Os melhores

“The Complete Essays: 1973-1991”, Luigi Ghirri (Mack)

Num exercício continuado de auto-definição enquanto fotógrafo, Luigi Ghirri escreveu, com pertinência filosófica e histórica, sobre algumas tensões fundamentais da fotografia. Tão estimulante como as suas diatribes contra o estado da arte é a seriedade dos seus fascínios, admirações e dificuldades de compreensão. A perspicácia inusitada dos seus ensaios dá-nos imagem de um contrarian, mas não de um cínico.

“ZZYZX”, Gregory Halpern (Mack)

Numa peregrinação por ZZYZX, uma urbe distópica estranhamente parecida com o sul da Califórnia, Halpern produz neste livro uma ficção em estilo documental. Cheio de ambiguidades, contradições tocantes e alusões pseudo-mitológicas, não se deixa de vislumbrar neste livro uma visão azeda daquilo a que passámos a chamar a América de Trump. ZZYZX é uma meditação visual sobre o que significa encontrar-se lançado no mundo desamparadamente. Venceu o prémio Paris Photo—Aperture para livro de fotografia do ano.

“Around The House”, Robert Adams (Fraenkel Gallery)

“Se os dois factos mais indiscutíveis da vida são o sofrimento e a beleza, uma casa deve, creio, ser imaginada e mantida de modo a mitigar uma e reforçar a outra”, disse Adams a propósito deste livro. O seu pensamento sobre a casa acabará por ficar como o culminar de uma busca com mais de quarenta anos: a busca de um substituto possível para a perda irrecuperável do Oeste Americano, da natureza, e de uma certa visão de América. Se este vier a ser o último livro do grande Robert Adams, outro não fora preciso.

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“The Democratic Forest”, William Eggleston (Steidl)

Ainda que remonte ao final de 2015, a nova edição de The Democratic Forest não deixa de ser um dos acontecimentos de 2016 — complementado mais recentemente por uma exposição associada à publicação de um livro de retratos. Não é que os dez volumes (!) de The Democratic Forest revelem um Eggleston desconhecido. Antes, dão uma ideia mais clara da sua visão e da sua magnitude enquanto artista. — Obra-prima.

“Estranha Guerra de Uso Comum”, Paulo Faria (Ítaca)

Quando nasci, o meu pai tinha a idade que tenho hoje. Ao longo de 2016, assombrou-me por isso, muitas vezes, a constatação da sua existência viva num passado anterior à minha memória. Era um homem feito. Como acontece com muitas pessoas da minha geração, quaisquer tentativas de clarificar esse passado são deflectidas, de uma maneira ou de outra, chegando à experiência da Guerra Colonial. Tal como o pai do protagonista do livro de Paulo Faria, o meu pai partiu para África em 1967, e, se compreendo as coisas, veio mudado. Este livro extraordinário e importante ajudou-me a perceber um pouco melhor a natureza do seu silêncio.

Gostaria de indicar brevemente, por fim, os meus cinco fotolivros portugueses preferidos em 2016: André Cepeda, Depois (Pierre von Kleist); Carlos Lobo, The Dew of Little Things (Éditions Loco); Tito Mouraz, Casa das Sete Senhoras (Dewi Lewis); André Príncipe, You’re Living For Nothing Now (Pierre von Kleist); Sandra Rocha, Le Silence des Sirènes (Éditions Loco).

O pior

Astrologia cultural

Desafio a imprensa a explicar-nos a utilidade de atribuir estrelas a coisas como livros, filmes, discos, etc. Ela responderá que é uma forma mais despachada de veicular “informação”; que isso ajuda os leitores — a quê? Se é um modo de lhes poupar o suplício de leitura, mais despachado seria dar somente estrelas, em vez de razões. Quando dermos por isso, as estrelas já não são o ornamento de uma crítica: a crítica terá passado a ser um ornamento das estrelas, e o crítico, então, um ornamento da imprensa. Excepto como instrumento da cobardia e da perfídia, as estrelas nada acrescentam a uma opinião fundamentada. Falta-lhes, além disso, um algoritmo qualquer generalizável, ligando juízos a quantidades. Traduzindo para estrelas a qualidade das ideias que uma coisa lhes dá, os críticos estão na maior parte dos casos a pontuar-se a si mesmos. Escrevendo para o Observador, que me perdoe, descobri este ano um modo justo de boicote: o de, não dando o meu tempo senão ao que me pareça bom e extraordinário, dar cinco estrelas a tudo. Só quer dizer uma coisa e, no fundo, não quer dizer nada.

[as escolhas de Humberto Brito:]

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