Os melhores

“A Vida Como Ela É…”, Nelson Rodrigues (Tinta-da-China)

À excepção de umas edições de teatro, esta é a primeira vez que o grande Nelson Rodrigues é editado em Portugal. Nesta lista podiam estar os outros dois livros que a Tinta-da-China publicou este ano – as crónicas de O Homem Fatal e as memórias de A Menina Sem Estrela – mas a minha preferência vai para este conjunto notável de contos trágicos, cheios de pecado e morte, tendo como cenário o Rio dos anos 50.

“Born to Run”, Bruce Springsteen (Elsinore)

No ano em que o Nobel foi atribuído a Bob Dylan, uma das boas surpresas “literárias” do ano foi a autobiografia de Bruce Springsteen, um dos epígonos de Dylan. “Literárias” vai entre aspas porque o que há de bom no livro é a ausência de “literatice”. A prosa é naquele estilo directo, de mangas arregaçadas, das melhores canções do Boss. Não há revelações bombásticas, nem segredos de alcova, há só uma maneira intensa de contar um percurso. E é muito.

“Bíblia”, tradução de Frederico Lourenço (Quetzal)

Num país de muita fé, muita crendice e pouco conhecimento dos fundamentos da religião que se professa, a Bíblia sempre foi um objecto estranho, que se tinha lá em casa ao lado da Rosa do Adro, não fosse Deus lembrar-se de castigar com os tormentos do Inferno os que não tivessem o livro na estante. A tradução de Frederico Lourenço (as notas são quase tão divinamente inspiradas como o resto do texto) convida os crentes a conhecer melhor as histórias em que dizem acreditar e certamente converterá muitos “infiéis” à leitura da Bíblia.

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“Chega de Saudade”, Ruy Castro (Tinta-da-China)

Aquelas que, para mim, são as obras-primas de Ruy Castro — as biografias de Nelson Rodrigues e de Garrincha — continuam por publicar em Portugal, mas Chega de Saudade – uma espécie de biografia da Bossa Nova – não fica muito atrás daquelas. É História com aquele jeitinho de quem está a conversar num boteco, é reportagem que dá a impressão que o autor ouviu toda a gente – incluindo os mortos –, é uma investigação minuciosa que ressuscita multidões e refaz uma época inteira à frente dos nossos olhos.

“Vozes de Chernobyl”, Svetlana Alexievich (Elsinore)

Pode-se dizer que a escritora bielorrussa Svetlana Alexievich inventou um novo género literário (ou que, pelo menos, o desenvolveu e aprimorou, pois faz sempre questão de referir o seu mestre e precursor, Ales Adamovich). Mas, como todos os grandes mestres que trouxeram algo de novo à literatura, o interesse dos livros de Alexievich não está tanto nas inovações estilísticas e formais em si mas na forma como as usa para encarrilar e realçar as histórias que tem para contar, como a do desastre nuclear de Chernobyl.

O pior

“Cinco Esquinas”, Mario Vargas Llosa (Quetzal)

Costumo dizer de Mario Vargas Llosa o que algumas pessoas dizem do sexo: mesmo quando é mau, é bom. Mas neste Cinco Esquinas até o sexo é mau, longe das gloriosas páginas de O Elogio da Madrasta e de Os Cadernos de Dom Rigoberto. Este novo romance de Vargas Llosa não está apenas a milhas de distância de obras como Conversa n’A Catedral, A Guerra do Fim do Mundo ou A Festa do Chibo, é também francamente pior do que os romances mais recentes, como O Herói Discreto ou O Sonho do Celta. Parece um daqueles romances atamancados que normalmente só são publicados após a morte do autor. Eis um romance póstumo publicado enquanto o autor ainda está vivo.

[as escolhas de Bruno Vieira Amaral:]

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Bruno Vieira Amaral é crítico literário, tradutor e autor do romance “As Primeiras Coisas”, vencedor do prémio José Saramago em 2015