O antigo presidente do Banco Privado Português (BPP), João Rendeiro, e os ex-administradores Salvador Fezas Vital e Paulo Guichard vão ser novamente julgados pelo crime de burla qualificada. O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu esta quarta-feira dar provimento a um recurso do assistente José Manuel Pujol e anular o acórdão da primeira instância que tinha determinado em junho de 2015 a absolvição dos ex-gestores.

Ao que o Observador apurou, o acórdão da Relação de Lisboa hoje conhecido, cuja relatora é a desembargadora Cristina Branco, obriga o coletivo da primeira instância liderado pelo juiz Nuno Salpico a ouvir uma testemunha apresentada pelo assistente José Manuel Pujol: Jardim Gonçalves, ex-presidente do Conselho Geral e de Supervisão do BCP.

O coletivo liderado pelo juiz Salpico tinha recusado ouvir Jardim Gonçalves por entender que o mesmo tinha “escassa importância para os autos”.

Está em causa uma entrevista do líder histórico do BCP ao Expresso em junho de 2010 onde Jardim Gonçalves afirmou que João Rendeiro lhe teria pedido para absorver o BPP — banco que tinha, através do veículo Privado Financeiras, uma posição de cerca de 3% no capital do BCP. A Relação de Lisboa considera que é relevante ouvir Jardim Gonçalves para perceber se João Rendeiro pretendeu construir essa posição no BCP para conseguir a incorporação e, consequentemente, um lugar na administração daquele banco — o que, no entender do assistente, dar-lhe-ia um benefício pessoal. Rendeiro negou durante o julgamento que fosse esse o seu propósito.

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O caso da Privado Financeiras

O MP acusa João Rendeiro, Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital de burla qualificada em regime de co-autoria por alegadamente terem atraído de forma fraudulenta investidores para um aumento de capital de uma sociedade veículo do BPP chamada Privado Financeiras. E de forma fraudulenta porquê? Porque alegadamente a empresa já estaria tecnicamente falida na altura da operação de aumento do capita social.

A operação de aumento de capital terá alcançado cerca de 100 milhões de euros, tendo os investidores sido prejudicados num montante total de cerca de 40 milhões de euros.

Entre os empresários prejudicados encontram-se Francisco Pinto Balsemão e Joaquim Coimbra.

Já os montantes captados pelo BPP terão alegadamente servido para abater dívida da sociedade veículo junto de bancos como o JP Morgan (num montante total de 200 milhões de euros) e do próprio BPP (cerca de 50 milhões de euros).

O tribunal de primeira instância acabou por discordar desta acusação do MP por entender que existia prova que demonstrava que a Privado Financeiras não estava falida.

No recurso apresentado na Relação de Lisboa, e que não chegou a ser apreciado pelos desembargadores da 9.ª Secção, o MP solicitava a revogação da sentença de absolvição dos arguidos e a prisão efetiva de João Rendeiro e dos restantes arguidos numa pena “superior à média da média da moldura penal – ou seja, superior a 5 anos de prisão”. Para o MP, “o arguido João Rendeiro” deveria ter uma pena superior à dos restantes arguidos, “uma vez que é maior a sua culpa, dada a sua responsabilidade acrescida”. Só assim, no entender da acusação, seria reposta a legalidade, “transmitindo à sociedade a noção de que os tribunais se mantêm atentos na defesa e proteção das legítimas expectativas dos cidadãos e, em especial, das vítimas”, lê-se no texto do recurso que o Observador noticiou em setembro de 2015.

O Observador contactou Rita Fidalgo Fonseca, advogada de João Rendeiro, que afirmou: “não temos comentários, até porque ainda não fomos notificados de nada”.

Correção: O Tribunal da Relação de Lisboa deu provimento ao recurso de um assistente (José Manuel Pujol) — e não a parte de um recurso do Ministério Público. Por outro lado, a Relação de Lisboa determinou a anulação do acórdão de absolvição e mandou repetir o julgamento apenas para ouvir a testemunha Jardim Gonçalves. Isto é, não anulou a prova recolhida, como o Observador escreveu.