Num exercício delicado de equilibrismo matemático nos mercados financeiros, Mario Draghi parece ter conseguido convencer os investidores de que menos (compras de dívida) com mais (tempo) dá mais (estímulos monetários). A julgar pela desvalorização do euro — mais de 1% para 1,06 dólares –, o presidente do BCE passou no exame, pelo menos para já, de evitar que se comece a falar em começo do fim dos estímulos monetários na zona euro, o temido taper que nos EUA causou muita instabilidade em 2013.

O Conselho do Banco Central Europeu (BCE) decidiu esta quinta-feira prolongar o programa de estímulos monetários até dezembro de 2017 (o final anteriormente previsto era março) mas o ritmo de compras de mensais, nesses nove meses adicionais, desce de 80 mil milhões para 60 mil milhões.

Esta foi a principal medida anunciada por Mario Draghi na habitual conferência de imprensa em Frankfurt, a última de um ano que está a terminar com “incerteza em todo o lado“, nas palavras do presidente do BCE — a eventual saída do Reino Unido da União Europeia, a “possível” alteração da política económica nos EUA após a eleição de Donald Trump e, ainda, a incerteza em Itália, o país nativo de Draghi em relação ao qual o responsável se mostrou tranquilo e confiante de que os responsáveis locais sabem o que têm de fazer, afirmou o italiano.

Copo meio vazio rapidamente se transformou num copo meio cheio

A extensão do programa de compras de dívida, por mais tempo do que se previa (nove, e não seis meses) mas contendo a palavra “redução” do ritmo (60 mil milhões, e não mais os 80 mil milhões), começou por ser vista como um copo meio cheio de água. Nos primeiros minutos após o anúncio da medida, o euro valorizou-se e os juros da dívida de países como Itália e Portugal reagiram desfavoravelmente. A taxa de Portugal voltou aos 3,6% a 10 anos.

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Menos com mais dá mais

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O BCE tem procurado passar uma mensagem de que o importante é o stock de compras (isto é, o montante total de injeção de liquidez que existe) e não, tanto, no fluxo, isto é, quão rapidamente as compras são feitas. E, aí, o programa acaba de ser aumentado em 540 mil milhões de euros em compras de dívida pública e privada. Em contraste, uma das hipóteses mais fortes antes desta decisão, aos olhos dos analistas, era uma extensão por seis meses e a manutenção do nível de 80 mil milhões por mês. O que resultaria num aumento de 480 mil milhões em compras adicionais, ou seja, um pouco menos.

Rapidamente, contudo, a perceção dos investidores mudou. Um olhar mais aritmético sobre o que acabara de ser anunciado mostrou que, apesar de ser importante ter ouvido falar em “redução” pela primeira vez, o facto de ser mais tempo do que o que os analistas previam faz com que, no final de contas, a quantidade de liquidez injetada pelo BCE acabará por ser maior.

Além disso, Draghi sublinhou que o BCE tem uma postura “pragmática e flexível” e nada o impedirá, “se for necessário” de acelerar o ritmo das compras mensais ou, mesmo, voltar a prolongar a vida do programa de compra de ativos. Ambas as coisas já foram feitas, recorde-se: a duração já foi aumentada duas vezes, a contar com a de hoje, e o montante mensal inicialmente definido era, na realidade, de 60 mil milhões — o aumento para 80 mil milhões surgiu quando havia riscos de deflação na zona euro que, agora, Draghi diz que “de um modo geral, desapareceram”.

O BCE marcará presença nos “mercados por muito tempo” e ainda é uma perspetiva “algo longínqua” falar em limitar o programa de compra de dívida. A garantia foi de Mario Draghi, que sublinhou que o taper, ou seja, o estreitamento gradual das compras até zero, não foi discutido e não esteve em cima da mesa.

“Reformas estruturais devem ser sig-ni-fi-ca-ti-va-men-te aceleradas”

Mario Draghi indicou que as decisões hoje tomadas não foram alvo de um consenso pleno, o que não surpreende já que os bancos centrais de países como a Alemanha se opõem a este programa de compra de dívida. Ainda assim, o italiano conseguiu reunir consensos suficientes para deixar no ar a hipótese de voltar a reforçar os estímulos, sobretudo numa altura de grande incerteza nos mercados obrigacionistas em todo o mundo.

Para atenuar os receios dos críticos do programa de estímulos, Draghi falou com uma firmeza ainda mais notória da necessidade de os governos e instituições da zona euro, individualmente, aproveitarem este prolongamento do programa de estímulos para fazerem reformas estruturais cujos frutos possam aliviar a pressão sobre os bancos centrais, neste caso o BCE, que estão a assumir riscos ao avançar com estas políticas inéditas de intervenção.

Para que se colham todos os frutos da nossa política monetária, outras áreas da política têm de contribuir de uma forma muito mais determinada, tanto a nível nacional como europeu”.

Mario Draghi asseverou que “a aplicação de reformas estruturais tem de ser substancialmente acelerada, para que se reduza o emprego estrutural e aumente o crescimento potencial das economias”. E acrescentou que “reformas estruturais são necessárias em todos os países da zona euro”. Em concreto, Draghi defendeu que “o enfoque deve ser colocado nas medidas para aumentar a produtividade e melhorar o clima empresarial”.

As políticas pedidas pelo BCE incluem, também, “fazer investimentos adequados em infraestruturas, que são vitais para estimular o crescimento e dinamizar a criação de emprego”. Também em concreto, Draghi quer uma maior eficiência nas atuais iniciativas de investimento (uma referência, presumivelmente, ao Plano Juncker) e quer mais progressos na união dos mercados de capitais (que veio na sequência da união bancária). Além disso, Draghi voltou a falar na necessidade de mecanismos que ajudem a livrar os bancos dos ativos não rentáveis que estão nos seus balanços”.

Os países que precisam de fazer reformas devem fazê-las, independentemente da incerteza política. Porque a melhor forma de responder às incertezas é fazer reformas que promovam o crescimento sustentável e a criação de emprego”.

Mario Draghi fechou o testemunho garantindo que não são as políticas do BCE que estão a fazer com que alguns países arrastem os pés nessas reformas. “As reformas estruturais que foram feitas na zona euro foram feitas quando as taxas de juro estavam baixas, já estavam baixas há algum tempo”, lembrou Mario Draghi.

O presidente do BCE reconheceu que há áreas em que juros baixos podem induzir complacência, nomeadamente na área das pensões, mas diz que há outras áreas “tão ou mais importantes” que não dependem das políticas do banco central, entre as quais as “reformas na educação, no sistema judicial e, como se viu em Itália, do sistema eleitoral”.