O ator e encenador Luís Miguel Cintra, fundador e diretor do Teatro da Cornucópia, afirmou hoje que quem tem de voltar atrás ou não no que respeita ao encerramento desta companhia é o apoio do Estado.

Em declarações aos jornalistas, depois de ter estado à conversa com o Presidente da República e com o ministro da Cultura, Luís Miguel Cintra agradeceu que os dois tenham comparecido no Teatro da Cornucópia, em Lisboa, considerando que “é simpático e honroso, e é sintoma de que tomam o problema a sério”.

Depois, questionado se esse encontro muda a decisão de encerrar a companhia, respondeu que isso não depende de si, mas do Estado: “Não sei, são eles que decidem. Eu não posso saber o que é que vai mudar. Não sou eu que tenho de voltar atrás. Quem tem de voltar atrás ou não são as decisões de apoio do Estado”.

“Vocês não percebem isso? Não estamos a fazer pressão, nem estamos a fazer uma jogada para conseguir aumento de subsídio, não tem nada a ver com isso. Tem a ver com uma situação concreta e real: com o dinheiro que a gente recebe, de há três anos para cá, não é possível esta casa funcionar”, afirmou.

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Luís Miguel Cintra manifestou-se descrente em relação à atuação dos políticos. “Oxalá desta vez queira dizer alguma coisa de diferente, porque há sempre, nas conversas que temos com as autoridades há muito tempo, sejam de que partido for, no fundo, um ‘Big Brother’, uma pessoa que não tem nome e que manda em tudo, uma pessoa ou uma entidade, e que é o dinheiro”.

“E a resposta é sempre: eu queria fazer, mas não há dinheiro. Ninguém disse assim: não, não quero fazer porque vocês não prestam para nada. Vamos lá ver se não existe essa entidade que é esse ‘Big Brother'”, acrescentou.

A Cornucópia anunciou na sexta-feira que ia fechar portas hoje, justificando a decisão com o facto de a companhia de teatro discordar com os atuais modelos de gestão.

“Pensamos que, ao longo destes anos, fizemos muito e menos mal, mas também julgamos já ter idade para ousar dizer que não sabemos nem queremos adaptar-nos a modelos de gestão a que dificilmente nos habituaríamos a cumprir. Isso faríamos mal. Talvez seja tempo de parar a atividade”, podia ler-se no comunicado divulgado na sexta-feira pelo teatro.

Sem programação anunciada para os próximos meses, a companhia de teatro decidiu pôr fim à atividade,com um recital, de entrada gratuita, marcado para hoje à tarde, a partir de textos do poeta francês Guillaume Apollinaire, com a participação de atores e músicos que trabalharam na companhia.

O Teatro da Cornucópia foi fundado em 1973 por Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo.

A estreia deu-se com a peça “O Misantropo”, de Molière, a 13 de outubro de 1973, no antigo Teatro Laura Alves, na rua da Palma, em Lisboa, hoje transformado numa sapataria.

Em 1975 a companhia mudou-se para o Teatro do Bairro Alto (antigo Centro de Amadores de Ballet), onde permaneceu até à atualidade.

Em quatro décadas, centrou-se sobretudo na dramaturgia contemporânea “com a intenção de construir um teatro de reflexão com uma função ativa na realidade cultural portuguesa”, como se lê no site do grupo de teatro.

Encenaram-se peças de Shakespeare, Tchekov, Moliére, Genet, Pasolini, Strindberg, Holderlin, Brecht, Garcia Lorca, mas também Gil Vicente, Camões, Almeida Garrett e António José da Silva.

São “126 criações no histórico, três estreias mundiais, 25 textos dramáticos portugueses, dezenas e dezenas de atores de todas as gerações, encenadores convidados, espetáculos acolhidos e coproduzidos”, elencou o teatro.

O Teatro da Cornucópia propôs uma atividade “sempre contra a corrente”, sem “perder algum sentido de intervenção política, de missão pública”, de fazer teatro “para o público e em função do público”, como afirmou Luís Miguel Cintra à agência Lusa em 2013, por ocasião dos 40 anos da companhia.

Já nessa altura, o ator e encenador falava na possibilidade de o teatro encerrar, por causa de constrangimentos financeiros, por via dos cortes no financiamento público pela Direção-Geral das Artes.

“Os subsídios estão a limitar a liberdade. [O sistema] é mais limitativo da liberdade do que existir uma censura. (…) Eu não ganho cada vez que duplico funções [ator e encenador], ganho sempre o mesmo e ganho uma miséria”, disse na altura.

Luís Miguel Cintra, Prémio Pessoa 2005, dedicou grande parte da vida ao Teatro da Cornucópia retirou-se dos palcos em 2015 por razões de saúde.