Lucius Malfoy e Cho Chang sentados à mesa, em amena cavaqueira e a sorrirem um para o outro? Quem é fã de Harry Potter sabe que isso dificilmente aconteceria. Mas Jason Isaacs e Katie Leung, os dois atores que lhes dão vida, contestam o óbvio. “Acho que eles nunca tiveram a chance de entrar em contacto um com o outro. Nem uma troca de olhares!”, lançou Jason Isaacs. “Pois é. Se calhar até se iam dar bem”, lembrou Katie Leung, na conversa que tiveram com o Observador este fim de semana, na Comic Con Portugal.

Escusado será dizer que as sessões “Remember Harry Potter” de sábado e domingo, na Exponor, estiveram cheias, ou não fosse a história criada por J.K. Rowling um dos maiores fenómenos recentes de cultura pop. No entanto, Jason Isaacs e Katie Leung acabaram por não revelar muito. Afinal, o último livro já data de 2007 e o derradeiro filme chegou ao cinemas em 2010 e 2011, dividido em duas partes, para fazer render o sucesso.

Em relação a Katie Leung, havia um assunto praticamente obrigatório: o ódio que sofreu depois de ter sido vista no grande ecrã a dar um beijo a Daniel Radcliffe, isto é, a Harry Potter. Aparentemente, muitas fãs não leram o livro com atenção e não fixaram que Cho Chang foi o primeiro amor do jovem feiticeiro, e que foi a ela que deu o seu primeiro beijo. Mas, já se sabe, uma imagem tem mais força que uma narração e, quando a cena passou nos cinemas, a atriz sofreu cyberbullying — incluindo comentários racistas. A atriz pareceu ter lidado bem com o assunto e preferiu contar que o seu parceiro de atuação beijou muito bem. Não houve desmaios nem protestos no auditório após a revelação, o que é um bom sinal dos tempos.

Jason Isaacs contou à audiência, por exemplo, que o seu personagem ia ter cabelo castanho, em vez dos longos cabelos loiros platinados que lhe conferem o ar gélido e assustador. Felizmente, conseguiu convencer a produção a mudar de ideias, e aproveitou para escolher também umas roupas mais aristocráticas do que o fato que lhe tinham destinado.

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As duas sessões “Remember Harry Potter” e a entrevista ao Observador tiveram algo em comum: a cumplicidade entre Jason e Katie, ele com 53 anos, ela com 29, ele mais falador e exuberante, ela mais tímida, mas sempre conversadores entre si e a rirem-se das piadas que contavam um ao outro.

Não sabia que o Lucius Malfoy e a Cho Chang se poderiam dar tão bem.
Jason Isaac: Não sei. Acho que eles nunca tiveram a chance de entrar em contacto um com o outro. Nem uma troca de olhares!
Katie Leung: Pois é. Se calhar até se iam dar bem [risos]

Acham que era possível?
JI: Quem sabe. Acontecem as coisas mais estranhas. Viu que o Trump e o Obama se estão a dar melhor atualmente, por isso, quem sabe? Mas não me faça começar a falar do Trump, senão ficamos aqui eternamente.

harry potter

Não, não, vamos para o mundo Harry Potter. Posso pedir ao Jason que me conte uma curiosidade menos óbvia?
JI: Uma coisa que pode não ser muito óbvia para quem está de fora é que todos nós, incluindo os adultos e mesmo os adultos mais velhos, eram tão fãs dos livros, das histórias e dos filmes quanto as pessoas que apareceram nos painéis ou que querem alguma coisa autografada. As pessoas vêm sempre ter comigo e dizem que são as maiores fãs. Não, nós também somos. Todos sabíamos que o Harry Potter era algo muito especial, não porque fazia muito dinheiro no cinema, mas sim porque chegava às pessoas e as tocava.

A Katie tem 29 anos. Quando o primeiro livro foi publicado cá, os portugueses que hoje têm a sua idade tinham, à época, 11 anos. Era a idade perfeita para começar a ler aquelas primeiras páginas, até porque o próprio Harry Potter tinha 11 anos. Como foi consigo? Também apanhou o fenómeno cedo, ou passou-lhe um pouco ao lado?
KL: Eu lembro-me que lá na escola toda a gente andava obcecada com os livros. Só que quando uma coisa é muito popular eu tendo a recusar-me a aderir. Então, demorei algum tempo até começar a ler. Acho que só tinha lido até ao terceiro livro quando fiquei com o papel de Cho Chang [16 anos]. Só a partir daí é que procurei os restantes.
JI: Quando me convidaram para fazer de Lucius Malfoy, perguntaram se eu tinha os livros e o meu agente respondeu: “Mas é claro que leu os livros. Quem não leu?”. Já que ia fazer os filmes, percebi que devia mesmo de ler os livros, então comprei os quatro que tinham saído até essa data. Abri a primeira página, comecei a ler e passaram-se três dias. Li os quatro livros, acho que nem parei para lavar os dentes, devorei aquelas páginas noites seguidas. Lembro-me de pensar: “Ah, agora percebo.”

Lê muito rápido.
JI: A partir daí passei a comprar os livros mal saíam, à meia-noite, e às cinco da manhã as pessoas, incluindo o meu afilhado, ligavam-me a perguntar se eu já tinha acabado, para poderem comentar.

jason isaacs katie leung comic con

©Divulgação

A sessão de perguntas e respostas do público à Cobie Smulders e ao Kevin Sussman teve as questões mais improváveis que se possam imaginar. Quais foram as questões ou pedidos mais loucos que já vos fizeram neste tipo de eventos?
JI: Foi na Florida, há alguns anos. Eu estava lá por causa do lançamento dos DVDs e estavam milhares de pessoas, sobretudo crianças e respetivas famílias. Uma mulher vira-se e pede: “Podes assinar as minhas mamas?”. E eu, “O quê, minha senhora? Estão aqui muitas crianças!”. E ela responde: “Eu tenho oito filhos”. “E o que é que os seus filhos diriam?” E de repente começam umas crianças a gritar: “Assine, assine”. Eram os filhos [risos]. Eu lá assinei, e depois pedi para se tapar.
KL: Uau…
JI: Nunca tiveste uma destas, Katie?
KL: Não, até agora nunca me aconteceu nada parecido [risos]
JI: Às vezes pedem-me para assinar alguma parte dos seus corpos para depois fazerem uma tatuagem. Já me aconteceu algumas vezes.

E assina?
JI: Tento sempre persuadir as pessoas a não fazerem isso. Depois faço uma assinatura muito, muito pequena, porque não quero que tatuem algo meu.

jason isaacs katie leung comic con 2016

© João Pedro Rocha / Divulgação

O que acharam do final do último livro e da forma como J.K. Rowling concluiu a história?
JI: No geral, fiquei triste por ter terminado, por ela não ter mudado de ideias e ter feito um 9.º ou 10.º livro [risos]. Mas pensei que ela tinha feito um trabalho magnífico e que no cinema teríamos de criar algo completamente diferente, porque grande parte do final foi sobre a ascendência da varinha, sobre a quem pertenceria, que poder teria. O que é perfeito para o mundo que a J.K Rowling construiu, mas é pouco cinematográfico. Mas o David [Yates, realizador] conseguiu dar a volta.
KL: Não mudava nada.

Nem a morte de Dumbledore?
JI: Digo-te uma coisa, se não fores perdendo algumas das personagens principais não tens o drama e a perda, o que torna a história tão madura, apesar de ser sobre personagens tão jovens. A J.K. Rowling evitou esse sentimentalismo e conseguiu com isso criar uma história muito poderosa.

Jason, quando anda na rua, as crianças que se cruzam consigo não se assustam quando o vêm?
JI: Nunca.

Não o reconhecem sem as roupas e os cabelos?
JI: Exato. Sós os adultos, são eles que chamam as crianças e perguntam: “Não estás a ver quem é?”. Muitos não chegam nunca a associar, e os que conseguem ficam demasiado emocionados porque qualquer ligação com aquele mundo é excitante, pelo que não há lugar a medos. Nem do Ralph Fiennes, que faz de Voldemort, elas têm medo porque, na vida real, ele tem nariz [risos]. Mas normalmente as crianças não acreditam nos pais quando eles lhes dizem que eu sou o Lucius Malfoy. Nem mesmo quando eu lhes confirmo que sim. Então pedem-me para fazer a voz. “Mas eu estou a comprar peixe no supermercado, tenho mesmo de fazer?”