A investigação instaurada pelo Exército na sequência da morte dos dois recrutas do 127º curso de Comandos detetou falhas a vários níveis, do recrutamento de militares à instrução dada, passando pelo racionamento de alimentos e de água, que não respeitam as normas previstas na própria doutrina do Exército.

É uma revisão profunda de tudo o que diz respeito ao curso de Comandos. Dois meses depois de ter começado a investigação, a Inspeção Técnica Extraordinária a este curso determina que é preciso fazer oito alterações:

  1. Rever “os procedimentos relativos às entrevistas clínicas” dos recrutas, ajustar a “bateria de exames médicos” e melhorar a “partilha da informação clínica” no que diz respeito ao recrutamento e seleção de militares
  2. Reforçar a formação dos instrutores de Comandos em socorrismo, “para permitir uma melhor identificação de sinais de alerta nos formandos e em formas de atuação preventiva”
  3. Rever e adaptar “os programas de formação em conformidade com a metodologia estipulada pela nova doutrina de formação do Exército definida em 2013″
  4. Há ainda que avaliar com maior rigor a “conjugação do treino físico militar com as restantes atividades de formação com características físicas” para evitar situações de sobre-esforço. É desaconselhado o racionamento de água
  5. Os instrutores de Comandos devem receber formação “em matérias de saúde, permitindo-lhes uma melhor identificação dos sinais de alerta de sintomas de falência física e formas de mitigação da sua ocorrência”
  6. Reforçar o pessoal da “secção de formação” do regimento de Comandos
  7. “Reforçar o controlo por parte do Comando do Pessoal com base nos relatórios finais de curso”
  8. “Rever e melhorar o apoio e a evacuação médico-sanitária” das instalações em que os recrutas recebem formação.

Nas conclusões do Exército, destaca-se a constatação de que é, de facto, aplicado racionamento de água e de alimentação aos recrutas dos cursos de Comandos. Essa prática — que o Exército começou por negar — já tinha transparecido dos testemunhos prestados pelos instruendos do 127º curso, de que faziam parte Hugo Abreu e Dylan Araújo da Silva.

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Mortes que motivaram a instrução do relatório agora divulgado e que constata, de igual forma, que os instrutores do curso de Comandos não têm formação suficiente “em matérias de saúde”, não estando devidamente habilitados a reconhecer “sinais de alerta de sintomas de falência física”. Instrutores que também precisam de ver reforçada a formação em socorrismo.

Numa etapa anterior, o Exército conclui que o próprio recrutamento e seleção de futuros comandos apresenta falhas. Daí que sugira a revisão dos exames a realizar e defenda que a “informação clínica” recolhida numa fase inicial deva estar mais acessível.

Até que as recomendações tenham tido consequências — isto é, até que as mudanças constantes do relatório tenham sido aplicadas — não há mais cursos de Comandos. “Os próximos cursos de comandos se mantêm cancelados até à conclusão das tarefas agora determinadas”, determinou o Chefe do Estado-maior do Exército (CEME).

O general Rovisco Duarte determinou, ainda uma avaliação, “com caráter de urgência”, ao sistema de informação clínica. O relatório deve estar na secretária do CEME até ao dia 20 de janeiro. Além disso, todas as provas de classificação e seleção para as tropas especiais — Comandos, Paraquedistas e Tropas Especiais — devem ser reavaliadas, com data-limite para essa tarefa uma semana depois, 27 de janeiro. Sobre os Comandos, o general determina ainda que seja concluído, também com urgência, a elaboração dos referenciais do curso de Comandos.

No comunicado em que dá conta das conclusões da inspeção, o Exército refere ainda que este trabalho foi feito por uma “equipa multidisciplinar de inspetores” de várias áreas: medicina, educação física, psicologia e em metodologias de formação em contexto militar.

A inspeção do Exército foi instaurada depois de, a 4 e a 10 de setembro, dois recrutas do 127º curso de Comandos terem morrido, vítimas de “golpes de calor”. O Exército tem ainda em curso uma outra investigação interna, que se foca exclusivamente nos acontecimentos que culminaram com as duas mortes e que já resultou na instauração de processos disciplinares a três militares.

Ao mesmo tempo, e com o mesmo âmbito, corre neste momento, no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa um inquérito-crime. No âmbito desse processo, foram constituídos arguidos sete militares, entre instrutores, pessoal médico e responsáveis diretos do curso.

[em atualização]