O impasse entre a Grécia e os credores internacionais, em especial a Alemanha, vai manter-se depois de o Parlamento grego ter aprovado, à revelia dos credores, o pagamento de um bónus aos reformados com pensões abaixo dos 800 euros e de Alexis Tsipras ter voltado a atacar a Alemanha, um dia antes de se encontrar Angela Merkel.

Mais uma muito pública embrulhada com o resgate grego, o terceiro, que já corre há mais de um ano, mas que ainda não conseguiu fechar a sua segunda revisão trimestral. O governo grego decidiu atribuir um bónus de entre 300 e 800 euros a 1,6 milhões de pensionistas, os que recebem menos de 800 euros, a pagar já no dia 22 de dezembro. O bónus atribuído a título de subsídio de natal não o é porque se trata de um pagamento isolado, limitado a este ano. Pelo menos nos planos atuais.

Atenas entende que deve apoiar os mais desfavorecidos distribuindo a receita acima do previsto que prevê ter no final do ano e que permite um saldo primário acima da meta imposta no resgate. Só para o pagamento aos pensionistas o Estado grego terá de gastar 617 milhões de euros.

Mas o governo grego decidiu também que não vai aplicar o aumento do IVA nas ilhas mais afetadas pela vaga de refugiados e que vai contratar mais cinco mil médicos e enfermeiros, para cobrir insuficiências no serviço nacional de saúde grego.

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Problema: os credores não foram consultados e não gostaram. Resultado: suspenderam o alívio da dívida que tinham acordado no Eurogrupo, para o qual a Grécia nem precisava de mais condições ou tomar mais medidas.

O que se seguiu foi mais um bate-boca público e que volta a deixar Atenas sob os holofotes mediáticos e dos investidores.

Depois de o Eurogrupo suspender o alívio da dívida, Alexis Tsipras foi ao Conselho Europeu, saindo de lá com mais críticas à Alemanha, o adversário habitual, e ao FMI, que já também se defendeu publicamente contra o que diz serem mentiras (pouco habitual para o Fundo).

Segundo o primeiro-ministro grego, só a Alemanha se opôs às medidas. Alexis Tsipras disse ainda que era inaceitável que alguns tentassem ressuscitar as negociações em detrimento da Grécia e do seu povo.

Enquanto o primeiro-ministro grego estava no Conselho Europeu, o Parlamento grego aprovava com uma larga margem as medidas:195 votos a favor e apenas 59 contra (os da Nova Democracia).

Credores levantam preocupações

Na quinta-feira, o grupo de credores internacionais também publicou um comunicado onde critica o governo pela decisão e diz que vai avaliar o futuro das medidas de alivio da dívida grega suspensas pelo Eurogrupo esta quarta-feira.

Os credores levantaram “preocupações significativas tanto quanto ao processo, como quanto à substância relativamente aos compromissos do MoU [memorando de entendimento], em especial relativamente às pensões”.

O grupo considera que as medidas podem colocar em causa as metas para 2016, mas admitem que, senão se repetirem, não devem ter impacto nas metas previstas para os dois anos seguintes. Se Atenas as voltar a implementar, a história será diferente.

O Eurogrupo irá voltar a debate o assunto, mas ainda não há data.

Mais um arrufo com o FMI

O FMI não entrou ainda, como credor pelo menos, no terceiro resgate à Grécia, mas não só tem dado apoio técnico, como pode vir a entrar no resgate em breve.

A Alemanha é quem mais pressão tem feito para que isso aconteça, já que o Fundo é mais rígido na hora de implementar o programa e tem mais experiência na aplicação deste tipo de programas, já que o faz um pouco por todo o mundo, embora todos os programas tenham características diferentes.

Washington recusou-se inicialmente a participar (não empresta à Grécia desde 2014) enquanto não houvesse um novo alívio na dívida grega, que considera insustentável, mas tudo parecia bem encaminhado quando em dezembro o Eurogrupo aprovou esta última leva de medidas de alívio da dívida grega. A equipa ia recomendar à administração do Fundo que fosse aprovada a participação em mais um resgate grego e depois de fechadas as negociações técnicas, tudo voltaria ao normal.

Mas Atenas nunca quis o FMI no resgate e continua a fazer força para que o Fundo continue de fora. Esta semana o Syriza, partido do governo grego, acusou o FMI de querer mais austeridade na Grécia. O FMI respondeu desmentindo o partido, entrando num debate público que lhe é pouco habitual.

O Fundo negou que tenha pedido mais austeridade a Atenas, ou que queira sequer que isso aconteça, e que quem aceitou um objetivo mais restritivo para o saldo primário (de 3,5%) foi o governo grego, em negociação com os seus parceiros europeus, quando o FMI defendia apenas 1,5% do PIB de saldo primário como meta, de forma a não prejudicar a retoma.

França do lado da Grécia

Se a Alemanha e o FMI parecem adversários, a França é quem mais joga na equipa da Grécia, pelo menos nas declarações públicas.

François Hollande, prestes a deixar a presidência francesa com uma das piores taxas de aprovação de um presidente em França, defende a soberania da Grécia e diz que o Eurogrupo decidiu aliviar a dívida da Grécia, e nem sequer o suficiente, e que apoia essa decisão.

“Não podemos exigir esforços adicionais da Grécia ou impedir que tomem decisões soberanas que respeitem os acordos feitos aqui em Bruxelas”, disse.

O próprio comissário europeu dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, alinhou com o seu compatriota e diz que a decisão de avançar com o alívio da dívida grega “é robusta” e que foi tomada com base na conclusão com sucesso da primeira revisão. Por isso, diz o francês, “não há razão para a questionar”.

À beira de eleições?

A decisão do governo grego surge numa altura em que Alexis Tsipras estará a ponderar se convoca eleições antecipadas. Essa decisão, diz a imprensa grega, só será tomada em janeiro, quando faz dois anos que o Syriza chegou ao poder na Grécia, período no qual já sobreviveu a um referendo e eleições antecipadas.

No entanto, nunca a popularidade deste governo esteve tão baixa. De acordo com as sondagens mais recentes, o Syriza estará 13 pontos abaixo da Nova Democracia, que lidera com mais de 29% das intenções de voto. o partido de extrema-direita Aurora Dourada também está a crescer e tem metade das intenções de voto do Syriza.

Já os Gregos Independentes (ANEL), que fazem coligação com o Syriza, nem sequer seriam eleitos para o Parlamento se as eleições fossem hoje.

O alívio da dívida aprovado e suspenso numa semana

As medidas foram aprovadas na semana passada depois de meses a serem negociadas. Na altura, o presidente do Eurogrupo disse que o pacote estava fechado e que ia começar a ser aplicado de imediato, sem que Atenas tivesse de cumprir qualquer condição. Isto, apenas para estas medidas para um alívio no curto prazo. Estas são as medidas aprovadas:

  • O perfil de pagamentos da dívida ao fundo de resgate europeu será suavizado. Ou seja, os períodos em que existam pagamentos concentrados serão alterados para que, ao longo dos 32 anos e meio de maturidade média dos empréstimos, os pagamentos estejam melhor distribuídos.
  • Os países do euro irão abdicar de um aumento de juros previsto relativamente a uma tranche do empréstimo do segundo resgate. Essa margem, de cerca de 200 milhões de euros, deixará de ser cobrada. Ou seja, são menos 200 milhões que os países do euro (distribuídos segundo a sua participação no fundo) irão receber.
  • As obrigações com taxa variável, que valem cerca de 42 mil milhões de euros, emprestados pelos fundos de resgate para recapitalizar os bancos, serão trocadas por obrigações com taxas fixas e de longo prazo (significa que os juros serão mais estáveis, mas também que, no curto prazo, a Grécia pode ter de pagar mais juros).
  • O fundo de resgate vai contratar swaps para estabilizar os custos do financiamento pedido para emprestar à Grécia, o que reduz também os custos para Atenas, já que estes são transmitidos para o Estado grego.
    O financiamento passará a ser feito com recurso a emissões de longo prazo, e não as trocas de obrigações e refinanciamentos atuais.

O alívio previsto deveria, segundo as contas do presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade, permitir que as necessidades de financiamento do Estado grego baixem em cerca de cinco pontos percentuais a cada ano e que o nível geral da dívida pública desça em 20% do PIB.

O mesmo não se pode dizer das medidas de longo prazo e que poderiam ter impacto além dos juros. A Grécia há muito que reivindica uma nova reestruturação, depois de em 2012 ter conseguido um corte profundo no valor da sua dívida por acordo com os credores privados. Mas nesta altura seriam os credores oficiais – os países da zona euro e as instituições, como o FMI e o BCE – que estariam na linha da frente das perdas, já que a maior parte da dívida grega vem dos empréstimos dos três resgates.

Os países do euro, em especial a linha dura do Eurogrupo liderada pela Alemanha, têm mostrado a sua oposição a medidas mais profundas, e voltaram a fazê-lo na reunião do passado dia 5. Com isso, os países do euro conseguiram não tomar qualquer decisão agora e dizer que só no final do programa, se o programa for concluído com sucesso (algo que não aconteceu nos dois primeiros, o de 2010 e o de 2012) é que os ministros vão fazer essa avaliação. Se nessa altura essas condições estiverem reunidas e os ministros acharem que existe necessidade de haver um novo alívio, então aí sim a conversa pode ser tida entre Atenas e Bruxelas, mas nunca antes.