É com “Kilas, o Mau da Fita” (1980) que abre esta terça-feira, na Cinemateca, às 21h30, o ciclo dedicado a José Fonseca e Costa, que irá até dia 30. Trata-se de um filme significativo quer na obra de Fonseca e Costa, desaparecido no ano passado, quer para o cinema português do pós-25 de Abril.

“Kilas” representa o primeiro passo do caminho futuro do realizador para fazer um cinema que fale aos espectadores portugueses, que lhes conte boas histórias, os cative e os faça reverem-se na realidade em que vivem, um cinema que seja popular mas que nunca transija com a qualidade, intenção que orientou toda a obra subsequente do autor de “Sem Sombra de Pecado”. E é um filme que rompeu com o registo militante e com o gesto autorista que caracterizavam o cinema português de então, e que à força do berreiro político e do refúgio no umbigo, cavavam ainda mais o fosso já de si grande entre o público nacional e o seu cinema.

Mesmo tendo sido mal recebido pela maioria da crítica, “Kilas, o Mau da Fita”, tornou-se num dos maiores sucessos de bilheteira da história do cinema português, fazendo mais de 100 mil espectadores. Nele descobrem-se também algumas características que se tornariam constantes na obra de José Fonseca e Costa, como o recurso à co-produção internacional (aqui, com o Brasil) e a atores estrangeiros (caso de Lima Duarte, Armando Bogus ou Natália do Vale, que Portugal já conhecia das telenovelas brasileiras), o gosto pelas escolhas inesperadas ou arriscadas de intérpretes principais (Mário Viegas no machão lisboeta do título) e a amálgama de atores e atrizes de várias proveniências, gerações e escolas.

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Nem todos os filmes que Fonseca Costa conseguiram, como ele sempre quis, agradar ao público, mas não foi por falta de tentar. E isto, como sempre insistia, num país sem indústria cinematográfica e onde a burocracia cultural não permitia aos cineastas filmar com estabilidade e regularidade.

Este grande ciclo permitirá ver todas as longas-metragens realizadas por José Fonseca e Costa, de “O Recado” a “Axilas”, que foi concluída pelos seus colaboradores. Assim como trabalhos para televisão, entre a série da RTP “Ivone, a Faz-Tudo”, protagonizada por Ivone Silva, documentários como “Budapeste” ou episódios de séries em co-produção, bem como curtas-metragens e encomendas institucionais, caso de “A Metafísica dos Chocolates” (sobre a fábrica Regina), “Regresso à Terra do Sol” (o novo edifício do Banco Comercial de Angola, em Luanda) ou “Golf in the Algarve” (os campos de golfe algarvios).

Sem esquecer “Os Mistérios de Lisboa ou What the Tourist Should See”, de 2009, sobre o guia de Lisboa para visitantes estrangeiros escrito por Fernando Pessoa. A fechar, no dia 30, passam dois programas de televisão biográficos: “José Fonseca e Costa: A Descoberta da Vida, da Luz… E da Liberdade Também”, de Diana Andringa (1996), e “José Fonseca e Costa: A Luz no Olhar”, de Paulo Adrião (2012). Como sugestão de leitura complementar, aconselha-se “José Fonseca e Costa-Um Africano Sedutor”, a biografia do realizador escrita pelo crítico de cinema Jorge Leitão Ramos (Guerra e Paz/SPAutores)