património acha natural: primeiro é estudá-lo”.

Alexandre Alves Costa mostrou-se “com expectativa de que esta nova câmara possa, tal como fez em relação à Cultura que deu um salto qualitativo no sentido positivo, ter uma visão mais culta, mais informada sobre as questões da renovação urbana”, uma ideia também realçada por Rio Fernandes.

O geógrafo disse ainda ser necessário perceber se os fundos investidos na reabilitação urbana, em particular sendo públicos, estão “a produzir uma melhor cidade ou se [estão] a acelerar estes processos de fachadismo e de concentração económica em poucas empresas”.